“Temos de ser um país menos de costumes brandos e mais ambicioso’”, afirma Peter Villax

Presidente da Associação das Empresas Familiares deixa a sua visão para o país daqui a 20 anos.

Como é que vê os desafios do país nos próximos 20 anos, quando Portugal celebrar 900 anos? E quais são?
PV — Os maiores desafios que nós temos olhamos para eles no espelho, todos os dias de manhã. Somos nós que temos de desenvolver mais a nossa ambição, a nossa aceitação de risco. Temos de desenvolver uma cultura que permita os erros e que não os castigue sistematicamente.
Ao mesmo tempo, temos de ter uma cultura de responsabilização. Olhe para o Ministério Público. O Ministério Público tem um conceito maravilhoso chamado autonomia judicial e à base da autonomia judicial todos os erros passam porque depois há um procedimento para dar resposta ao erro.
A autonomia judicial transformou-se em irresponsabilidade. Não pode ser! Temos de nos responsabilizar nós próprios e temos de ter estruturas de avaliação e de responsabilização. Voltando aos juízes. Os juízes são avaliados pelo número de processos que julgam em vez de serem avaliados pela antiguidade do processo, do mais antigo que tenham. Há toda uma mudança essencial.
Repare que eu não lhe estou a dar objetivos concretos: fazer aeroportos ou ferrovias. Não, nada disso. Temos de mudar de atitude, temos de ser mais ambiciosos, com a coragem para levar essa ambição em frente. E temos de nos responsabilizar. Temos de ser menos um país de costumes brandos. Não pode ser os costumes brandos! Temos de ser responsáveis perante nós próprios, perante os outros, isso, sim.

— Isso vê-se também no universo das empresas familiares, sejam grandes, sejam médias, relativamente à forma como se trata as pessoas e se procura reter o talento. Esse é um tema que preocupa também as empresas aqui representadas?
PV — As empresas familiares dividem-se em dois grupos. Numa primeira fase, a empresa familiar procura reter as suas pessoas, utilizando uma técnica paternalista. Somos todos uma grande família. E muitas vezes, até nas empresas que já não têm essa cultura paternalista que vem do fundador, mesmo assim, continua a haver um sentimento de família grande.
Numa segunda fase, quando a empresa familiar atinge uma grande dimensão, tem de ser muito mais profissional e tem de abandonar o paternalismo (característico de uma empresa familiar na sua primeira fase), se quer dar o salto. Se quer subir de divisão, tem de começar a reter os seus trabalhadores, os seus funcionários, com métodos muitíssimo mais modernos e que se ensinam nas escolas de negócio.
Não é só ao nível salarial e das condições, mas também ao nível do equilíbrio entre o trabalho e a vida privada, que é cada vez mais importante. Sei de casos de jovens, conheço casos de pessoas que gostavam de mudar de emprego, mas que não o fazem porque estão a oferecer-lhe, neste momento, condições de equilíbrio entre a sua vida privada e o trabalho que não consegue obter noutras empresas.
Isso tornou-se um aspeto importantíssimo: darmos à pessoa não só boas condições de trabalho, mas também boas condições de vida.

— No fundo, esse é um desafio que se coloca também ao próprio país, não só às empresas?
PV — A todas as empresas e ao país, mas as empresas familiares têm muito orgulho em conseguir reter pessoas durante décadas.
Na nossa empresa (Hovione), festejar as pessoas com 30 a 40 anos de casa é uma cerimónia importantíssima em que participa a fundadora da empresa, minha mãe, que dá os prémios e certificados de homenagem. Às pessoas que fazem 20 e 10 anos, já são tantas que ela não tem tempo. Mas 30 e 40 anos, ela está presente.