Em “As Causas do Atraso Português”, Nuno Palma afirma que, em 1850, Portugal era já o país mais pobre da Europa Ocidental. Em 1900, poucos anos antes da Primeira República, 75% da nossa população era analfabeta e os nossos níveis de riqueza baixíssimos. Hoje, o nível médio da educação dos portugueses é espantosamente maior. Porém, o volume da riqueza mantém-se igualmente dececionante… provavelmente, é este o motivo que justifica que de Portugal, nos últimos anos, tenham saído tantas pessoas – cerca de 900.000 portugueses, dos 18 aos 39 anos, vivem fora do país.
Este êxodo é já uma marca distintiva desta segunda década do milénio, provocando agudas e graves implicações, não apenas emocionais (o vazio que resulta quando filhos abandonam os pais, irmãos e amigos), mas também económicas, sobretudo em economias altamente dependentes de talento e inteligência como as contemporâneas, e com tendência para se intensificar no futuro.
Infelizmente, não há forma evidente de travar esta perda massiva de Portugalidade e valor. Se é verdade que várias destas pessoas se vão embora à procura de mundo para enriquecer os sentidos, calculo que a vastíssima maioria o faça por questões de natureza financeira. Viajei em 87 países e a verdade é que em Portugal se vive lindamente, melhor do que na maioria dos sítios onde estive… tirando o dinheiro.
Passo uma parte relevante do meu tempo com alunos universitários e recém-diplomados em contextos que analisam princípios e condições para a construção de carreiras boas e amplas e, nos últimos tempos, tem vindo a crescer em mim uma tristeza assustadora, que me envergonha e entristece.
Não tenho nenhum problema moral ou ético em aceitar e apoiar a vontade de uma pessoa de 23 anos que quer começar a sua vida profissional num outro qualquer país. Parece-me saudável que alguém assim queira explorar o mundo, conhecer pessoas diferentes, falar uma língua diferente, comer, dormir e visitar territórios diferentes do seu.
O que me incomoda profundamente é conversar com alguém que não tendo essa vontade dentro de si, se vê forçado a procurar uma vida melhor num outro país que não este, porque sabe, empiricamente, que aqui a vida é boa, mas só para alguns. Porque, por mais que nos custe a aceitar, o dinheiro está para a felicidade como a memória para a vida. Se nos lembrássemos de tudo, viveríamos tão mal como se não nos recordássemos de nada. Se tivéssemos dinheiro para tudo, estaríamos tão mal como se não tivéssemos dinheiro para nada. A felicidade não exige milhões, mas algumas centenas de euros por mês são apenas uns tostões. Não chega.
E a minha tristeza intensifica-se e repousa na resposta a uma pergunta que eles, com esperança no rosto, me fazem com frequência: “mas acha que devo ficar ou ir lá para fora?” Digo-lhes que não me cabe a mim sugerir caminhos e desafio-os a explorar as vantagens e as desvantagens de ambos cenários.
Parte de mim, a pragmática, sabe que para se manter competitivo e enérgico, este país não os pode dispensar e precisa deles. Assim, argumento em conformidade explicando que em Portugal existem desafios incríveis pela frente e que no início de uma carreira, há muito para além do dinheiro que deve ocupar as considerações de quem começa a trabalhar e que há três aspetos em que faz sentido focar e usar como critério de seleção para os desafios que se decidem aceitar ou recursar: conhecimento, exposição ao negócio e pessoas. Sabemos que, a médio e longo prazo, o valor de uma carreira está intimamente associado a uma base técnica sólida e à qualidade dos problemas que alguém sabe resolver – quanto mais difíceis os problemas resolvidos e quanto melhor alguém os souber resolver, mais valiosa tende a ser a sua carreira.
Sabemos também que a exposição a vários tipos de negócios, mercados e realidades corporativas acrescentam imenso valor a um percurso profissional – alguém que saiba navegar mercados b2b e b2c, que conheça produto e serviço, que conheça mercado doméstico e internacional, que tenha trabalhado em equipas ágeis e sofisticadas, tem maior valor de mercado e mais possibilidades pela frente.
Por fim, a partir dos 30 anos, as melhores oportunidades de trabalho serão apresentadas por pessoas com quem alguém já trabalhou no passado Portanto, um júnior deve privilegiar desafios que lhe permitam trabalhar com uma grande diversidade de pessoas, preservando a proximidade das relações numa agenda de longo prazo.
Contudo, a outra parte de mim, a romântica, a que vive com os olhos nos sonhos, sabe bem que tirando 2 ou 3%, a esmagadora maioria deles estará a viver vidas financeiramente muito comprimidas aos 30 anos; essa parte, acha que se devem ir embora.
Para quem acompanha a Taylor Swift desde os 12 ou 13 anos no Instagram, para quem sabe que o mundo é amplo e há tantas coisas giras para comprar e tantas experiências boas para viver, para quem todos os dias vê maravilhas no Tik Tok, torna-se assustador perceber e aceitar que, provavelmente, 1000 ou 1200€ por mês, não serão suficientes, quando jantar fora custa 20€, um telefone mais de 1000 e um quarto, em Lisboa, com duas ou três pessoas lá em casa, 500 ou 600€. Como se faz? Como se vive ao nível da felicidade que coletivamente temos dito aos jovens que é possível terem?
Será que temos de recuperar princípios estóicos e dizer-lhes que não devem sonhar com condições melhores e que a grandeza de uma vida boa que vale a pena ser vivida reside na boa gestão de expetativas? Será que temos de nos limitar a dizer-lhes que o que mais pode contribuir para a sua felicidade é diminuírem as suas expetativas?
Infelizmente, faltam-me sugestões para além de: trabalha muito, bem e sê bestial no teu ofício. Infelizmente, faltam-me soluções concretas para além do elementar e comum “precisamos de empresas que paguem mais e de um Estado que cobre menos” – os salários são baixos e os impostos altíssimos.
A circunstância destes jovens alterar-se-ia na presunção de duas condições altamente improváveis: as empresas corrigirem os salários à entrada em 20 ou 30% e o Estado descer os impostos em 20 ou 30%. Não sou economista e a minha ignorância financeira é vasta, não faço a mínima ideia do que representaria para o país descer impostos desta forma. Porém, sei que o “choque fiscal” deste novo Governo não apresenta indicadores que movam o ponteiro e façam alguém de 23 anos, sentir que vale a pena não ir.
Adicionalmente, estando bem consciente da realidade que acompanho nos meus clientes, tenho a certeza de que, nos próximos anos, os salários dos jovens não vão subir 20 ou 30% – é, simplesmente, impossível. E engane-se quem pensa que isto não acontece por avareza, não é porque as empresas não queiram, ou não devam, querem e sabem que devem, porém, não podem, é apenas um tema de sustentabilidade – subir salários em 20 ou 30% aos juniores, obrigaria a subir salários em 20 ou 30% a 30 ou 40% dos seus colaboradores – não é possível termos um júnior a ganhar 1900€ quando a sua chefe, com 5 anos de experiência, ganha apenas 1650€. Num país com a nossa economia, não há PNL, de nenhuma empresa, que consiga aguentar este tipo de aumentos.
A verdade é que a magnitude dos nossos salários e impostos não acompanha a magnitude do nosso talento. Assim, da próxima vez que um jovem lhe perguntar se faz sentido ir lá para fora, pode dizer-lhe, com honestidade, que nos primeiros anos da sua carreira o mais importante é o volume de aprendizagem, a profundidade do conhecimento sobre negócios e a variedade de pessoas com quem trabalha…
Todavia, se realmente se importar com essa pessoa, também lhe pode dizer, com absoluta tristeza, que podem conseguir tudo isso, mais um salário de 2500 ou 3000€ por mês, noutro sítio.
Empresário e formador (Magma)