Arquiteta compra empresa onde trabalhou dez anos. “Temos de arriscar”

Aos 43 anos, é dona e CEO da empresa Architect Your Home (AYH), onde trabalhou nos últimos dez anos. Mariana Pedroso, arquiteta de formação e surfista nas horas vagas, deixa conselhos para quem quer empreender e critica os custos “absurdos” da construção em Portugal

Arquiteta de formação e surfista nas horas vagas, Mariana Pedroso atreveu-se a surfar ondas mais altas e comprou a empresa onde trabalhou nos últimos dez anos. Aos 43 anos, é a atual CEO e Owner da Architect Your Home (AYH), antes sediada no Reino Unido, e dirige uma equipa de mais de 30 pessoas, com nova sede no Oeiras Valley.

O que é que a levou a tomar a decisão de comprar, em 2023, a empresa onde trabalhou durante dez anos?
Mariana Pedroso – Decidi avançar com a compra da casa mãe no seguimento de uma vontade que tinha de fazer crescer a empresa. Tivemos um progresso e um crescimento estável cá em Portugal ao longo dos últimos quase 12 anos e, quando surgiu essa oportunidade, achei que seria um ótimo momento para conseguir fazer um volte-face e começar a comandar as rédeas da empresa, trazendo a sede para Portugal.

O meu objetivo era que a sede deixasse de ser no Reino Unido e passasse a ser em Portugal – transformando a equipa do Reino Unido numa sucursal nossa – e, a partir daí, começar a criar outros países onde pudéssemos ter também a Architect Your Home (AYH). Entendo que é uma marca que tem potencial para ser expandida e internacionalizada. Foi, no fundo, agarrar a oportunidade.

Tal como acontece noutros setores, os cargos de topo e de liderança ainda são muito ocupados por homens nesta área. Sente que há dificuldades acrescidas por ser mulher?
MP – A minha área é um mundo de homens. Tem sido muito comum, ao longo da minha carreira, ter reuniões com os decision makers e serem sempre no masculino. Portanto, ao longo dos anos, também me fui habituando a isso. É muito raro estar sentada à mesa com decision makers no feminino. Há claramente um caminho a percorrer nesse sentido.

Ao mesmo tempo acho que isso também faz com que nós [mulheres] acabemos por ser mais determinadas e dá ainda mais vontade de conseguir chegar mais longe. E é algo que é igual tanto cá como no Reino Unido. Não é uma coisa portuguesa, é uma coisa universal. Não é um mundo de mulheres ao nível dos negócios, é um mundo de homens. Aos poucos estamos todas aqui a conquistar o nosso lugar e acho que, quando for a vez das minhas filhas, vai haver mais igualdade entre mulheres e homens em cargos de decisão.

As suas filhas também acabam por ter o seu exemplo enquanto mulher e líder de uma empresa…
MP – Sim. Passo a vida a dizer-lhes que cada um de nós faz o seu percurso e que não é por serem mulheres que vão deixar de fazer aquilo que quiserem, seja em que área for.

Obviamente que para isto ser possível tem de haver uma distribuição equitativa de tarefas na família. Eu também tive duas filhas e há um momento que é muito próprio da mulher que é a parte da maternidade e do acompanhamento da infância, em que há uma ligação afetiva com a mãe, até em relação à amamentação. Todas as mulheres que têm filhos devem usufruir deste momento e não devem deixar de fazê-lo por causa de uma carreira. Acho que é possível fazer as duas coisas e posso dar provas do meu caso. Foi possível construir e fazer crescer uma empresa, mesmo tendo estado grávida e depois com filhos.

Qual foi o maior desafio que enfrentou até agora enquanto líder da empresa e como é que o superou?
MP – Acho que foi o lançamento da empresa em si. Começar do zero, basicamente com zero clientes. Foi num momento em que eu fiquei grávida. Portanto, também foi um momento muito desafiante a nível pessoal.

Houve outros dois momentos bastante duros em termos de crescimento da empresa e de gestão que foi a Covid e o pós-Covid porque houve uma quebra abrupta e, de repente, foi preciso reequacionar tudo.

Depois tivemos um momento de transição para o mercado B2B, o mercado dos promotores, das construtoras, sendo que tínhamos estado sempre muito virados para o mercado B2C, o consumidor final. Quando começámos a crescer e a ter projetos maiores, entrámos num mercado que já está claramente ocupado por outras pessoas e tivemos de nos adaptar para começar a ocupar o nosso espacinho e a ganhar os nossos clientes.

Isso ainda é, hoje em dia, um desafio porque é um mercado altamente competitivo onde não estamos num nicho como estávamos antes. Estamos a competir em águas abertas como todas as outras equipas da mesma natureza, o que nos obrigou aqui uma série de passos, alguns deles intuitivos e outros muito estratégicos.

Um desses passos foi o rebranding da empresa, que estamos agora neste momento a fazer, para posicionar em termos estéticos e estratégicos a empresa perante esse mercado. O outro foi claramente a compra da empresa mãe no Reino Unido porque, a partir desse momento, o grau de responsabilidade aumentou exponencialmente.

Uma das suas paixões, a par da arquitetura, é o surf. Praticar surf ajuda-a também a ter uma maior perseverança em relação aos obstáculos?
MP –Ajuda imenso. O surf é uma ótima analogia para a gestão de negócios. Quem pratica surf, antes de chegar à praia, vê as câmaras para perceber como é que o mar está, como é que o vento está, se vai haver ondas, como é que está a maré e escolhe-lhe uma praia para ir. Eu faço isto constantemente nos negócios: análise de mercado.

Depois chegamos à praia e as condições às vezes não têm nada a ver com o que estava na previsão. Temos de analisar na praia em que zona do mar é que vamos entrar, se há agueiros ou não, e adaptarmos a gestão à situação corrente.

Quando se está dentro de água tem de se estar presente no momento. Não podemos estar a pensar noutra coisa. Se uma pessoa estiver distraída, é enrolada ou não apanha a onda. Isso também é uma coisa que acontece nos negócios. Há momentos em que não se pode estar a pensar para trás e para a frente, tem de se atuar naquele momento.

A atual crise na habitação e diminuição do poder de compra condicona os projetos cá em Portugal?
MP – Sim e não. Continua a ser muito necessário haver projetos, pelo que não condiciona a montante. Acho que há um certo abrandamento, no sentido em que o aumento do custo do preço metro quadrado dos terrenos e dos prédios levou a que todos os projetos de grandes centros urbanos sejam vendidos a preços muito altos. Não porque o promotor esteja à procura de um lucro absurdo, mas porque nem há outra hipótese.

Há todo um trabalho que parte do lado público e de regulamentação para os preços voltarem a nivelar-se porque a construção está extremamente cara.
Lidamos muito com pequenos promotores e investidores que tentam fazer coisas acessíveis e que, quando veem os orçamentos de obra, a conta não fecha.

Olhando para o futuro, quais são os principais objetivos que tem para a AYH nos próximos anos?
MP – A nível nacional, o nosso objetivo é consolidar-nos no mercado B2B e continuar na mesma rota de crescimento. Temos, atualmente, cerca de 600 clientes, uma faturação de 8 milhões de euros e um crescimento de 15% ao ano. O objetivo é manter este crescimento estável.

Em termos internacionais, o nosso objetivo é ir consolidando o mercado e criando novos Architect Your Home (AYH) noutros países da Europa. Iniciámos com o Reino Unido e, nos próximos dois a três anos, o objetivo é conseguir ir a mais dois ou três países próximos e relacionáveis connosco. Tínhamos considerado Espanha, França e Itália como próximos países de expansão.

– Que conselhos daria a outras mulheres que também ambicionam chegar a cargos de topo ou ter o próprio negócio?
MP – Têm de ser muito resilientes. Em cada dez “nãos”, há um “sim”. Há momentos em que uma pessoa está mais em baixo e as coisas não estão a correr tão bem, mas não se pode parar. É um trabalho 24 horas. Quem tem uma empresa própria sabe que não pára propriamente de trabalhar na sua cabeça.

Nada se faz sozinho, é preciso ter uma boa equipa a trabalhar connosco, a todos os níveis. No nosso caso, eu preciso de ter muito bons arquitetos a trabalhar comigo e decoradores que compreendam qual é a visão que eu tenho para a empresa e que tenham um bom espírito de comunicação e de equipa.

Há uma característica muito comum das mulheres que é tentar sempre ser a “super-mulher”. Acham que conseguem fazer tudo e, no meu entender, não é uma boa técnica. Acaba sempre por chegar a um momento em que se explode. É preferível ir-se fazendo as coisas, tendo em consideração que algumas não vão ficar 100% perfeitas. E depois pensar quais é que são as nossas prioridades porque é impossível conseguir fazer tudo.

A vida também encarrega-se de nos ensinar essas coisas. O mais importante é mesmo ter garra e vontade de fazer as coisas porque isso depois leva-nos muito longe.