‘Alqueva’ do Tejo: “O rio está doente e precisa de um pacemaker”

Projeto Tejo permite regar 300 mil hectares, mas ainda não saiu do papel. “Falta vontade política”, criticam os promotores.

O projeto Tejo é o vencedor do prémio Prémio Marquês de Rio Maior para a Agricultura, pela sua “proposta relevante e inovadora no aproveitamento dos recursos hidráulicos para fins múltiplos, nomeadamente na rega do Vale do Tejo, Oeste e Setúbal.”

“A sociedade civil começou a perceber que o Projeto Tejo é fundamental. Não vai haver água daqui a uns anos, se não se fizer nada”, alerta Jorge Froes, um dos pais do projeto. “Este prémio vem reconhecer esta ideia e a resiliência do grupo”.

O mau aproveitamento da água naquele que é o rio mais extenso e com a terceira maior bacia hidrográfica da Península Ibérica tem sido discutido nos últimos anos, mas continua sem solução.

O projeto Tejo, elaborado em 2019, pela iniciativa dos empresários Manuel e Miguel Campilho e desenhado pelo especialista em hidráulica Jorge Froes, tem o custo de 4,5 mil milhões de euros e pretende responder à ‘seca’ no rio Tejo.

Para isso, a iniciativa pretende reter parte da água do rio através da construção de uma rede de canais e adutoras a começar na barragem de Castelo de Bode, bem como a construção de seis açudes até quatro metros de altura entre Abrantes e Lisboa, que vão tornar o Tejo navegável, e com estações elevatórias que vão permitir bombar a água para as encostas da Lezíria e também da região Oeste, com pomares de fruta.

“O projeto tem muitas valências, mas a principal é a hidroagrícola. Chegámos à conclusão de que era possível com a água do Tejo regar 300 mil hectares, o dobro do Alqueva”, afirma o especialista Jorge Froes. “Esta solução surgiu há cinco anos e, na altura, já dizíamos que as águas subterrâneas estão caras e são para proteger. Devemos usar as águas superficiais, as quais, neste momento, 99% vão para o mar.”

Há quem fale numa ‘morte lenta’ do rio Tejo que, em alguns pontos do seu curso, já se encontra reduzido a uma mera passagem de água.
Manuel Campilho, promotor do projeto e presidente do Grupo Lagoalva, alerta: “o rio está moribundo e, se nada for feito, vai acabar por se degradar ainda mais e transformar-se num esgoto.”

“Aquilo que queremos é dar vida ao rio. Não é possível agricultura sem água. Ou críamos infraestruturas que permitam aos agricultores disporem de água ou a agricultura não existe. O rio deve ter água no verão e no inverno. É aquilo que o Projeto Tejo pretende que aconteça.”

“Não houve vontade política deste governo para avançar”

O problema é mais do que reconhecido, mas a urgência dos responsáveis do projeto não tem sido acompanhada de uma resposta política.
Em 2019, o Ministério da Agricultura avançou com um estudo para avaliar a viabilidade do projeto que, até ao momento, ainda não foi apresentado.

“Supostamente levaria seis meses, mas já se passaram quatro anos e ainda não saiu. Isto não pode demorar o tempo que demorou a decisão para construir o novo aeroporto”, critica Manuel Campilho.

No que respeita ao financiamento, o projeto também não consta do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), criticam os empresários. “O PRR português tem 700 milhões de euros para as águas no geral. Espanha tem 23 mil milhões. Aí se vê a importância que se dá à água. E, pelo andar da carruagem, ainda vamos acabar por não gastar nada”, atira Jorge Froes. “O PSD fez um PRR alternativo e aí consta o projeto Tejo e infraestruturas concretas. Não houve vontade política deste governo para avançar”.

O projeto irá custar 4,5 mil milhões de euros quando concluído, dentro de 30 a 40 anos, mas, de acordo com o plano apresentado, com 100 milhões de euros seria possível começar a obra no espaço de 4 ou 5 anos. “O tempo vai depender do investimento que se pretenda fazer anualmente. Se houver uma decisão política no sentido de isto ir para a frente, os fundos internacionais estão disponíveis para entrar com o dinheiro para fazerem esta utility, que é uma venda da água. Está tudo dependente de uma decisão política”.

Culturas agrícolas podem estar em risco

“O problema é que, não havendo água, muitas culturas ficam por fazer”, explica José Núncio, engenheiro agrónomo e presidente da Federação Nacional de Regantes de Portugal. “No Tejo, infelizmente, não temos capacidade de retenção nenhuma. Do caudal médio afluente ao Tejo temos uma capacidade de retenção de 20%. Depois, grande parte desse volume é retido em Castelo de Bode, que é água reservada para abastecimento urbano da cidade Lisboa. Em termos agrícolas, é ínfima a capacidade de retenção.”

A falta de um reservatório de água, naquela que é a principal bacia agrícola do país, leva a que os agricultores tenham de recorrer a meios precários e a bombagens diretamente do rio Tejo para captar água para a rega, sem que haja um controlo rigoroso das mesmas. O Projeto Tejo surge também como uma forma de responder a este problema e diminuir os custos de produção para os agricultores portugueses.

“Começámos a ver na nossa região – que é uma das maiores regiões agrícolas do país – que os custos energéticos de trazer à superfície as águas profundas estavam a ser cada vez mais elevados, pondo em risco culturas com uma riqueza extraordinária como o milho, o melão ou o tomate”, começa por explicar Miguel Campilho. “É muito mais barato usar a água do rio, que é posta à sua porta e à superfície, do que terem de usar bombas de extração da água de distâncias maiores”.

A posição é subscrita pelo engenheiro José Núncio que afirma estar de acordo com esta componente agrícola do Projeto Tejo. “Defendemos o mesmo: aumentar a capacidade de reserva de águas superficiais para poderem ser utilizadas para os seus diversos fins. Há que ter capacidade de reter e reservar a água nos invernos em que chover, para utilizar no verão e nos anos em que não chova”.