Empresas: “Portugal devia apostar mais na indústria de capital de risco”

As soluções ou as medidas de financiamento das empresas e da economia são suficientes? Em debate, Pedro Siza Vieira, advogado, sócio da PLMJ e ex-ministro de Estado e da Economia, e Nuno Fernandes Thomaz, gestor e presidente da Centromarca.

Pedro Siza Vieira: “O problema é alocar o financiamento às empresas”

Pedro Siza Vieira – O problema da economia portuguesa, neste momento, não é da disponibilidade de financiamento. Mas é muito da capacidade que temos, ou não, de alocar o financiamento disponível às empresas que dele necessitam.

Nós precisamos muito de investimento. O nível de investimento que é feito não é suficiente para repor a depreciação do capital, particularmente no setor público. O setor privado tem vindo a investir muito fortemente, nos últimos anos, e a maior parte do investimento é suportado por capitais próprios. Esta é uma realidade da economia portuguesa desde há muito tempo e, felizmente, nos últimos tempos, as empresas portuguesas têm aumentado as suas margens, reforçado os seus índices de capitalização, e, portanto, estão disponíveis para isso.

Mas a verdade é que, quando se investe muito com capitais próprios, só se tem uma disponibilidade relativamente limitada para se conseguir investir. O crítico é mesmo disponibilizar às empresas portuguesas outras ferramentas adequadas a cada fase da sua vida e a cada tipo de investimento que pretendam fazer, para aumentar a capacidade de crescimento da economia portuguesa.

Algumas medidas da política pública que se tentaram fazer para compensar aquilo que, neste momento, é uma grande dificuldade da banca comercial em fazer financiamento de longo prazo e mais arriscado para o setor privado, ainda não me parece que estejam totalmente a ser executadas da melhor maneira.

Uma parte tem que ver com limitações muito sérias daquilo que são as próprias regras comunitárias de aplicação desses fundos. E vejamos:
O Fundo de Capitalização, que é gerido pelo Banco de Fomento, para reforçar a base de capital das empresas, contando com sociedades de capital de risco, ou mesmo investindo diretamente. O Banco de Fomento como instituição grossista que é capaz de suportar o financiamento de investimentos através do setor bancário com apoio público.

Tudo isto ainda não está a funcionar ao ritmo que todos desejávamos. Mas, sobretudo, penso que o problema grande não é haver disponibilidade de fundos, é mesmo pô-los a funcionar.

Nuno Fernandes Thomaz: “Temos o menor peso na indústria de capital de risco”

Nuno Fernandes Thomaz – Não temos as ferramentas necessárias, sobretudo, em termos de dimensão e no que toca ao capital de risco que, na minha opinião, é claramente o instrumento mais eficiente e mais inteligente de trazer investimento à economia. O investimento via equity e não financiamento, numa economia já bastante endividada, é ainda um caminho que temos de fazer.

E porque é que eu digo isto? Em termos de países europeus no que toca ao capital de risco, somos o que tem o menor peso na indústria de capital de risco em termos de percentagem do PIB [Produto Interno Bruto]. Nós temos 5,7 vezes menor do que a Grécia, 6,2 ou 6,3 vezes menor do que a Espanha e 18 vezes menor peso da indústria de capital de risco do que a média europeia. E esta indústria é muito importante, porque tem benefícios económicos.

Há três temas que são fundamentais para o tecido empresarial português: capitalização, ou a falta dela; a qualidade de gestão, ou a falta dela; e a escala, ou a falta dela. São os três principais problemas do nosso tecido empresarial. E isto é endereçado de uma forma muito inteligente através da indústria de capital de risco.

Temos de ter programas massivos de capital de risco Alguma coisa já foi feita, e por acaso foi no tempo de Pedro Siza Vieira como ministro da Economia, quando apareceu com o programa Consolidar. Foi uma boa pista e estamos, no fundo, neste momento, a executar esse programa. Mas vamos necessitar de mais programas como este e de outra dimensão muito maior.

É olhar para o que se passa aqui ao lado, em Espanha. O IPCO, que é o correspondente ao nosso Banco de Fomento, aparece com programas desta natureza, de quatro em quatro anos, só que com umas dimensões muito maiores. E muito maiores em termos relativos à economia portuguesa, quando comparada com a espanhola.

Pedro Siza Vieira: “Muitos empresários não aceitam que, para crescer, precisam de sócios e de partilhar a gestão”

A questão do capital de risco deveria ser incentivada?
PSV – Sim, não tenho dúvida dos benefícios do private equity. Aliás, eu gostava mais de distinguir entre venture capital, mais dirigido a empresas em fase nascente, daquilo que são grandes necessidades que nós temos para empresas mais maduras que precisam ou de ganhar escala, através de consolidações e de fusões ou de se internacionalizarem. Os operadores de capital de risco podem ajudar as empresas a fazer isto.

Agora, se calhar, temos mais ferramentas de capital de risco público disponível para trabalhar com os operadores do que tivemos no passado. Mas a experiência mostra que nem sempre a procura é muito forte. Ou seja, nós temos ainda muita resistência do nosso tecido empresarial em encontrar os parceiros que tragam capital de terceiros para, digamos assim, partilharem a empresa ou partilharem a gestão…

Por resistência à mudança?
PSV – Sim. Acho que há um problema cultural, por parte de muitos empresários portugueses, de aceitarem que, para crescerem, precisam de ter outros sócios. Para terem outros sócios, precisam de dar mais informação, precisam de partilhar poder de decisão. E precisam de profissionalizar a sua capacidade de gerir a sua própria casa. É mais aborrecido nós termos de prestar contas a quem investe ao nosso lado.

Creio que isto, de alguma maneira, muda. Muda porque as empresas estão mais sensíveis para as necessidades de chegarem aos mercados externos e que isso lhes exige capital que não vão conseguir ir buscar à banca. Por outro lado, também há uma nova geração de empresários mais preparados, mais educados, que estão mais sensíveis para estas questões. Mas, volto a dizer, acho que a disponibilidade de fundos públicos existe, o apetite de operadores de capital de risco privados também existe. Falta, muitas vezes, encontrar as formas de eles se casarem.

Terceira coisa, continuo a achar que da parte das entidades públicas os tempos de resposta, as regras, são difíceis. Uma parte disto é causada por regras europeias que nós não podemos mudar (porque a origem do capital de risco em Portugal, público, é dos fundos europeus), mas também de uma necessidade muito grande que temos de conseguir capacitar estas entidades públicas.

Em relação a instrumentos como o Banco de Fomento, pode fazer-se mais? Pode fazer-se melhor?
NFT – Sem dúvida. Embora já alguma coisa tenha vindo a ser feita e está a ser feita neste momento. E, obviamente, pode ser sempre melhorado. É um tema cultural convencer os empresários de que operadores de capital de risco possam entrar no capital das suas empresas, mas é algo também que está a mudar.

O que é que o capital de risco permite? Permite que as pequenas empresas passem a médias, as médias a grandes e as grandes a globais. Isto parece um cliché, mas não é. É a pura realidade.

Estes empresários, muitas vezes, sentem que chegou o momento de trazer alguém para dentro da empresa que lhes permita fazer esse crescimento. Estamos a ver, pela primeira vez, empresários que nunca pensei que pudessem vender posições das suas empresas a fazê-lo.

Nuno Fernandes Thomaz: “Há fundos e seguradoras que podem investir no capital de risco e não o fazem”

NFT – O Banco de Fomento é um instrumento fundamental para, sobretudo, suprir falhas de mercado da banca comercial. A banca comercial hoje opera debaixo de uma regulamentação muito restrita. Portanto, há muitas coisas que o Banco de Fomento pode e deve resolver e é sobretudo através destes programas de capital de risco.

O novo Governo vai querer continuar e até aprofundar este programa Consolidar com o Programa Capitalizar Mais.

Dentro do capital de risco vamos separar o que é venture e o que é private equity. É muito no private equity que deve estar focado, embora também no venture, obviamente. Tem de haver também uma coisa muito importante para a indústria, que é o matching de dinheiro público com dinheiro privado. E aqui também é um tema: investidores privados que decidem, ou não, investir no capital de risco.

Há um caminho por fazer aqui porque existem fundos de pensões e seguradoras que têm balanço para investir nestes instrumentos e não o fazem porque também têm uma regulação muito restrita. Há que trabalhar esse lado para haver mais investidores privados nesta indústria de capital de risco. É um trigger muito importante para o desenvolvimento da economia.

Em empresas participadas de fundos de capital de risco, as vendas são, em média, 10 vezes maiores do que empresas da média nacional. Têm mais 9 vezes postos de trabalho do que a média nacional. A margem de EBITDA é 2,5 vezes maior do que nas empresas da média nacional.

Nuno Fernandes Thomaz: “Apostar mais no capital de risco podia tornar Portugal menos dependente do turismo”

Do lado do Estado, alguma coisa deve ser alterada do ponto de vista da regulação?
PSV – Acho que não. Primeiro, fundos públicos para investir em capital de risco não podem investir sozinhos em empresas ou investem em fundos geridos por sociedades de capitais de risco que tenham de levantar dinheiro a outros investidores.

Os fundos públicos não podem meter mais do que 70% do total que está disponível para investir, o que obriga os operadores de capital de risco a irem buscar investidores de capital privado. E aí temos o problema de falta de base de investidores ou falta de confiança dos investidores institucionais portugueses em confiarem no capital de risco português.

Nós temos fundos de pensões, companhias de seguros, etc., que investem em instrumentos de capital, mas, normalmente, vão comprar ações ou fundos de investimento em ações de empresas que estão cotadas noutros países em vez de investirem no capital de risco nacional…

Nesse caso, o problema não está tanto na regulação?
PSV – O problema não está na regulação. É muito a atitude dos investidores.
Em segundo lugar, o Banco de Fomento é um banco, não está lá para dar capital. O banco, como tal, existe para dar crédito. E existe para dar indiretamente.

O banco não é um retalhista, não empresta dinheiro diretamente às empresas. Trabalha com a banca comercial para permitir à banca comercial financiar coisas que a regulação bancária não lhes permitiria fazer. Financiamentos a mais longo prazo, com riscos mais elevados, etc., para um determinado tipo de setor. Mas é para dar dívida.

Ao mesmo tempo, o PRR criou um fundo de capitalização de empresas, 1300 milhões de euros, que é gerido pelo Banco de Fomento. Mas aí o Banco de Fomento já não está a trabalhar comos bancos a gerir instrumentos de crédito; está mesmo a ajudar operadores de capital de risco ou empresas privadas a encontrarem capital.

Em terceiro lugar, estes instrumentos de capitalização querem mesmo é fazer capital nas empresas. Não é dar subsídios a fundo perdido como existe normalmente nos fundos estruturais, que é outro equívoco que às vezes surge.

Quando estamos a falar de fundos de capitalização público, não é para dar subsídios como acontece com os fundos estruturais. É mesmo para participar no capital ou subscrever instrumentos de quase capital como obrigações que, em última análise, podem ser convertidas em capital. Isto exige dos empresários a tal disponibilidade para aceitarem sócios, prestarem mais informação e terem operações mais estruturadas.

Não tenho dúvida de que, se nós conseguirmos ir buscar a base de investidores institucionais portuguesas para complementarem os instrumentos públicos e tivermos a disponibilidade de muitas empresas que tenham ótimos produtos, processos eficientes, capacidade empreendedora e vontade de chegar a mercados maiores, para recorrerem a estas ferramentas de capital, é o melhor para a economia portuguesa.

Não é tema de regulação, é de afinação das instituições públicas para serem mais ágeis e mais capazes de dinamizar o mercado, estimulando a procura por parte das empresas. E os investidores privados, que precisam de complementar os instrumentos públicos, também têm de ser sensíveis. Em vez de irem comprar ações da Microsoft, invistam em capital de risco para depois a poupança ser reinvestida na economia portuguesa.

Pedro Siza Vieira: “A grande recomposição da economia global está a favorecer Portugal”

NFT – No que toca à regulação, há um tema por parte do setor segurador, que tem balanços grandes, que é o consumo de capital face à Solvência II, que é extremamente penalizador quando se investe neste tipo de instrumentos. Se não houvesse essa restrição, ajudaria.

A indústria do capital de risco é muito importante, neste momento em que estamos a assistir a um fenómeno interessante que é o nearshoring ou euroshoring. Muitas pequenas indústrias portuguesas estão a “performar” muito bem, fruto de alteração do paradigma nas cadeias de valor e, se houvesse ainda mais capital de risco, com maior volume, poder-se-ia potenciar muito mais esta transformação, que é brutal e que está a acontecer. Poderia fazer com que Portugal se tornasse menos dependente do setor do turismo, por ter um setor industrial mais pujante.

A aposta no capital de risco deve ser reforçada nos próximos anos e vamos ver cada vez mais, por parte do mercado, do ecossistema, uma abertura diferente e maior recetividade a haver investimentos e investidores a entrar no capital das empresas do tecido empresarial português.

PSV – Esta grande recomposição da economia global está a favorecer Portugal. Estamos a ver um crescimento muito grande do investimento direto estrangeiro, um crescimento das exportações e isso tem que ver com o facto de encomendas e investimentos que antes iam para a Ásia ou para o leste da Europa estarem a vir para Portugal ou para Espanha. Isto é uma enorme oportunidade.

É isto que explica que a economia portuguesa tenha sistematicamente batido as previsões nos últimos anos. Todos os modelos estão feitos de acordo com matrizes de funcionamento da economia global que estão ultrapassadas. As economias do leste estão a crescer menos do que as pessoas estimam, Portugal e Espanha estão a crescer mais do que as pessoas estimam. As encomendas para as empresas industriais que antes iam para a Polónia ou para a Eslováquia vêm para Guimarães ou para Aveiro. Isto é muito positivo.

Na atual conjuntura, com a recessão na Alemanha, pode haver algum abrandamento?
PSV – Estamos a ganhar a cota de mercado. O comércio global, no ano passado, contraiu-se e as exportações portuguesas aumentaram. Estamos a ganhar cotas e basta ter um bocadinho mais de cota de mercado na Alemanha, mesmo que o mercado alemão tenha contraído, para isto já ser uma oportunidade brutal.

Pedro Siza Vieira: “O programa do Governo é de continuidade (…) Não há mudanças estruturais da economia numa legislatura”

PSV– O programa do Governo em matéria económica é de grande continuidade relativamente aos últimos anos. Acho muito importante porque, de facto, a continuidade das políticas públicas é uma condição para que elas deem frutos. Não há mudanças estruturais da economia que se possam fazer numa legislatura.

Um caminho que tem estado a ser feito nos últimos 15 anos é de reorientação da economia para os mercados externos e para o setor dos bens transacionáveis. A aposta na qualificação do capital humano, na incorporação de conhecimento na produção, seja de bens, seja de serviços, e a abertura a novos mercados é uma política que tem estado a dar frutos e tem permitido a Portugal crescer mais do que os outros países europeus.

Nesta grande mudança da conjuntura económica global , até pode ainda acelerar mais essa tendência. São boas notícias para Portugal.

Tendo em conta a atual conjuntura geopolítica e a escalada da tensão no Médio Oriente, poderá haver um impacto negativo?
NFT – Pode haver. Há coisas que não podemos controlar e há outras que podemos controlar. Acho que nos devemos focar nas que podemos controlar e para essas temos de ter políticas públicas claras e assertivas. Espero que este novo Governo traga a componente fiscal para cima da mesa para também tornar mais atrativo o investimento direto estrangeiro.

Aos olhos do investimento direto estrangeiro fala-se de ter uma redução gradual de 2% ao ano do IRC [Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas]. Isso, combinado com uma maior aposta na indústria de capital de risco, pode ser importante.

A tesouraria é sempre um tema que traz grandes constrangimentos às empresas portuguesas, sobretudo quando se relacionam com o Estado. O Estado demora muito a pagar. Agora parece que haverá medidas para que o Estado pague em menos de 30 dias. Temos de acreditar que alguma coisa vai mudar. As empresas acabam a financiarem-se e a porem mais dívida para resolverem temas de tesouraria, o que é um problema para a economia portuguesa.

PSV – A conjuntura internacional afeta a todos, mas eu continuo a achar que Portugal e Espanha estão a ser beneficiados. Países que têm capacidade de crescer a sua base produtiva e que estão na proximidade dos mercados de consumo, dos mercados ocidentais, para nós, esta mudança está a ser positiva. É evidente que se houver uma guerra todos somos afetados, mas uns serão mais afetados negativamente do que nós.

O que favorece o investimento é uma tributação que alivia o reinvestimento dos lucros. Temos um conjunto de grandes empresas que tiveram lucros muito elevados neste último ano e não foi o sistema fiscal que as impediu de ver crescer a sua rentabilidade.

Essa é a melhor ferramenta extrafiscal que o Estado pode ter para ter a certeza de que os lucros das empresas servem para ser investidos na economia e não para ser distribuídos a acionistas. Precisamos de tratar do sistema fiscal para beneficiar as empresas portuguesas e aquelas que investem e reinvestem significativamente.

Nuno Fernandes Thomaz: “Só 1% das empresas são grandes, mas têm 40% dos negócios”

NFT – Não posso acabar sem dizer o seguinte: parem de bater nas grandes empresas! As grandes empresas são vitais em qualquer economia porque têm um efeito de arrastamento e levam as empresas pequenas atrás.

Em 500 mil empresas não financeiras que temos em Portugal, 89% são microempresas; 10% são PME [Pequenas e Médias Empresas]; só 1% das empresas em Portugal são grandes empresas. Só que representam mais de 40% do volume de negócios. E levam lá para fora as empresas mais pequenas. E têm marcas internacionais, que é o que nós precisamos.

PSV – O que temos em matéria de discriminações positivas para as PME são regras europeias de auxílios de Estado. A UE tem a convicção de que uma grande empresa tem capacidade própria de se financiar nas melhores condições e que aquelas que o Estado pode apoiar são as mais pequenas. Não vamos conseguir mexer nisto.

Uma PME que não quer passar a grande porque quer continuar a ter acesso a incentivos dos fundos estruturais é um erro. As empresas são feitas para crescer. É uma questão cultural não se perceber que há muito que se ganha em alcançar maior escala, independentemente do acesso ao incentivo que se possa perder.