“Deve haver apoios específicos às empresas grandes”, defende presidente da OLI

Líder ibérica na produção de autoclismos espera faturar 80M€ e emprega cerca de 500 pessoas. António Ricardo Oliveira é o líder por trás da OLI, a empresa em Cacia, Aveiro, que inventou a dupla descarga

A OLI celebra, este ano, 70 anos e o António é já a terceira geração na empresa. Tem significado especial para si?
António Ricardo Oliveira — Os 70 anos são um marco. A segunda geração, o meu pai e o meu tio, ainda integram a empresa e são duas peças fundamentais da administração. Cada um conta com mais de 40 anos de OLI e acho que, para eles, esta data tem um significado ainda mais especial. Claro que para mim, para a minha irmã e para o meu primo, como membros da terceira geração, também é uma data muito saborosa.

Como está a OLI em termos de volume de negócios?
ARO – Fechámos o exercício do ano passado com 73 milhões de euros de faturação, que representa uma quebra ligeira face aos 75 que tínhamos feito em 2022, e que se deve um pouco à quebra do mercado na Europa, sobretudo o mercado nórdico e alemão, que são muito representativos para nós.

2022 foi o melhor ano de sempre e a empresa tem feito um percurso de crescimento, felizmente. Mesmo em 2020 tivemos um ligeiríssimo crescimento. Com todas as medidas que foram tomadas para fomentar o setor da construção, através de mercados de exportação que não abrandaram e mesmo o mercado português, que acabou por ter uma dinâmica positiva, conseguimos compensar o solavanco de maio e junho, sobretudo daquele ano, e acabar o exercício a crescer ligeiramente.

Qual é a meta para este ano?
ARO – A meta para este ano também é um número redondo: 80 milhões de euros. Desses 80 milhões, 25% seria mercado nacional e 75% seria mercado de exportação. O crescimento está equilibrado entre estes dois grandes mercados.

Na exportação, apontamos este ano para um valor próximo dos 60 milhões, 61-62 milhões é o nosso objetivo. 75% da exportação fica na Europa, ou seja, nós somos uma empresa que exporta bastante, mas muito concentrada na Europa e é isso que temos vindo nos últimos anos, com o Médio Oriente e outras geografias, a tentar compensar e equilibrar o risco desse ponto de vista.

O conflito no Médio Oriente traz agora risco acrescido, certo?
ARO — Onde é que não há risco neste momento? Sim, o Médio Oriente está a passar uma situação mais crítica. Estamos em contacto com os nossos parceiros, que são parceiros históricos e de longa data, com quem temos muito boas relações e isso ajuda nestes períodos de crise. O Médio Oriente é uma das geografias com a qual nós contamos muito para compensar o abrandamento do mercado na Europa.

Que filiais é que têm na Europa?
ARO – A Itália é um deles, a Alemanha é outro e estamos a olhar para mais países com possibilidade para montar estruturas próprias ou crescer por aquisição. No caso de Itália, a filial não é apenas uma filial comercial; é uma filial também produtiva. Portanto, além de comercializar os produtos da casa-mãe em Portugal, produz e exporta para países limítrofes ou exporta para Portugal, para nós incorporarmos esses componentes no nosso produto acabado.

Um dos mercados que tinha registado, até há dois anos, um grande crescimento, era a Ucrânia, mas a invasão da Rússia veio complicar…
ARO – Tanto na Rússia como na Ucrânia, tínhamos bons mercados e mercados históricos, ligações boas e fortes dinâmicas no mercado. Tanto uma como outra, depois daquilo que aconteceu, viram quebras muito grandes no valor de faturação e de atividade, mas é algo que nós não podemos controlar, não há nada que possamos fazer.

Falando de mercados em regiões e em culturas diferentes, faz um autoclismo igual para todos os países ou há normas específicas?
ARO – Essa é uma questão curiosa e só quando as pessoas vêm à fábrica e veem o processo é que se apercebem da complexidade que está dentro de um autoclismo. Um autoclismo pode ter entre 40 e 70 peças, dependendo do modelo: portanto, são muitas peças.

Cada país tem normativas próprias, seja dos materiais que podemos utilizar ou da quantidade de água que podemos utilizar por descarga. Os países têm normativas específicas e nós temos de adequar o nosso produto a cada país, seja ao nível da escolha dos materiais, seja da performance do produto.

Para isso, contamos aqui com um laboratório interno, no qual fizemos um investimento muito significativo e que é uma mais-valia para nós, em fase de desenvolvimento de produto e depois também do ponto de vista comercial, porque conseguimos, com os nossos clientes e em diálogo, encontrar a fórmula do produto certo para o mercado certo e com isso ter sucesso comercial.

O investimento na nova fábrica foi de que dimensão?
ARO – Nos últimos três anos, 2021-2023, fizemos cerca de 28 milhões de euros de investimento, divididos entre a construção, na construção de um armazém de produto acabado, que nos permite ter stock e servir o cliente em menos tempo; uma parte muito grande também em desenvolvimento de produto; e depois inovação e digitalização, ou seja, digitalização dos nossos processos e melhoria do nosso controlo dos processos através de ferramentas digitais e o robustecimento dos nossos meios contra ataques de cibersegurança, por exemplo.

Quantos trabalhadores estão aqui na fábrica, em média?
ARO – A média está mais próxima dos 500, mas os trabalhadores de base estão na casa dos 420.

Quanto à sustentabilidade e à questão do uso eficiente de água, de que forma é que varia em relação a alguns mercados?
ARO – Sendo uma empresa portuguesa e estando na Europa, que tem um contexto normativo que protege a utilização da água, o nosso papel enquanto fabricante é ter um comportamento que induza pedagogia na forma como a água é utilizada.

Temos produtos que são mais eficientes hidricamente do que os produtos standard e isso é uma bandeira comercial e demonstrável, do ponto de vista real. Fazemos o nosso relatório integrado, que já não tem só as questões económicas, mas também de impacto social e ambiental, e nele constam todos os objetivos que temos já alinhados com os objetivos de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas.

Isso é informação transparente, e que nós comunicamos, e queremos agora, no próximo ano, seguindo as diretivas que, entretanto, foram publicadas, passar a incorporar neste reporting também as nossas subsidiárias, torná-lo mais abrangente, reportar a análise da dupla materialidade e fazer a nossa análise e verificação da pegada de carbono por uma entidade externa, precisamente para que seja totalmente isenta.

A dupla descarga foi uma invenção vossa. Acabou por acontecer por impulso da hotelaria e turismo?
ARO — Surgiu de um desafio de um cliente. Como empresa, temos uma grande parte de clientes que são OEM (Only Equipment Manufacturers), é o que nós produzimos e codesenvolvemos ou cooperamos em fase de desenvolvimento. Na altura, nos anos 90, tendo aparecido os primeiros conceitos de dupla descarga, um ceramista francêsdesafiou-nos a construir um produto e depois a construí-lo de forma escalável.

E foi isso que se conseguiu, com a ajuda desses parceiros, escalar o conceito que depois se tornou global. Hoje é um standard. Isso tem realmente um toque português e um toque da OLI.

Essa inovação implica um investimento e inovação permanentes?
ARO — A inovação é um dos pilares mais importantes da nossa proposta de valor, sobretudo porque muito do nosso negócio se baseia em interpretar as necessidades do mercado. Nesse sentido, procurámos construir o nosso negócio controlando toda a cadeia de valor.

Temos um departamento de inovação, temos um departamento de desenvolvimento, temos uma fábrica de moldes, onde conseguimos fabricar os moldes que depois vão ser utilizados na produção dos componentes plásticos que constituem o autoclismo.

Concebemos a industrialização destes produtos, a forma como vão ser montados, o processo de venda, o marketing, a assistência e distribuição. Nem todos os nossos concorrentes têm o controlo da cadeia ponta a ponta. Nós temos e acho que isso é uma grande força da OLI do ponto de vista da projeção ao nível global.

Quanto à arquitetura, têm trabalhado com arquitetos premiados?
ARO — Procuramos associar a inovação ao design porque os stakeholders de um autoclismo, embora não pareça, vão desde o canalizador, ao distribuidor, ao arquiteto, ao utilizador final. Podemos ter um produto que seja muito competente do ponto de vista técnico e de funcionamento, mas, ainda assim, não conseguir atrair o olho do cliente final ou o gosto do arquiteto.

Nos últimos anos, temos estabelecido parcerias com arquitetos, aqui em Portugal, como o arquiteto Siza Viera ou o arquiteto Souto Moura, e em Itália com outros arquitetos também de renome. Isso tem permitido consolidar o posicionamento da marca num segmento médio-alto e ganhar alguns prémios de relevo que nos ajudam depois, do ponto de vista de comunicação e de consolidação deste posicionamento. O último foi um prémio Red Dot que é o melhor prémio a que podemos aspirar.

Quais são as principais áreas de negócio em que a Oli está presente?
ARO — O autoclismo, apesar de variar de país para país, é um produto universal. Não há alternativas a autoclismos noutras zonas do globo, ao contrário de alguns produtos que se vendem numa zona e não se vendem noutra.

Neste caso, o autoclismo, aquilo que vai ter instalado num hotel, num estádio, num sítio de alta frequência, são settings diferentes, regulações diferentes, à segunda daquilo que já sabemos que vai ser a utilização.

Tem trabalhado também com as grandes empresas de cerâmica…
ARO — Temos boa relação com os ceramistas porque são produtos complementares, ou seja, acabamos por fornecer os componentes plásticos dos materiais cerâmicos, que eles produzem e depois comercializam.

Em Portugal, temos muitos e bons parceiros de longa data e que estimamos muito. Obviamente que os parceiros internacionais têm outra dimensão e que depois reexportam o produto que nós lhes vendemos. Portanto, têm uma escala significativa.

O que vê como oportunidades de crescimento deste negócio?
ARO – Sou uma pessoa otimista e tento sempre ver as coisas pela positiva.

Primeiro, o mercado é muito grande e nós não temos uma presença assim tão grande que nos impeça de crescer, mesmo num contexto de adversidade. De resto, havendo zonas de conflito, como a Ucrânia e o Médio Oriente, há sempre outras que, por contraposição, vão ser alvo de maior investimento por quem está a construir casas, a construir hotéis, estádios e as oportunidades acabam por surgir noutras geografias. Temos de ser suficientemente rápidos e ágeis para as conseguir aproveitar.

Temos de procurar estar no sítio certo sempre, sabendo que não vamos ser sempre os escolhidos, porque há quem tenha chegado antes de nós e que, se não cometer erros, não há um bom motivo para que seja desalojado.

Habitualmente fala com o seu pai sobre decisões ao nível nacional e internacional?
ARO — Claro que sim. Apesar de tudo, não faço nada sem lhe perguntar. Mas também tenho um entendimento tácito. Não precisamos falar muito para ele saber o que estou a pensar e vice-versa.

Mas aquilo que nós tentamos na terceira geração, com o meu pai e com o meu tio, é aproveitar ao máximo a experiência que eles já têm, pois passaram por vários ciclos e por várias crises. E isso é muito útil e reconfortante porque eles também nos incentivam em fases de grande adversidade.

Quais terão sido, por aquilo que lhe contam também, os momentos mais difíceis que a empresa enfrentou?
ARO — Penso que a crise dos anos 80, a de 2008 (queda da construção), que levou a uma redução significativa do volume de negócios da OLI nessa fase, e, em 2015, tivemos um período difícil quando o nosso maior cliente foi comprado por um concorrente. Ultimamente, a crise da Covid e todas as que lhe sucederam e que passaram a ser uma constante.

À minha maneira

Quem é o António e qual é o seu estilo de gestão?
ARO — Considero-me uma pessoa próxima das pessoas e normal na forma de gestão. Gosto muito da parte operacional porque passei por várias zonas da empresa e, portanto, tenho ligação aos processos e nem sempre consigo não interferir naquilo que se está a passar.

A minha formação até é da área de letras. Por um lado, pode ser uma dificuldade; por outro, é uma vantagem porque acabo por trazer sempre uma perspetiva diferente.

No fundo, sou um membro da terceira geração, que entra num tipo ou estilo de gestão que já existia e ao qual nós, terceira geração, também nos adaptamos. Procuro todos os dias tornar a empresa melhor para que quem vier a seguir receba uma empresa maior e melhor

Sim, conseguimos

Qual foi a maior adversidade que enfrentou e como é que a superou?
ARO — Estou na empresa há cerca de 10 anos e a grande ameaça que senti, já com responsabilidades de gestão, foi a Covid. Gerir a incerteza é difícil, mas gerir com incerteza e com medo era mais complicado.

Hoje tenho 33 anos, na altura tinha 29, não se pode dizer que tivesse grande preparação para tomar o tipo de decisões que tive de tomar. Acho que isso foi ultrapassado com um grande espírito de equipa e de sacrifício de toda a gente, um esforço comum.

Fabricámos um molde para produzir viseiras, oferecemos milhares de viseiras, oferecemos também dois ventiladores ao hospital de Aveiro, enquanto ainda havia poucos ventiladores. Transformámos a dificuldade em pequenos outros marcos, não só ligados à nossa área de negócio, mas com aquilo que podemos impactar na comunidade.

Em situações de crise, não podemos fechar-nos sobre nós próprios. Temos de olhar para a globalidade e procurar fazer o melhor possível porque, se as coisas correrem bem, vamos sair mais fortes e com um impacto positivo na comunidade. Toda a gente na OLI se orgulha da forma como passámos pelo período da Covid.

Portugal 2043

Como é que olha para o país daqui a 20 anos?
ARO – Temos mais uma grande oportunidade com esta questão da Inteligência Artificial (IA) e de tudo o que isso pode trazer para melhorar a produtividade.

Sabemos que a produtividade é um dos problemas crónicos do país e temos a felicidade de a tecnologia nos estar a levar na direcção de ferramentas que vão fazer crescer exponencialmente a produtividade. Acho que isso responde não só às necessidades das empresas, mas também às do país, se a IA nos conseguir tornar um país mais produtivo e se nos facilitar o processo de decisão.

Sabemos também que vai haver uma capacidade muito maior de processar dados e de construir cenários, pelo que o país pode ter aqui a felicidade de ter uma onda positiva em que pode alavancar e dar um salto quântico do ponto de vista económico e do standard de vida das pessoas. Era o que eu gostava que acontecesse.

Preocupa-me a falta de mão-de-obra, mas acho que isso são sempre questões nas quais as empresas podem trabalhar. Preocupa-me mais a questão demográfica porque, se realmente as perspetivas se concretizarem e a população de Portugal não crescer, a população ativa vai reduzir drasticamente e sabemos que a população não se repõe rapidamente, pelo menos se não for com recurso à imigração.

Não vejo o país preparado nem para receber a imigração de forma estruturada, nem com políticas de natalidade que vão criar um grande impacto na demografia. Mais do que mão-de-obra, não vai haver mercado se não houver pessoas. É esse o risco que corremos: deixar de ter representatividade como mercado.

Como têm sido tratadas as médias ou as grandes empresas?
ARO — Nós, enquanto empresa, já estamos com uma dimensão em que somos menos abrangidos pelos apoios que surgem, que são dedicados sobretudo a pequenas e médias empresas.

Deve haver apoio às empresas grandes. A OLI é uma empresa relativamente grande para a média nacional, mas que se projeta internacionalmente e que luta com empresas que faturam dez vezes mais e nem por isso deixam de ter apoios nos países em que estão, alguns deles na União Europeia. Aquilo que defendo é que haja apoios específicos e concretos para as grandes empresas e que, em contrapartida, as grandes empresas tenham a responsabilidade de arrastar consigo as pequenas empresas que estão à sua volta, em questões de produtividade e de sustentabilidade.

As empresas devem, independentemente de serem grandes empresas, receber apoios enquadrados com aquilo que é a sua realidade e depois retribuir, responsabilizando-se por fazer crescer as empresas à sua volta.
Não podemos ter a ilusão de que as empresas grandes se vão manter nas cadeias de abastecimento internacionais, se os seus pequenos fornecedores não conseguirem reportar indicadores de sustentabilidade porque vamos ser, à partida, todos penalizados na cadeia de abastecimento por essa falta de competência a montante.

É tudo uma questão de relativizarmos a dimensão do país e a dimensão das empresas… Se transportarmos a nossa realidade para outro país, a OLI deixa de ser uma empresa relativamente grande e passa a ser uma empresa de uma dimensão plenamente normal. Se nós olharmos, nem é para os 80-20, é para os 95%-5%, as pequenas empresas são uma fatia muito pequena e, portanto, caem fora de determinados apoios.

Por outro lado, quando se fala de algum tipo de impostos ou mesmo da contribuição para o PIB [Produto Interno Bruto], também há um contributo assimétrico das grandes empresas. Trata-se de olhar para este quadro e perceber da melhor forma como é que isto pode ser harmonizado em benefício de todos.