Central de compras UniMark movimenta 800M€ e negócio emprega 2000 pessoas. Carla Esteves admite concorrência feroz com os hipermercados e revela desafios enfrentados na gestão.
O que representa a UniMark, nos negócios grossista e retalhista, e como modelo de negócio de plataforma ou central de compras em Portugal?
CE — A Unimark é uma cooperativa que tem 20 associados, dos quais 18 grossistas e duas cadeias retalhistas. Ao nível de grosso, temos praticamente todo o centro-norte de Portugal e temos duas cadeias retalhistas. a Agridistribuição e a Algartalhos, com lojas abertas ao público.
— Como funciona o negócio grossista e o que pesa em emprego?
CE — Temos 42 cash and carries ao nível nacional e contamos com 2000 colaboradores. Portanto, temos um grande número de colaboradores afetos à nossa área grossista. O nosso cash tem a área toda de retalho alimentar e canal Horeca. Temos dois polos de canais: a parte do retalho alimentar, ao qual fazemos a venda para o supermercado e minimercado, e temos a parte toda de Horeca, que abrange hotéis, cantinas, restauração, snack-bares, cafés, através da qual temos esse polo de clientes e esses canais.
— O “negócio” da UniMark é representar estas várias empresas. Como funciona esta plataforma de negociação?
CE — É uma central de compras, de negociação, em que negociamos com todos os fornecedores ao nível nacional para termos melhores condições de compra para os nossos associados.
— Em termos de volume de negócios, que números globais gere?
CE — Em termos de faturação, ao nível dos nossos associados, estamos a fechar o ano de 2023 com 800 milhões de euros de faturação. Ao nível da UniMark, falando também da cobertura em colaboradores, aqui na central temos 10 colaboradores, mais o nosso diretor-geral.
— E a Unimark em si, quanto fatura como cooperativa?
CE — Em termos de central, o nosso objetivo é ter um serviço de excelência para os nossos associados. Fazemos toda a negociação de contratos ou de fornecimento com os vários fornecedores, toda a gestão de folhetos quinzenais e, para os nossos associados, o nosso folheto para cash and carry e para o retalho alimentar. Estamos aqui para servir os nossos sócios, tanto que temos sempre as duas assembleias-gerais anuais, uma para o plano e orçamento que tem de ser aprovado em assembleia-geral e outra para o fecho de contas. No fundo, o nosso sócio tem sempre uma palavra a dizer e pode demonstrar quais são as suas necessidades. Automaticamente, trabalhamos em prol dessas necessidades e num serviço de excelência.
— Mas um modelo cooperativo visa o lucro?
CE — Temos toda a margem para pagar a estrutura e depois o remanescente das receitas oriundas dos contratos com os vários fornecedores, distribuímos pelos vários sócios, consoante a sua proporção de vendas e compras aos fornecedores.
— E na parte de retalho, têm estado cada vez mais a desenvolver marcas como a Aqui é Fresco, certo?
CE — Sim, a sociedade Aqui é Fresco é que detém a rede e temos um contrato de parceria com os vários supermercados. Temos 700 minimercados e supermercados espalhados ao nível nacional. Estamos há 13 anos a operar e a ajudar também as famílias portuguesas, porque, no fundo, acabamos por estar em zonas regionais, onde há poucas estruturas de supermercados e minimercados. Acabamos por ter uma grande abrangência ao nível nacional com os 700 pontos de venda.
— Estão, de alguma forma, também em concorrência feroz com as chamadas grandes superfícies no retalho alimentar. Como é que funciona?
CE — A concorrência é feroz, mas nós temos conseguido impor a nossa competitividade através de um folheto que fazemos quinzenalmente, que é oferecido às lojas do Aqui é Fresco. O nosso retalhista tem de oferta todos os materiais de comunicação, de folhetos a destacadores de linear, até para o consumidor quando entra no nosso ponto de venda saber onde é que estão as promoções. Somos também um player muito importante para o fornecedor porque temos igualmente a malha fina, uma vez que acabamos por estar em zonas geográficas onde normalmente as grandes superfícies não conseguem estar. Somos um player muito importante para fazer chegar os produtos a determinadas zonas geográficas e fazer distribuição da maioria dos produtos dos nossos fornecedores.
— Essa distribuição é mais capilar, mas enfrentaram mais ou menos as mesmas dificuldades, por exemplo no período da pandemia, que as grandes superfícies. Como é que deram a volta?
CE — Nós funcionámos sempre na linha da frente. Porquê? Porque primeiro eram os supermercados de bairro. Ajudámos e confrontámo-nos logo com uma situação que era como fazer chegar o produto às casas dos nossos clientes. Começámos logo a fazer a distribuição, as entregas ao domicílio e tivemos de nos ajustar muito rapidamente à questão da Covid. Como estamos ligados à ADIPA [Associação dos Distribuidores de Produtos Alimentares], tínhamos acesso àquilo que eram os decretos-leis e a nova legislação. Começámos logo a conseguir que as lojas também se adaptassem mais rapidamente àquilo que iam ser as obrigações legais num tempo de Covid. Tivemos muito maior notoriedade em relação à rede, porque conseguimos dar um foco ao nível da comunicação muito superior. Estivemos sempre a ajudar as famílias, a fazer entregas ao domicílio e as pessoas escusavam de ir aos grandes centros, hipers e supers. Pediam-nos a nós, supermercados de bairro, para comprar, com um excelente preço competitivo do cabaz de compras.
— Aquilo que se verifica é que igualmente ao nível dos grandes players da distribuição alimentar, cada vez mais se joga na lógica de um supermercado de bairro. A concorrência aí também aumenta?
CE — Tem aumentado nestes últimos anos. Cada vez há mais insígnias, mas fazemos o nosso percurso. Temos sempre uma estratégia muito bem definida para o que é fresco. Fazemos os folhetos quinzenais com poucos produtos, porque sabemos que as lojas não são elásticas. O nosso folheto tem à volta de 50 a 60 produtos, para não esmagar as lojas ao nível da placa, porque, como se sabe, as lojas de bairro têm à volta de 150 a 200 metros e não podem ter um número muito alargado de sortido, porque, caso contrário, não conseguem depois fazer face àquilo que são as nossas promoções.
Tentamos ter sempre os produtos mais vendidos, com um preço bastante atrativo e um bom preço médio face à concorrência. Depois, além do folheto, temos muitas ferramentas à volta de tudo o que é comunicação. Temos o site, no qual promovemos ainda uma receita diária,sempre com produtos que estão no folheto, para conseguirmos fazer a linkagem àquilo que é o cozinhar, juntando alguns produtos que estão em promoção no Aqui é Fresco.
Temos toda a parte da comunicação nas redes sociais, somos muito fortes ao nível de Facebook, Instagram e no próprio LinkedIn, na rede Aqui é Fresco.
— O conceito da UniMark nasce ainda nos anos 90…
CE — Nasce em 1996, temos 27 anos.
— Qual é que foi a maior transformação nos últimos anos?
CE — A central, como negoceia com os fornecedores para um volume superior, acaba por agregar uma melhor negociação do que cada um isoladamente, por isso é que todos são sócios, para conseguir as mais-valias que a central presta.
Além dos contratos, há 3 meses em que temos três folhetos de incentivo aos clientes dos nossos sócios e estes três folhetos acabam por levar depois a uma viagem. Em 2023, fomos até Amesterdão e este ano ainda está por definir. No período da Covid tivemos de nos ajustar porque não podíamos viajar e fizemos com vales de compras aos clientes.
— No fundo, estamos a falar sempre de um modelo cooperativo e de central de compras. Ainda há algum estigma sobre a questão do modelo cooperativo político, ideológico ou social?
CE — Há uns anos, sim. Hoje em dia, nem pensar, até porque são poucas as cooperativas vivas em Portugal e nós temos a única cooperativa viva, que é a Soprei. A UniMark acaba por ser também uma cooperativa, mas diferente, porque não está aberta ao público.
— Os associados e todas as pessoas que interagem convosco, como os stakeholders, reconhecem essa capacidade de ganhar economias de escala? No fundo, é essa a diferenciação?
CE — Certo, é essa a grande diferenciação. Temos uma economia de escala internamente através da central, porque acaba por agregar a faturação de todos os nossos associados.
— E o que é que vê como desafios a curto prazo?
CE — Queria só tocar num ponto que também é importante para esta nossa conversa e que é: em 2005, foi necessário criar uma marca própria, a UP, que é um ativo da Unimark e que acaba por ser a marca própria transversal praticamente a todos os nossos associados e que serve as lojas Aqui é Fresco.
Quando há alguma retração ao consumo, automaticamente as marcas próprias acabam por crescer no cabaz de compras das famílias, pelo que é igualmente importante estarmos nessa área, embora o nosso core seja sempre a marca de fabricante, até porque somos muito “marquistas”. No entanto, temos de ter sempre a nossa marca própria. Acaba por haver algum crescimento da UP nestes últimos anos, considerando esta retração e a situação que vivemos hoje em dia em Portugal.
Normalmente, tudo o que seja situações políticas e o fator incerteza trazem logo retração ao consumo. A pior situação que temos é mesmo a incerteza, não é os aumentos do preço de tabela. Infelizmente, sabemos que depois da guerra houve um incremento de uma série de fatores, como matérias-primas, combustíveis e energia, que acabaram por galopar os preços de alguns produtos. Mas aí conseguimos fazer face e continuar a crescer a dois dígitos, como tem sido nestes últimos anos.
A questão da incerteza política traz logo a retração ao consumo e sabemos de antemão que até às eleições de 10 de março vamos sentir um pouco essa retração.
— Em termos económicos, a nível nacional e europeu, está a haver uma conjuntura recessiva em vários países. Isso pode ser uma oportunidade para as marcas brancas?
CE — É e está a ser uma grande oportunidade de crescimento, até porque os dados da consultora Nielsen já referem que 43% das compras são feitas em marcas próprias. É lógico que no nosso canal não temos essa penetração, temos mais a marca de fabricante, até porque a nossa marca própria não representa, nem de perto nem de longe, o que representam as marcas próprias dos hipers e supers. naquilo que é a faturação deles mensal. Na nossa área representa muito menos, mas temos de ter a marca, temos de olhar para a marca como um dos nossos ativos principais e focarmo-nos também no seu desenvolvimento.
À minha maneira
Quem é a Carla e qual é o seu estilo de gestão e de liderança?
CE — Sou economista, tirei o curso na Universidade Nova de Lisboa, tenho 54 anos, dois filhos, a Filipa de 25 e o Duarte de 23.
O que tento fazer sempre como líder é ajudar os colegas, ajudar os colaboradores, arranjar a melhor estratégia envolvendo a equipa. A equipa está sempre de braço dado com a direção executiva e com a direção-geral, exatamente porque juntos somos muito mais fortes. É o que eu às vezes costumo dizer: juntos sonhamos, mas unidos conquistamos tudo e conseguimos sempre atingir os objetivos.
E como é que é gerir um modelo de central de compras e um modelo cooperativo?
CE — São sempre desafios grandes, até porque estamos a trabalhar com várias empresas e acaba por haver necessidades muito dispares entre regiões do país. Temos de estar sempre muito atentos àquilo que são as necessidades dos associados, para lhes fazer face e tentar responder o melhor possível.
Sim, conseguimos
Como é que conseguiu ultrapassar a maior adversidade que encontrou?
CE — Ao nível profissional foi a Covid, porque tivemos de nos reinventar muito rapidamente. De repente, fomos todos para casa, ninguém estava habituado a em teletrabalho, ou seja, isto foi uma aprendizagem de um minuto para o outro. Conseguimos lidar diariamente com todos os nossos associados, com os nossos fornecedores, fazer as pontes, nunca deixar cair a atividade da central e a atividade promocional. Sempre com promoções, sempre a ir atrás das necessidades, nomeadamente com a questão das receitas. As nossas receitas diárias surgiram com a questão da Covid e houve um reinventar grande até na nossa convenção anual.
Fazemos sempre uma convenção anual com uma área de negócio, onde estão presentes, atualmente, cerca de 90 fornecedores, que mostram que têm uma montra de produtos, têm os seus stands e fazem a venda diretamente à nossa rede de lojas Aqui é Fresco.
Nós reinventámos tudo o que era feito presencialmente e depois reinventámos para o online, que foi uma ideia que surgiu. Tive de incorporar a equipa e convencê-la de que ia dar resultado, porque inicialmente não foi fácil.
Consegui também convencer os fornecedores e a partir daí fizemos a convenção online, que foi um grande desafio na altura. Ter um comércio de proximidade ligado ao computador para fazer compras nunca é fácil, tem de ser com muita formação e, por isso. demos muita formação no mês de setembro de 2020. Conseguimos ultrapassar ainda mais o volume de faturação do ano anterior na questão online, que era quase uma coisa inédita no retalho alimentar em Portugal.
Portugal 2043
— Como é que vê, na sua profissão, mas também enquanto cidadã, os desafios para o país para os próximos 19 anos?
CE — Queria que Portugal estivesse no topo da Europa, como um país bastante desenvolvido, mas temos muita coisa por fazer, nomeadamente na questão da coesão social e territorial, porque infelizmente cada vez temos maior distância entre os ricos e os pobres. Temos de ter alguma consciência e os próximos governos precisam de prestar atenção a isso.
Depois, na parte territorial, temos tudo centrado no litoral, quando o país é tão pequeno e o devemos aproveitar num todo. Temos zonas e empresas fantásticas, precisamos de as desenvolver e de as ajudar também.
— E do ponto de vista também daquilo que são as pessoas e as várias gerações?
CE — Dar igualmente oportunidades aos mais novos, porque infelizmente temos quase empurrado os mais novos, quando acabam as faculdades, para irem para fora, para tentarem ter oportunidades que o nosso país não está a dar.
Acho que este é um ponto muito importante: não deixar fugir os talentos, porque temos muito bons talentos a ir para fora quando podiam estar a operar em Portugal e a ajudar o país a evoluir, que é o que nós também precisamos.
— Nesta área de comércio e serviço, o que é que imagina que possa ser uma tendência de transformação?
CE — Temos de estar muito cientes da digitalização, do comércio online, porque ele veio para ficar e temos de ir acompanhando a evolução. É estar sempre muito atento às novas ferramentas que vão surgindo, adaptar sempre o comércio de proximidade, sendo que as lojas de proximidade nunca vão acabar, porque a parte física também é muito importante. Até porque temos o serviço, temos a personalização, sabemos o que é que os clientes gostam e acabamos por ter aqui essa parte que é uma grande mais-valia do nosso comércio de proximidade.