“Comecei aqui como estagiário há 40 anos. Não estou convencido de que este é o meu lugar”, afirma CEO da Renova

A Renova vai crescer acima dos 250 M euros (2022), está em 70 mercados e aposta em França, na China e no Tik Tok.

A Renova vai crescer acima dos 250 M euros (2022), está em 70 mercados e aposta em França, na China e no Tik Tok. Paulo Pereira da Silva, CEO desde meados dos anos 90, revela a estratégia industrial e de marca.

Como está, neste momento, a Renova, em volume de negócios? Esta é uma empresa criativa e que aposta muito na marca e no marketing, mas começamos pelos números.
Paulo Pereira da Silva — Estamos num momento muito interessante do negócio na Renova, do desenvolvimento da empresa e, sobretudo, do desenvolvimento da marca. Como sabe, a Renova é, acima de tudo, uma marca e vendemos a nossa marca e os nossos produtos. Não são só átomos, é o intangível que vem atrás.
Tentamos levar ao mundo inteiro aquilo que é feito aqui e não só aqui, mas o que começou há várias gerações, junto à nascente do rio Almonda, em Torres Novas, na região centro, no Portugal profundo.
A Renova foi a marca fundadora em Portugal deste tipo de produtos, produtos de consumo à base de papel, e acho que nos diferenciámos. Fizemos coisas diferentes e estamos a levar esses produtos ao mundo inteiro.
Muito interessante, neste momento, é que estamos numa fase charneira de internacionalização da marca. Vamos para Espanha, para França. Já temos, na Península Ibérica e em França, quotas de mercado interessantes…

—Está a referir-se à unidade fabril em França?
PPS — Em França, temos uma unidade fabril, tal como em Portugal. Neste momento, devemos ter à volta de 7% de quota de mercado em França, o que é algo já interessante.
Quando começamos a ver na Coreia do Sul ou no México, na Inglaterra ou na Alemanha, os produtos Renova, é uma mudança muito grande em relação àquilo que foi.
É esse salto, essa mudança que considero muito interessante para a Renova. É um privilégio muito grande trabalhar aqui, por estar a assistir a essa mudança de uma marca portuguesa ou ibérica para ser uma marca muito mais global. Dito isto, o que é que vejo na Renova? Imensos desafios pela frente porque quanto mais sítios, mais mercados, mais complexidade existe e mais desafios temos pela frente.

Robots que se orientam através de sensores, na Fábrica da Renova

— A Renova está em quantos mercados, neste momento?
PPS — Temos à volta de 60, 70 mercados, mas não com a mesma força. Por exemplo, estamos a começar na China, onde vendemos só em e-commerce e muitas vendas no Tik Tok, algumas coisas a partir de chineses que estão em Torres Novas.
São experiências totalmente diferentes. Com a China aprendemos muito com as vendas no Tik Tok que é uma linguagem totalmente diferente daquilo que nós estávamos habituados do ponto de vista de comunicação. São todos esses desafios que são muito interessantes.
Quanto a números, devemos ter à volta de 650 pessoas diretamente a trabalhar connosco. Em 2022, faturámos 250 milhões de euros. Em 2023 será mais, com uma enorme ambição e numa fase muito interessante de crescimento e de expansão.

— Quais são os novos desafios? É um desafio de dia a dia ou semana a semana, consoante o comportamento dos consumidores?
PPS — Se quisermos caracterizar o tempo atual, falaria de complexidade. Como é que se consegue gerir complexidade? Todos os anos têm vindo a aparecer guerras, covid, doenças, coisas que alteraram um bocadinho aquilo que seria expectável acontecer normalmente no mundo.
Essa complexidade, como é que se gere? Implica uma enorme solidez, robustez na informação que se tem e uma enorme fluidez na capacidade de aplicar a estratégia da empresa nos diferentes sítios. Para mim, tem muito que ver com conseguir ter informação robusta e capacidade de executar com muita fluidez a nossa estratégia.
Como é que isto se faz? A diferença está nas pessoas. Portanto, ter as pessoas certas, no momento certo, no sítio certo. Sou profundamente otimista porque nunca vi gente tão boa, que aparece e sai das universidades, com experiência, cá e lá fora, enviando pessoas portuguesas para os nossos departamentos que estão fora de Portugal e ao buscar pessoas fora, para trabalhar aqui.
Gosto muito dessa diversidade de pessoas com formações muito distintas umas das outras, de físicos a geógrafos ou a engenheiros…

— Isso porque essa diversidade estimula a criatividade?
PPS — Porque é por aí que vão aparecer as ideias novas e a capacidade de nos adaptarmos ao mundo que está a mudar muito. Está a mudar por questões demográficas, está a mudar por questões tecnológicas, está a mudar imenso. Por uma mudança, se calhar, de fluxos financeiros e de riqueza, se calhar, de uma Europa para uma Ásia ou de um Ocidente para um Oriente. São tudo coisas a que nós temos de estar atentos e tentar responder a esses desafios para continuarmos, ao longo do tempo, o nosso desenvolvimento.


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— Nós estamos na sede, em instalações que são de 1939, início da Segunda Guerra Mundial. A Renova já viveu momentos históricos diversos, mas ficou ainda mais conhecida no início da pandemia. A pandemia foi uma oportunidade de negócio ou nem por isso? Houve alguma brincadeira acerca disso, como sabe, daí esta provocação…
PPS — Sim, sobre o papel higiénico. Foram tempos difíceis porque nós tivemos de trabalhar, trabalhar em pleno. Diria que não houve um aumento de consumo de papel higiénico, mas houve uma grande transferência de consumo, das áreas profissionais, nas escolas, nos escritórios, para casa, para a área doméstica. Houve uma mudança de stock de um lado para o outro.
O consumo mundial, europeu, de papel no final do ano não aumentou, mas houve essa transferência. Essa transferência foi muito abrupta e houve alguns problemas de cadeias de abastecimento no curto prazo. Nunca faltou um produto, mas foi um produto de primeira necessidade que nos obrigou a trabalhar muito.
A coisa talvez mais interessante e de aprendizagem foi, como toda a gente, pessoas que estavam em escritórios que começaram a trabalhar em casa, uma adaptação tecnológica fantástica nas equipas de informação, que conseguiram ter os computadores em casa e estar a trabalhar.
Por outro lado, a fantástica resposta das pessoas que estavam a trabalhar nas fábricas, que tinham de vir todos os dias trabalhar e, no princípio, correndo riscos. Não sabíamos o que ia acontecer, mas ter essa resposta muito positiva das pessoas foi uma aprendizagem, uma experiência.
Tornou-nos a todos mais robustos, mais fortes na nossa capacidade de nos adaptarmos muito rapidamente a condições muito diferentes.

— O caso da Renova é um exemplo de aposta na inovação, na criatividade e, obviamente, na marca e no marketing. Mas o Paulo vive num país que, muitas vezes, ainda tem algum estigma quanto à marca-país. O que precisamos de trabalhar mais?
PPS — A nossa estratégia é toda baseada na marca e aquilo que tentamos levar longe é a marca. Para ir com a marca, falamos de marketing, inovação, diversidade, mas também temos de ser competitivos.
Toda a parte industrial é fulcral porque, se nós não formos competitivos, tudo o resto não vai ter sentido absolutamente nenhum. Estamos num grupo, numa indústria, que é uma indústria de capital intensivo que implica estar sempre a investir.
Estamos constantemente a fazer investimentos novos em todas as áreas. Isso não pode parar. Isto só para não esquecer também o lado industrial, que é menos conhecido, mas é muito importante.
Em Portugal, temos uma economia que está a mudar. Até há pouco tempo, acho que fazíamos muito bem coisas, mas vendíamos átomos, vendíamos moléculas, vendíamos produto. Muitas vezes não lhe conseguimos pôr o valor intangível que está por cima dele. Para mim, é uma das causas do nosso PIB ser baixo.
Somos capazes de fazer coisas espetaculares para as marcas maiores, mas depois são vendidas e o valor vai ficar noutro lado. É muito importante que as empresas portuguesas apostem no intangível, na tecnologia, nas marcas, em ter uma marca por trás da nossa inovação, da nossa capacidade de fazer.
Depois, essa marca pode ser constantemente enriquecida com novos produtos, mesmo que a empresa esteja a fazer um produto, como as empresas tecnológicas, que tenha uma vida curta, porque a seguir entra outro e outro. O que a Apple fez no princípio não tem nada que ver com aquilo que está a fazer agora. Esse aspecto da marca é muito importante.
Noto alguma mudança no país. Nós, na Renova, fomos fundadores (e fui o primeiro presidente) de uma associação de marcas de luxo em Portugal que se chama Laurel, também para tentar desenvolver o saber-fazer português e pôr-lhe o valor porque, senão, muitas coisas, até tradicionais, vão morrer se não forem vendidas com esse valor.
Penso que se está a fazer essa mudança. Começa a haver nas pessoas portuguesas um certo orgulho por aquilo que é nosso, quando antigamente havia quase uma vontade de contrário, quase de dizer mal, à exceção de alguns programas como o Sucesso.pt, que chamavam a atenção para aquilo que existia de bom e aquilo que se estava a fazer.
Cada vez há mais exemplos nessa área, com marca. Mas há imenso por fazer ainda no nosso país.

— Na questão industrial, há uma variável muito importante que é a do ambiente. Isso preocupa-o?
PPS — Na Renova, já quase desde os meus primeiros tempos em que trabalhava aqui como engenheiro, tínhamos uma luta muito grande. Comecei quase a minha vida assim, na reciclagem de papel e, às vezes, nas etiquetas ecológicas em relação à reciclagem de papel porque nós sempre reciclámos.
Acho que é muito bom reutilizar tudo o que é possível, das secretárias aos edifícios, para ter um ambiente de trabalho que possa ser bom, mas em estruturas que foram hangares industriais e que estão como estavam. Reutilizar primeiro, depois reciclar. A reciclagem é uma coisa muito importante. Mais de 30% das matérias-primas fibrosas que temos, as fibras com que são feitos os produtos, vêm da reciclagem de papéis que já tiveram outra vida.
Hoje, os filmes plásticos também vêm de uma enorme quantidade de produtos reciclados, com coisas muito giras e novas que estamos aqui a fazer nessa área, o que permite reutilizar as lamas que vêm da reciclagem de papel para juntar à nossa biomassa e produzir vapor. Já é a reciclagem da reciclagem, é a economia cada vez mais circular.
Tudo isso é importante, um caminho que temos de percorrer e que não vai ter fim. Temos de melhorar, sempre. Diminuir os circuitos de consumo de água, diminuir o consumo de energia, passar para uma energia o mais sustentável possível, com investimentos enormes em biomassa, no fotovoltaico, em todas as áreas. É uma condição sine qua non para os negócios no futuro.
Há uns anos, se calhar, falava-se de qualidades, de sistemas de qualidade, quando comecei a trabalhar, isso era uma coisa que estava muito na moda. Atualmente, já nem se fala muito de qualidade, porque quem não a tiver, está posto de fora. O aspecto da sustentabilidade também espero que seja assim dentro de uns anos: um trabalho que tem de se fazer todos os dias e que toda a gente tem de fazer, senão fica fora do contexto e vai desaparecer.


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— A arte ajuda a libertar a criatividade ou é também uma paixão?
PPS — Pela minha formação, sou apaixonado pela ciência. A ciência é muito importante como a física, a matemática… E acho esse aspecto crucial hoje porque muitos dos problemas têm de se resolver através da ciência. Aparecem pessoas a falarem de tudo, às vezes sem o conhecimento científico que deviam ter para falar sobre os assuntos. É preciso conhecimento científico para responder à complexidade de problemas.
Depois, gosto também muito de arte porque, na nossa vida, no dia a dia (que não é fácil e tem muitos stresses), é uma coisa que nos faz passar para outra dimensão, faz-nos ser mais criativos e pensar de outra maneira.
Gosto muito de ter artistas, às vezes, misturados aqui com as nossas equipas de inovação de conceitos, porque têm uma maneira de ver o mundo quase como as crianças, com aquilo que uma pessoa muito racional não tem.
Essa capacidade de criatividade, a beleza é uma coisa muito importante para mim. Ver coisas bonitas traz-me uma certa tranquilidade e é um valor. Acima de tudo, se perguntar, aquilo de que mais gosto são as pessoas. É trabalhar com pessoas, porque, no fundo, é aí que está a diferença toda. Conhecer pessoas novas, misturar pessoas diferentes, fazer coaching de pessoas, para mim é assim a grande paixão.

À minha maneira

Quem é o Paulo e qual é o seu estilo de gestão e de liderança?
PPS — Não sei. Tenho de perguntar às pessoas que trabalham comigo porque, se calhar, terei uma visão errada. Estou na Renova há perto de 40 anos e comecei a trabalhar aqui, num estágio, sempre julgando ter uma carreira académica, mas queria experimentar o que era a indústria. 40 anos depois, ainda estou a fazer essa experiência e não estando muito convencido de que este seja o meu lugar.
Se me perguntar sobre esta sensação de curiosidade, de uma certa inquietação em relação às coisas, uma procura de fazer diferente, de perceber as coisas, se calhar gostava que fosse isso que me caracterizasse: muita curiosidade.

— E estimular a participação das equipas… Como é que estimula esse processo criativo? Dá liberdade às suas pessoas?
PPS — Não sei se não são as pessoas que me dão a liberdade a mim.
Se falarmos de inovação de conceitos, ela vem de muita espontaneidade e de muitas conversas. A tomar café com pessoas diferentes, com backgrounds diversos, sobre problemas diversos.
Gosto de estimular isso o mais possível, de maneira quase informal. Estamos a falar de um conceito, de uma ideia, qualquer que ela seja, pode ser um produto ou uma campanha publicitária. É uma liberdade muito grande. Depois as coisas, de maneira mais ou menos orgânica, vão-se decidindo.
Quando decidimos por onde se vai, já se tem algo muito mais preciso, em equipamentos e experiências. Umas chegam a bom porto, outras não. A inovação é assim.

Sim, conseguimos

Quais é que terão sido as maiores adversidades que encontrou como gestor?
PPS — Costumo dizer que raramente um projeto sai bem à primeira. Às vezes, é preciso muita perseverança e capacidade para nos adaptarmos à complexidade que vai aparecendo, quando crescemos.
Para mim, o mais difícil foi verdadeiramente a internacionalização da marca. Foi deixar de ser uma marca que estava só em Portugal, que era líder e fundadora em Portugal, e chegar a outros países onde ela não existia, onde nem sequer nos recebiam e que não sabiam o que era. A coisa mais difícil foi essa legitimidade e reputação dentro da indústria. Aí o papel higiénico preto foi uma inovação importante, ajudou-nos muito nesse passo.

— E em termos pessoais?
PPS — Às vezes, preciso muito de fugir para sítios sozinho ou estar com pessoas diferentes, que não têm nada que ver com a indústria, e falar com elas. Mas hoje há uma coisa que me é fundamental. Passo algum tempo em redes sociais, a ver o que é que se passa, como é que as pessoas novas comunicam. Essa curiosidade de me pôr na cabeça de uma pessoa mais nova é uma coisa muito importante.

Portugal 2043

Como imagina o país em 2043? Ou como gostaria, enquanto cidadão, que o país estivesse nos próximos 20 anos?
PPS — Vou ser um bocadinho utópico. Para falar do país nos próximos 20 anos, tinha de ver um bocadinho o que é que seria o mundo dentro de 20 anos. Como é que eu gostaria de ver o mundo dentro de 20 anos?
Gosto muito da Europa, sou profundamente europeu. Gosto muito desta parte do mundo, com as democracias, apesar dos problemas todos que temos, com alguma boa vontade entre as pessoas, se eu posso dizer assim, com uma maior familiaridade entre as pessoas. Eu gosto muito do espaço europeu. Gostaria que esse espaço, dentro de 20 anos, não desaparecesse ou que ficasse igual aos outros.
Para Portugal, aquilo que gostaria é que fosse, de facto, Europa e uma nação, um Estado-nação, dentro de uma Europa e de uma Europa com muita força. Com liderança no mundo e com capacidade para influenciar o mundo porque parece-me que as ideias são as ideias certas, não são exageradas, nem para um lado nem para o outro. Se calhar, começam a ser pouco sexys, do ponto de vista do mundo.
Como é que eu gostaria? Gostaria de ver uma Europa forte, provavelmente federal, e nós sermos um Estado, uma nação, dentro dessa Federação Europeia.
Nós não temos riquezas naturais, não temos petróleo, não temos minerais, não temos nada. O que é que nós temos? Temos, essencialmente, as pessoas, o clima, que é muito interessante, e temos uma cultura de séculos de sabermos estar uns com os outros e de ter ido para fora e voltado a mundos diferentes.
Temos uma capacidade de adaptação muito grande, que é muito interessante neste tempo. Acho engraçado: nos países onde vou, em trabalho, encontro uma diferença brutal porque neste momento Portugal está na moda.
Se calhar, há 20 ou 30 anos não estava. Quando comecei a internacionalizar a marca Renova, uma coisa portuguesa, não existia. Neste momento não é assim.
Portugal existe. Continuar a desenvolver isso, sem que se perca o trabalho que tem sido feito, é muito importante. Para isso, são precisas muitas reformas, imensas reformas, e é preciso coragem para as fazer…
É preciso coragem para falar a verdade porque, muitas vezes (e se nós entramos aqui na política, que eu não gosto tanto de entrar), vimos prometer tudo e mais alguma coisa que sabemos de antemão que não é possível dentro de uma empresa. Há que gerir as coisas com verdade, com humildade, e depois fazer, executar, aquilo que se pensou fazer ou a estratégia que foi definida.
Nós não somos muito bons a executar. Temos as ideias, temos as pessoas, mas depois falhamos um bocadinho na execução, ou mesmo muito, na execução das coisas.