“Vamos fechar com 400 milhões e novos navios”, afirma Mário Ferreira, CEO da Douro Azul

Mário Ferreira está a construir um novo navio de 200 passageiros, a juntar à frota de 55 navios. O negócio dos cruzeiros emprega 2000 pessoas (fixas) e movimenta cerca de 400 milhões de euros.

Veja o vídeo completo no Youtube da Euronews:

O negócio dos cruzeiros é, hoje, muito mais do que a DouroAzul. Quantas empresas tem o grupo Pluris na área de cruzeiros?
Mário Ferreira — Sim, a DouroAzul foi a empresa pioneira. Felizmente, este ano celebramos 30 anos e é um grande aniversário. Começámos em 1993, com os cruzeiros de rio e ficámos conhecidos em Portugal porque, na altura, quer o Porto, quer o Douro estavam muito pouco desenvolvidos, em termos turísticos. Não existia na altura, sequer, um hotel de qualidade em terra, quanto mais no rio. Hoje, sim, existem infraestruturas fantásticas no Douro, quer em terra, quer no rio, e o Porto, também em termos turísticos, é o sucesso que é.
Voltando à DouroAzul, que é a empresa mais conhecida, evoluiu muito. Fomos crescendo além-fronteiras. Neste momento, a DouroAzul é uma pequena empresa do grupo Pluris Investments e tem mais 42 irmãs.
Temos uma área, o setor dos cruzeiros, onde temos subdivisões: temos os cruzeiros de rio em Portugal, no Douro; temos os cruzeiros de rio na Alemanha, que é uma empresa grande no setor fluvial e que está presente em todos os rios navegáveis; temos os cruzeiros de mar, que também se dividem em dois, uns para uma classe média-alta (estamos a falar de um navio clássico para 1000 passageiros, que é o Vasco da Gama, que está agora a fazer uma coisa inédita em Portugal que é uma circum-navegação que começou em Lisboa, dá a volta ao mundo e acabará em Lisboa) e o outro ramo com quatro navios de expedição (o quinto, o West Sea, está a ser construído, neste momento, nos estaleiros de Viana do Castelo).
Esses quatro fazem o verão antártico, no Polo Sul, onde já chegaram para iniciar o pico do verão antártico porque, a partir do dia 5 de novembro até dia 15 de março, é a nossa época alta. Depois reposicionamos, entre abril e junho. Fazemos a travessia para o Polo Norte. Estamos ali entre julho e o início de setembro, onde fazemos a área do norte da Noruega, a Gronelândia, a Islândia e toda a área mais a Norte.
Enquanto subimos e descemos, fazemos alguns cruzeiros no Mediterrâneo, na nossa costa, Açores, Madeira e a costa de África. Outros, para não estarem os quatro a fazer a mesma coisa, também fazem a costa brasileira e alguns fazem um bocadinho das Caraíbas.

— Juntando a DouroAzul, a Mystic e a empresa na Alemanha, qual é, de momento, o total da sua frota?
MF — Neste momento, estaremos a falar de perto de 50 navios de rio, cruzeiros de rio, navios-hotel; 4 expedition de 200 passageiros cada (mais um que estamos a construir) e o Vasco da Gama com capacidade máxima de 1260 passageiros.


Galeria Imagens

— O modelo de negócio consiste na gestão de uma frota, como numa companhia aérea, porque trata-se de usar a capacidade instalada e rentabilizar os navios, certo?
MF — Sim, mas só estamos a falar da área náutica. O grupo e a minha holding, que é a Pluris Investments, gere outros ramos e outros setores de hotelaria ou hotéis em terra, que estamos a construir e outros projetos que estamos a fazer. O último que construímos foi o The Lodge Hotel e vendemo-lo. Tivemos uma oferta elevada em setembro do ano passado e acabámos por vender. O mercado hoteleiro no Porto e Gaia está muito forte. Estamos igualmente presentes na área dos seguros, na área do imobiliário e outras.
O grupo foi investindo, antes do tempo da covid, em negócios diferentes e outros pequenos também, fruto da passagem pelo Shark Tank, nomeadamente algumas pequenas empresas e startups que eu sempre gostei de ajudar e continuo a ajudar. A maioria não dá em nada, dá trabalho, mas são experiências que vamos fazendo consoante nos vão apresentando negócios.
O core da empresa, não falando também no setor dos media (onde estamos com uma presença forte), é o setor náutico, onde me conheceu há anos, quando comecei. Neste momento, com sede neste escritório no Porto e com pessoas a trabalhar nos navios, estamos a falar de mais de 2000 pessoas fixas. Depois, temos aqueles que são temporários e os dos rios, no centro da Europa, quase todos temporários e rotativos.

— E qual é o volume de negócios, separando a parte da holding?
MF — Neste setor de negócio, vamos fechar com 400 milhões de euros de faturação. Há, em média, 2000 funcionários e o vencimento médio desses 2000 é de 2067 euros. É verdade que nós temos colaboradores na Alemanha; temos nos Estados Unidos um escritório em Fort Lauderdale e em Portugal porque os nossos três grandes pontos são Portugal, Alemanha e Estados Unidos. Estávamos a negociar, mesmo antes da covid, um em Inglaterra e foi por dias que não compramos, mas ainda bem porque, se tivéssemos comprado, teria sido um problema.
A covid foi muito má para esse setor e para o setor dos cruzeiros em particular, até mais do que a hotelaria. A hotelaria sofreu, mas reergueu-se muito depressa. Os cruzeiros foram quase três anos porque, depois da covid, veio a guerra da Ucrânia e esta agora que não está a afetar tanto os cruzeiros, mas a guerra da Ucrânia afetou o setor de cruzeiros.

— O Mário Ferreira é um empresário que aposta em transportes ligados ao turismo. Como é que olha para a evolução do turismo em Portugal e também para o setor da indústria, até porque acabou por salvar, em parte, os estaleiros de Viana do Castelo?
MF — Nós já trabalhávamos com os estaleiros antes da compra, ou da concessão, da West Sea e vimos ali imenso potencial. A mim causava-me muita tristeza ver um potencial daqueles e depois ver os estaleiros que fui visitar na Holanda, na Alemanha, na Croácia. Vamos estar aqui a puxar por este estaleiro quando lá é possível? E conseguimos uma alternativa boa, na altura. Posso dizer que fui um dos motivadores, ao falar com o engenheiro Carlos Martins da Martifer e dizer: “Olhe para aquilo, olhe para aquilo”. Depois, o know-how, a experiência, a vontade e a capacidade de engenharia dele e do grupo conseguiram fazer com que aquele estaleiro hoje esteja ao nível do que bem se faz em termos de construção naval na Europa e com capacidade de crescimento no futuro próximo.

— Mas quanto ao turismo, continua em “bolha” ou não é uma bolha?
MF — O turismo do Porto é uma coisa; o turismo do Douro, o turismo oceânico e o turismo nos polos são outras. Por isso, nós continuamos e acreditamos neste setor. São 30 anos à frente deste negócio; já começam a ser muitos anos. É uma área de atividade que eu gosto muito. Mais ainda aquela ligada ao mar e poder ir para continentes diferentes e visitar povos e países diferentes, coisa que estamos a conseguir com sucesso.
Na volta ao mundo, a logística é difícil. Nós vamos ter uma paragem pela primeira vez, dentro da nossa área de negócio, neste cruzeiro do mundo; vamos inclusive a Timor. Vamos visitar sítios difíceis de lá chegar. Quando nós dizemos difíceis, estamos a falar do facto de levarmos entre 800 e 1000 passageiros e temos de lhes dar de comer quatro vezes ao dia.
Por isso, é preciso que os portugueses (ou quem esteja a ler a entrevista) consigam visualizar que não é só chegar lá. É preciso chegar lá e pensar que nós, durante esse tempo e por esses sítios mais remotos que vamos visitar, nem sempre conseguimos receber os contentores e gerir a logística no escritório onde temos pessoas a trabalhar connosco de todas as nacionalidades (alemães, austríacos, espanhóis, gregos, americanos, ingleses), a ajudarem-nos nesta operação logística.
Já aqui no Douro, não parece, mas ter de abastecer 12 navios-hotel, com 100 a 120 passageiros, todos os dias nestes portos ao longo do rio, já foi um desenvolvimento logístico grande. Agora fazer isso à volta do mundo é outra conversa; o mesmo princípio, mas outra conversa.

—Alguns dos navios, na sua compra ou na sua recuperação, tiveram também uma comparticipação comunitária ou europeia. No ano passado, houve aqui uma fiscalização das autoridades tributárias. Sentiu-se incomodado com isso? Será que, às vezes, é visado também pela sua forma de ser e pelo seu percurso?
MF — O que nós temos ou tivemos (agora já não existe) de apoio no passado são coisas que são sempre auditadas e geridas pelo Turismo de Portugal ou pela AICEP. Tem um regulamento e tem de cumprir o regulamento. Tivemos no passado, nos navios com que nos candidatámos, uma taxa de execução de 100%. Sempre imaculado.
Veio a covid, os navios estiveram parados e o calendário de reembolsos foi cumprido. Nós nunca pedimos uma moratória. E agora diz “incomoda-me”, é óbvio, é triste… O que nós tivemos foi alguém dizer para as notícias (isso é conhecido, é uma pessoa só que faz isso de forma maldosa) que mandou umas cartas: “vejam como é que é possível construir e fazer não sei quê e comprar e vender”. Pronto, alguém que inventa essas histórias. De qualquer das maneiras, é muito desagradável ver essas coisas no jornal e desmotivante até para quem trabalha para a empresa. Em relação aos apoios da construção dos navios, eram reembolsáveis, na maioria, e quem se candidatava, e havia alturas em que havia pessoas que se queriam candidatar e não tinham coragem para o fazer, porque era preciso investir o seu próprio capital, e muito, deixavam que muitos desses fundos fossem devolvidos. Deve-se lembrar, de certeza, ainda na altura que estava no ativo como jornalista nas áreas económicas, que havia fundos que não eram preenchidos na totalidade e eram devolvidos.
Nós, no Douro, usámos, tivemos bastantes apoios. Esses apoios foram fundamentais para o desenvolvimento rápido e a construção de mais navios, se não, não o conseguíamos fazer porque a banca não acompanharia da mesma forma, mas aquilo eram empréstimos, a maior parte reembolsável e outra parte a fundo perdido, é simbólica, é exígua, para aquilo que foram as centenas de milhões de investimentos que feitos aqui no Douro, estamos a falar só no Douro. Os navios de mar não têm qualquer tipo de apoio, nem nacionais, nem estrangeiros.

À minha maneira

Quem é Mário Ferreira e qual é o seu estilo de gestão e liderança?
MF — É assim um bocado what you see is what you get. É simples, tenho um estilo muito hands-on, mãos a trabalhar. Estou presente. Não quero com isto dizer que não delegue, tenho uma equipa fantástica.
Obviamente, seria impossível gerir uma empresa destas, internacionalmente, se não tivéssemos grandes colaboradores e quando eu digo grandes é em todo o sentido. Pessoas que estão dispostas a vestir a camisola, pessoas que não estão preocupadas a olhar para o relógio. Também não há ninguém aqui preocupado em perceber quando é que eles entram, quando é que eles saem; não estão preocupados em saber se hoje é domingo ou se é sábado ou se é feriado.
Ainda num feriado (quarta-feira), precisei de trabalhar o dia todo e tive aqui um administrador que disse, “não, não, vamos” e fomos os dois de calças de ganga. Estivemos a trabalhar o dia todo e com chuva, mas era importante para um negócio que estamos a montar, percebê-lo e vivê-lo. É preciso ir ao local, é preciso estar presente, é preciso comunicar, é preciso comunicar com os colaboradores, sentir e ouvi-los.
Isto é uma empresa diferente do comum porque é uma empresa que não pára. Nós trabalhamos 365 dias por ano, 24 horas por dia. Isto nunca pára.
É um tipo de gestão que não dá para estar só sentado ligado ao computador a olhar para páginas Excel ou para relatórios muito bem feitos da auditoria ou esquemáticos. É um bocado de tudo, mas muito humano e com alguma proximidade.

Sim, conseguimos

Qual foi o seu maior obstáculo, a nível profissional, e como é que o ultrapassou?
MF — São 30 anos e o pior momento da vida deste grupo de empresas foi, sem dúvida, o que passámos com a covid. 2023 é o ano em que estamos a sair de três anos terríveis, de perdas grandes, em que tivemos de as cobrir e tivemos de pensar como fazê-lo. São muitas pessoas e muitos colaboradores aqui a receber todos os meses e nunca ninguém teve com um dia de atraso; nunca nenhum banco teve nenhum atraso nos seus financiamentos, capital e juros; nunca aderimos a nenhuma moratória, nem para os fundos comunitários nem para a banca, e isso obriga-nos a ser muito dinâmicos e proativos.
Obrigou-nos a ter de vender um hotel para aumentar o capital da empresa e conseguir depois um financiamento, como conseguimos agora, por exemplo, num fundo americano para construir o navio em Viana. Quando as coisas estão a correr pior, a gestão exige mais dinamismo e mais criatividade de todos e ir buscar forças e ideias a outros lados. Felizmente, com a diversificação do Grupo, todos os outros negócios, que não os do turismo oceânico e de rio, funcionaram muito bem e ainda bem.

Portugal 2043: “Temos tudo para saltar para o top 10 europeu”

Como gostaria que estivesse o país nos próximos 20 anos?
PMF — O que eu gostaria e o que vai acontecer são duas realidades diferentes. Os empresários dinâmicos e empreendedores têm normalmente visões que não são tão fáceis de concretizar. Depois, precisa de ter quem faça, quem execute e também precisa ter uma política que não estorve e que consiga colocar os ventos de feição para os rumos que podem ser traçados. Como nós nunca saberemos qual vai ser o vento da política, é difícil ver o que poderá ser o 2043, 45 ou até o 2050.
O país tem uma base humana boa, uma nova geração muito bem formada e que deveria ser mais bem aproveitada. Temos um problema de natalidade que, politicamente, deveria estar a ser agarrado e tratado hoje e não está a ser. Esse é o problema que eu vejo para daqui a duas décadas. Portugal não é um país que tenha mais dificuldades do que a Irlanda, mas deveríamos ver o que é que aconteceu na Irlanda (um país com as nossas dimensões, até ao nível populacional) e onde está em termos de riqueza e onde está Portugal.


— Tem um crescimento maior.
MF — Temos a base criada para dar um salto grande e saltar para o top 10 europeu, em vez de termos saído do top 20, como saímos dos países mais ricos da Europa. Acredito que isso será possível. Para isso, precisamos de gente que faça, gente com garra e ideias e de políticas adequadas.


— Precisamos de uma atitude menos Calimero?
MF — Somos um país que gosta muito de fado e, felizmente, começa a gostar de outro tipo de músicas, mais energéticas e mais felizes. A nova geração será a grande aposta das próximas duas décadas. Temos de acreditar nos jovens e tentar convencê-los a que eles acreditem em Portugal. O grande objetivo de quem está com mais de 50 é fazer com que os que têm 20 e poucos acreditem em Portugal. Não fujam.