Infante D. Pedro e a importância de o líder “ter mundo”

Os líderes políticos e corporativos têm muito a aprender com o Infante das Sete Partidas

A 20 de Maio passam 575 anos desde a morte prematura de uma grande figura esquecida da história de Portugal, o Infante D. Pedro. Devido às suas viagens ao estrangeiro, ficou conhecido como o Infante das Sete Partidas.

De forma visionária para um príncipe do início do século XV, as suas viagens não foram uma aventura pessoal ou militar, mas uma peça fundamental na observação do melhor que se fazia, no sentido da construção de um Portugal moderno e sintonizado com as transformações que estavam a ocorrer na Europa.

Nos dias de hoje, um líder demonstra “ter mundo” ao usar uma curiosidade insaciável sobre o que nos rodeia internacionalmente para analisar o que melhor e pior se faz em vários contextos, extrair e partilhar conclusões e, finalmente, implementar as melhores práticas com sucesso.

O Infante D. Pedro de Avis, figura notável da história portuguesa do século XV, empreendeu diversas viagens ao longo de sua vida que deixaram um impacto significativo no panorama político, cultural e económico da época. Uma das mais marcantes foi a sua jornada pela Europa entre 1425 e 1428.

Durante esses três anos, D. Pedro percorreu os principais centros políticos e culturais do continente. A sua viagem não se limitou a uma simples visita, dado que foi uma imersão nos meandros da diplomacia, do comércio e das artes, o que lhe proporcionou uma visão abrangente das realidades europeias. Ele passou por lugares como Inglaterra, Flandres, Hungria, Barcelona, Veneza, Pádua, Ferrara, Roma, tudo oportunidades para estabelecer contatos importantes, entender as nuances das relações internacionais e absorver o que havia de mais avançado na cultura europeia da época.

Em Veneza, o mais importante centro económico do século XV, visitou arsenais, recolheu informação sobre o comércio oriental, adquiriu o livro de Marco Pólo (com dados sobre a Rota da Seda, China, Índia e suas riquezas), e, tudo leva a crer, também um mapa com o traçado das principais rotas comerciais com o Oriente.

Na famosa carta de Bruges que o Infante D. Pedro enviou em 1426 ao irmão D. Duarte, ainda Príncipe, esboçou o ideal do rei política e economicamente forte, mas justo e gestor de conflitos e de interesses, evidenciando o seu caráter modernizador e reformista.

A carta recomenda a presença de representantes dos três estados (clero, nobreza e povo) no Conselho e Tribunal reais, enfatizando a importância de uma boa governance. Propõe a reforma da Universidade, sugerindo a criação de colégios para estudantes pobres e ricos, seguindo o modelo de instituições como Oxford e Paris. Destaca a necessidade de justiça eficiente, apontando que esta deve ser rápida e equitativa, e critica a demora nos processos judiciais.

Enfatiza também a importância dos transportes para promover o desenvolvimento comercial e económico. Critica os gastos excessivos dos senhores da terra, que resultam em impostos elevados e prejudicam a economia local. Finalmente, aborda problemas sociais como a falta de valorização do trabalho, a busca por posições na corte em detrimento de aprender ofícios e servir a comunidade…

Durante o período em que exerceu a regência (1439-1448), o Infante D. Pedro sempre promoveu a atividade económica e incentivou as explorações marítimas. Concedeu ao seu irmão, Infante D. Henrique, o monopólio da navegação e dos contratos das viagens ao sul do Cabo Bojador, juntamente com os lucros correspondentes, tentando controlar a sua forte inclinação para as cruzadas, a causa da tragédia em Tânger.

Na sua regência, promoveu a educação e cultura, incluindo a reforma dos Estudos Gerais da Universidade de Coimbra, e iniciativas para impulsionar a navegação e o comércio, em vez da guerra de conquista, tal como tinha observado na Europa.

Na sua vida, D. Pedro enfrentou desafios políticos significativos, incluindo uma crise de sucessão após a morte prematura do seu irmão, o rei D. Duarte. A sua visão progressista e as suas reformas encontraram resistência da nova nobreza, levando à tragédia de Alfarrobeira, onde foi morto pelas tropas do seu sobrinho e genro D. Afonso V. Tal acabou por interromper temporariamente os esforços de modernização do país. O seu neto, D. João II, seguiu muitos dos sonhos de D. Pedro, como a chegada à Índia, tornando-se o seu vingador e promovendo várias das suas ideias.

A vida do Infante D. Pedro, começando por “ter mundo” antes de gerir, oferece várias lições valiosas de liderança que podem ser aplicadas em diferentes contextos:

Visão e planeamento estratégico: D. Pedro tinha uma visão clara do desenvolvimento de Portugal como uma nação moderna e próspera. Ele não apenas imaginou, mas também planeou estrategicamente o desenvolvimento económico, cultural e social do país, investindo em setores como agricultura, pesca, comércio e educação.

Diplomacia e gestão de conflitos: O Infante D. Pedro era habilidoso na gestão de conflitos e na negociação com diferentes partes interessadas, como demonstrou em Inglaterra ao promover a aproximação de dois familiares desavindos. A sua abordagem diplomática ajudou a manter a paz social e a promover relações harmoniosas entre diferentes classes e ordens.

Abertura a boas práticas: Ao viajar pela Europa, D. Pedro absorveu conhecimento e experiência valiosos, especialmente sobre as práticas económicas e culturais inovadoras em outros países. A sua disposição para aprender e adaptar ideias contribuiu para a modernização de Portugal.

Promoção da educação e cultura: D. Pedro reconheceu a importância da educação e da cultura para o progresso de uma nação. O seu apoio aos Estudos Gerais da Universidade de Coimbra e o seu envolvimento na produção cultural, como os Painéis de S. Vicente de Fora, destacam a sua preocupação com o desenvolvimento intelectual e artístico do país.

Networking: Ao estabelecer contatos e construir relacionamentos durante as suas viagens, D. Pedro fortaleceu a sua posição e influência. Isso ressalta a importância do networking e da habilidade de construir conexões significativas para líderes em qualquer área.

Se há figura em Portugal que ainda hoje obriga a uma análise sobre a nossa memória histórica é o Infante D. Pedro, filho de D. João I e D. Filipa de Lencastre, pelo contributo que deu ao advogar a necessidade de “ter mundo”, seguido de reflexão e ação planeada para responder aos desafios do tempo. Os líderes políticos e corporativos contemporâneos têm muito a aprender com o exemplo do Infante das Sete Partidas.

Sócio da Egon Zehnder