O PRR é apresentado como o grande instrumento de política pública em Portugal. A comunidade política venera o PRR e espera que este fortaleça a economia portuguesa. É a grande injeção de capital que nos salvará. No entanto, nem tudo é salvífico nestes fundos. Por o dinheiro não ser do investidor, o PRR distorcerá a alocação de recursos dentro da nossa economia. Arriscamo-nos a dar incentivos para acabar mais pobres.
O problema não é novo. Há pouco mais de uma década, acordámos para a realidade de termos apostado em demasia nos setores de bens não transacionáveis. O dinheiro barato dos anos 80, 90 e 2000 já nos levou a orientar demasiados recursos para áreas pouco produtivas. O PRR pode ser a repetição das más apostas. Podemos desperdiçar o grande esforço que fizemos em reorientar a economia para os bens transacionáveis.
Uma economia saudável põe recursos nos projetos e ideias que geram o maior bem-estar. Para esta boa alocação, é necessário que os agentes económicos colham os frutos do seu esforço. Por exemplo, é necessário que os impostos sobre o trabalho não sejam demasiado altos, sob pena de as pessoas trazerem para casa uma recompensa demasiado pequena pelo seu esforço. Acabam por trabalhar menos do que quereriam. Os recursos ficam mal alocados.
Mas a má alocação de recursos também surge quando se criam sucessos artificiais. O capital, a criatividade e o empenho seguem os projetos com maior potencial. Inflacionar ganhos e reduzir riscos de uns projetos em detrimento de outros leva a uma realocação de recursos. Os sucessos artificiais levam a mais investimento em ideias de menor valor. A economia, ainda que cresça, crescerá menos do que poderia.
O PRR está a alterar o potencial relativo dos projetos e vai acabar por criar sucessos artificiais. Há, pelo menos, duas razões para isso: corrupção e oportunismo.
Primeiro, a corrupção, ou a sua forma mais leve, o amiguismo, leva a que os ganhos de um projeto não estejam relacionados com o seu valor. Os financiamentos decidem-se com base no ganho obscuro que os decisores podem retirar. Desde que quem manda fique com parte do capital, o projeto não interessa. Para lá da imoralidade do roubo, perde-se o valor de não fazer algo melhor com os recursos.
Este problema é atacável. A aplicação do PRR deveria ser absolutamente transparente, com um sistema que permitisse a qualquer pessoa escrutinar todos os financiamentos. A corrupção não se dá bem com a transparência. Também se poderia rodar automaticamente os responsáveis por aprovar financiamentos: é mais provável um processo ser limpo quando passa por várias mãos.
Segundo, mesmo sem corrupção, o oportunismo levará a que existam investimentos que não teriam avançado sem o apoio do PRR. Estes projetos não têm, por definição, um impacto económico suficientemente positivo. Só avançam porque o dinheiro a ser investido é demasiado barato. Se o investimento tivesse de ser conseguido num mercado de capitais normal, então não haveria quem apostasse neles.
Estes projetos oportunistas trarão alguma riqueza. Mas esta riqueza não é suficiente para compensar os projetos alternativos que não chegam a avançar. Os oportunistas vão retirar recursos a outros projetos de maior potencial, que teriam o caminho mais aberto. Por exemplo, será mais difícil atrair trabalhadores para empresas de maior valor acrescentado. Isto porque haverá mais pessoas a trabalhar em empreendimentos oportunistas promovidos pelo PRR, ou, de outra forma, mais pessoas que se especializam em projetos que servem sobretudo para aceder aos tais fundos.
Todos conhecemos projetos turísticos absolutamente falhados que só avançaram porque, nos anos 80 e 90, existiram apoios demasiados fáceis. Quais serão os projetos que, em 2043, nos parecerão uns verdadeiros tesourinhos deprimentes? Quais os resquícios de um tempo em que se achava que era preciso estimular a economia? Sendo o PRR uma realidade, precisamos de transparência máxima para evitar corrupção. A página transparencia.gov.pt parece oferecer essa transparência. Será necessário que os decisores também rodem.
Mas o problema é maior. Devemos reduzir a dependência do dinheiro externo barato. Este tornou-se um empecilho para os bons projetos em Portugal. Suga-nos os melhores. Conseguiremos deixar de ser recetores de fundos da UE dentro de 20 anos? Podemos começar por exigir baixas taxas de execução do PRR. Se os decisores públicos não têm interesse em deixar de espalhar dinheiro por aí, que seja a sociedade civil a realçar quem investe de forma independente.
Podemos pedir a associações como, por exemplo, a Business Roundtable Portugal ou a ICC Portugal para atribuir prémios às empresas que, sem alavancagem em subsídios portugueses ou europeus, atingiram maiores crescimentos. Ou premiar Câmaras Municipais cujo investimento não tenha contribuição de fundos europeus. Seria óptimo ver edifícios, transportes, anúncios, enfim, atividade económica em geral, sem a marca de Portugais 2020, 2030, PRR, Qrens ou afins. O seu a seu dono.