O grupo Luís Simões sobe a faturação para 280 milhões de euros e emprega 2450 pessoas (diretos). Com 75 anos, cresce em Espanha. Ao volante, José Luís Simões fala da sucessão.
– Como tem a Luís Simões enfrentado a crise portuguesa e europeia?
José Luís Simões – Depois destes últimos anos, com muitas imprevisibilidades, superámo-las e estamos, de novo, numa dinâmica interessante. Em 2022, já estávamos a superar 2019 e estamos a encontrar soluções para adversidades novas que não vimos antes. Isso permite um crescimento mais significativo em Espanha, porque o mercado é maior, mas estamos relativamente bem no que diz respeito àquilo que queremos e sabemos fazer. Atualizar-nos, ajustar-nos à mudança e respeitar os nossos valores, com o apoio dos grandes clientes.
– Em 2022, as vendas foram de 269 milhões de euros. Como deverá fechar este ano?
JLS – À volta de 280. 277 ou 276 consolidados. Os números não consolidados são maiores, mas consolidados são esse valor (aquilo que se vende ao mercado). E temos a esperança de que vamos conseguir chegar aos 300 milhões em 2024, com a economia a contrair-se, mas é possível.
– Tem a operação em Portugal, mas também com um centro perto de Madrid, em Guadalajara. No total, quantas pessoas emprega?
JLS – Cerca de 2450, mas esse número flutua muito ao dia porque, como estamos muito dispersos e descentralizados por regiões muito diferentes, há atividades que estão a crescer e outras que estão a ajustar-se. A esse número há que adicionar o outsourcing que é feito numa perspetiva de transportes, operações de segurança, limpeza, vigilância…
– Portanto, os postos de trabalho indiretos serão, se calhar, o dobro?
JLS ─ Não diria que esses são indiretos, mas há o dobro de subcontratados porque há uma grande componente de operações de transporte e também há uma quantidade brutal de pessoas que são indiretas, sim.
– Quando olhamos para o mapa ibérico, tem pilares ou centros operacionais na região de Lisboa, no Porto e na região de Madrid…
JLS – E há um quarto pilar também na zona da Catalunha, onde temos cinco centros de operações.
– O grupo LS está a celebrar praticamente 75 anos. Como foi a adaptação à mudança na economia?
JLS – 75 anos desde a chegada do primeiro camião… Também aqui, como noutras áreas, se começou mais cedo. Eram atividades como a de transportar hortaliça para os mercados em veículos de tração animal, vivíamos na Segunda Guerra Mundial e havia muitos constrangimentos…
– Desde os anos 90 do século passado, um dos fatores críticos de sucesso da organização (ou do modelo organizacional) foi muito baseado em inovação, inovação de processos e de centros operacionais. Essa foi a pedra-de-toque?
JLS – Sim, foi. E nem sempre esses sucessos de inovação, que nos enchiam de esperança e de entusiasmo, correram bem porque, quando vínhamos ali nos anos 80 (em 82/83), as coisas iam com uma dinâmica muito interessante. Tínhamos introduzido sistemas de informação, que é uma coisa que o setor introduziu 10 a 15 anos depois. Depois veio o FMI (Fundo Monetário Internacional), em 84, houve uma travagem a fundo e ficamos com os clientes a não ter trabalho. Fomos para Espanha, essa é a razão. Já o nosso querido Ernâni Lopes dizia “qual é a palavra que você não percebeu, não há dinheiro”.Isso levou a que as empresas não pagassem.
Nós apanhámos um susto, talvez o maior susto de sempre que tenha apanhado. Uma empresa que até ia bem, que se estava a propor evoluir para uma dimensão relativamente distante, tínhamos capacidade e deixámos cair. Não que a empresa falisse, mas teve situações difíceis.
Foi necessário tomar medidas muito úteis e perceber que não estávamos a perceber o que se passava. Fomos (os diferentes irmãos) fazer formação superior para o Instituto Superior Técnico e fomos talvez o primeiro curso que deu lugar ao INDEG-ISCTE, hoje uma escola de negócios relevante. A partir daí percebemos que poderíamos ter uma linha de orientação. Vinha aí a Comunidade Europeia e definimos linhas de orientação que tinham como base, em 1992, sermos líderes em Portugal. E em 1992, éramos líderes em Portugal. Sim, foi possível!
– Voltando à inovação, estamos num edifício em que grande parte do centro operacional está completamente automatizado. Definiu como aposta a automação?
JLS – Sim. Se nos veículos, na distribuição, tem sido mais difícil introduzir sistemas autónomos ou automáticos, nas operações tudo está automatizado. Em 1997, quando abrimos o primeiro centro estruturado no Carregado, ele já não tinha papéis; tudo era com wi-fi. Em 2008, arrancámos com um armazém em que só não estão automatizadas as questões de domínio da segurança do que entra e do que sai.
Isso permitiu evoluir para um centro de operações em que tudo tinha de estar com processos estruturados e sistemas de suporte. Ainda hoje há poucos centros como este na Europa, em operadores logísticos. O desenho, o modelo e os processos são da Luís Simões, a automação era da então EFACEC e 15 ou 16 anos depois ainda funciona.
– E foi replicado para Madrid?
JLS – Sim, foi replicado com uma versão já melhorada, diria uma versão 2, com bastante mais valor acrescentado e também com muito maior dimensão. Tem quase o dobro da dimensão deste (Carregado).
– Quanto pesa o mercado espanhol, neste momento, no total?
JLS – Na Luís Simões já pesa mais de 50%, aproxima-se em 2024 dos 60%. Cresce a um ritmo diferente e o mercado é maior, muitíssimo maior.
– O crescimento da LS é pensado, com os pés assentes na terra, sem grande dívida?
JLS– Em 1984, quando apanhámos o susto, percebemos que também tínhamos de gerir o balanço e ter muito em conta nas decisões a tomar e isso nunca mais nos abandonou. Damos passos sustentados. Não temos atração por grandes aquisições, nem fusões. Nos últimos cinco anos, estudámos mais de 100 opções de compras ou de fusões e optámos por duas, em 100, o que já não é pouco. São duas pequenas empresas que funcionam bem, ambas em Portugal. Quando vamos à procura, precisamos sempre de encontrar onde se pode criar valor. Quando não encontramos (e, na maior parte das vezes, é deficiência nossa), não há negócio. Como tal, o crescimento é orgânico.
A abordagem em Espanha foi feita pela estratégia de periferia. Primeiro, Andaluzia; depois Catalunha, País Basco, Galiza; e, mais tarde, Madrid. Portanto, a ideia de que deveríamos chegar ao centro depois de dominar a periferia. E foi isso que fizemos.
Comprámos uma pequeníssima empresa, um spinoff de uma empresa de bodegas e bebidas, comprámos a sua área logística e, com isso, tínhamos a rede de distribuição. Montámos o processo a partir de Madrid para cobrir as regiões todas. Inicialmente, estávamos a servir Portugal. A partir daí, passámos a servir Espanha, com operações para servir dentro da região, que era o nosso objetivo desde o primeiro dia.
– Há várias Espanhas?
JLS – Há muitas Espanhas. Mais do que pensámos, eu diria. A Galiza ou o País Basco, a Catalunha ou a Andaluzia são regiões muitíssimo diferentes de Castela (Castilla) ou mesmo Aragão ou Navarra, que são talvez as mais antigas e mais dominantes culturalmente. Mas a verdade é que existem realidades muito diferentes. Já não falo das Canárias e das Baleares, que são outras realidades. É preciso estar na Espanha com a ideia de que estamos em países diferentes. Vim ontem de Barcelona. A Catalunha é uma realidade distinta da Espanha toda. Para o bem e para o mal…
– Para esta visão e operação ibérica, com centenas e centenas de camiões, qual é o segredo da operação? É um grande controlo operacional e das margens, num setor onde há muita concorrência?
JLS – Brutal concorrência, sim. Há uma concorrência com os maiores do mundo e os mais pequenos vizinhos. Nós estamos aqui no meio.
Não me importa que estejam aqui os maiores do mundo na minha rua, se eu tenho os melhores clientes connosco. Eles procuram ser os maiores e nós procuramos ser os melhores, para ter os melhores clientes.
O grande foco é criar valor na cadeia. Quando estamos a relacionar-nos com um cliente e ele precisa de baixar o preço exclusivamente, ficamos pouco entusiasmados.
O ideal é quando o cliente quer baixar o custo; não é a mesma coisa que baixar o preço. É preciso olhar para a operação e encontrar funções, laços, modelos que permitam que, a jusante e a montante do transporte ou da operação logística, seja possível que o modelo todo crie valor.
Somos um operador integrador na Península Ibérica, talvez o único que é verdadeiramente integrador e que tem a capacidade de poder operar diferentes elos, desde ir buscar à fábrica até entregar na casa das pessoas.
– Quanto a recursos humanos, é um negócio exigente na formação e disponibilidade de pessoas?
JLS – Gostaria de destacar duas funções na organização que merecem o meu maior respeito.
O motorista que viaja pela Europa ou por Espanha, dezenas ou centenas de horas (com os respectivos intervalos de segurança que são obrigatórios), longe da família, em condições que às vezes são muito adversas… a população devia ter um pouco mais de respeito por esse trabalho duro que é absolutamente determinante para que o produto esteja nas prateleiras para alimentar a família.
E também os operadores de armazém que, em 24 horas por dia, às vezes noites bem difíceis, têm de assegurar que a operação funciona porque, nas horas seguintes, o produto não chegaria às prateleiras. Não canso de reconhecer a importância que essas pessoas têm na organização.
Isso é possível porque respeitamos os valores e as pessoas. Se chegamos aos 75 anos, foi porque fomos capazes de nos adaptar a cada tempo, adaptar à mudança e tornando-nos mais relevantes. Às vezes, é preciso crescer para ter dimensão, para concorrer. Queremos ser o operador de referência na Península Ibérica e estamos a trabalhar para isso.
– E do ponto de vista da sustentabilidade, o negócio de transporte rodoviário pesado é mal visto? Como resolve esta questão?
JLS – Há coisas piores ou situações bem mais complicadas. As centrais a carvão, que produzem energia para os automóveis ligeiros andarem, produzem mais poluição do que produz o veículo de combustão interna com todos os filtros que tem.
Nunca estivemos tão perto de ter soluções de poupar o ambiente como estamos agora. A tecnologia finalmente está a aproximar-se das soluções.E temos seguido os princípios das recomendações europeias.
As frotas são novas, com vidas úteis muito baixas e com as atualizações tecnológicas do Euro 5 e 6. Em 2008, fizemos o nosso primeiro relatório de sustentabilidade e comprometemo-nos com a sociedade em divulgar o que estávamos a fazer. Este ano, recebemos, pela quinta vez consecutiva, a medalha de ouro Ecovadis.
– Quanto à governance, sabendo que tem envolvido os seus filhos na operação, como é está a fazer ou a planear a passagem de testemunho?
JLS – Não há modelos copiáveis. Eu acompanho o tema das empresas familiares e da problemática da sucessão desde os anos 80, com o Instituto de Empresa Familiar em Espanha, e fui fundador da Associação Portuguesa de Empresas Familiares, nos anos 90.
As pessoas não podem ir para casa e dizer “hoje aconteceu isto, perdemos um cliente, houve um incêndio, houve um desastre” e depois querer que os familiares venham trabalhar para a empresa.
A organização foi-se desenvolvendo e criámos um conselho de família que envolve o acompanhamento da família sem interferir nos negócios, mas que vai mantendo informada a família. O acesso à gestão e à administração é controlado e garantido por um parassocial.
Há aqui um modelo de governo assente em cima da segunda e terceira geração na administração. Há pessoas da terceira geração que estão a funcionar na organização em diferentes funções, mas dependendo de diretores-gerais que são fora da família. Aliás, todos os diretores-gerais são fora da família.
Este é o modelo de governo bastante musculado, para que haja que fazer seguimento em cada um dos pontos. Isto é um sítio onde quando se perde, perde-se muito; quando se ganha, ganha-se pouco.
É necessário ter muito consistente o domínio da gestão do que se está a fazer em cada momento.
À minha maneira
Quem é José Luís Simões e qual o estilo de gestão e de liderança?
JLS ─ José Luís Simões é uma pessoa que gostava de estar sempre a fazer coisas concretas e menos a liderar. Vivi todas as realidades e todas as funções desta organização.
Isso dá-me a vantagem de falar de modo próprio sobre as coisas e de reconhecer o esforço e a dedicação que cada pessoa tem de fazer em cada sítio.
Para mim, respeitar as funções e as pessoas no sítio onde estão a trabalhar é muito importante.
A confiança é uma coisa que me destaca. Tenho dificuldade em trabalhar em ambientes que não sejam de confiança, embora tenha a maior facilidade em trabalhar em ambientes muito adversos.
Sinto-me relativamente bem por esse trabalho feito, sabendo e tendo consciência de que não fiz tudo bem e que hoje sei mais o que não sabia.
Tenho muito para aprender e sei que agora os meus netos são muito mais ágeis no digital do que eu.
Embora tenha uma grande apetência para o digital, percebo que eles são ágeis e eu preciso dessa agilidade que, aos 73 anos, já não é tão fácil…
O trabalho em primeiro lugar, aquela questão das operações.
A ética, uma questão de princípio.
Honrar os que passaram por aqui, os que fundaram, os que desenvolveram, não só pelo facto de eles terem existido, mas pelo facto de hoje estarmos aqui.
Somos o resultado de tudo o que fizemos durante estes 75 anos e não outra coisa. E isso só vale se hoje formos capazes de garantir que há mais 75 anos para a frente.
Sim, conseguimos
Qual foi a maior adversidade que encontrou em termos profissionais e pessoais e como é que a superou?
JLS ─ Foi a crise, em 1984, com o FMI. Recordo que metade da economia portuguesa (ou mais) estava nacionalizada e essas empresas todas deixaram de pagar. Mesmo os pagamentos que se tinham assumido antes, letras ou outras coisas, também deixaram de pagar isso. Foi difícil, mas implicámo-nos completamente e foi possível fazê-lo. Fomos para Espanha, negociámos com a banca, reformulámos os pagamentos de forma estruturada a permitir que tivéssemos uma tesouraria sustentável que não mais deixou de funcionar com o mesmo formato para garantir que todos os pagamentos são possíveis de fazer nos prazos. É assim desde 1987.
E a pandemia foi outro desafio?
JLS ─ A pandemia foi um grande desafio, mas não foi o maior susto. O ataque informático, sim, foi um grande susto. Mas, no mesmo dia, já tínhamos 40% da atividade a funcionar e no quinto dia tínhamos toda a atividade a funcionar em pleno.
Na pandemia, mantivemos os clientes com os produtos nas prateleiras. E isso foi muito importante.
Portugal 2043
Qual a sua visão para o país como cidadão, não apenas como empresário?
JLS ─ Porque já cá estou há muitos anos, percebo uma coisa. Embora digam que a Europa está velha e essas coisas todas, as grandes invenções e as grandes inovações saem da Europa e não do resto do mundo.
A verdade é que estamos em muito melhores condições do que estávamos há 20 anos. Temos vindo para a frente. Mas temos demasiado foco em distribuir riqueza e a ausência de foco dos políticos e da administração em criar riqueza.
Há um mundo de gente a retirar energias… Temos aqui dezenas de pessoas a produzir todos os dias informação para dar ao Estado. Quer dizer, depois do lado de lá também têm dezenas ou centenas de pessoas para a gerir e isso não cria valor nenhum. Só retira valor e competitividade das empresas. E isso preocupa-me muito, muitíssimo, porque Portugal tem de se libertar dessas tarefas, com ajuda digital. Não estou a dizer que não tenhamos de ter impostos, administração e governo. Temos de ter e temos de pagar…
─ Mas há um peso excessivo do Estado, da carga fiscal e da burocracia?
JLS ─ Sim. E desnecessário. Imensas coisas são absolutamente desnecessárias. Este foco é um foco que alguns acham necessário porque nunca viveram a necessidade de criar soluções senão morriam; a empresa desapareceria, se não criassem soluções que permitissem evoluir para uma dimensão diferente.
O que me parece é que existem muito melhores condições hoje do que havia há 20 anos, sendo verdade que não temos desemprego, que é uma felicidade porque o desemprego é marginal, mas reconheçamos que há imenso para fazer na produtividade das pessoas.
Vejamos isto: entramos nas cidades todos ao mesmo tempo e são milhares, milhões de horas que se perdem todos os dias, desperdiçadas. Podiam ajustar para que as pessoas entrassem mais linearmente nas cidades e saíssem. E os camiões param milhões de horas à espera para carregar ou para descarregar ou em filas de trânsito. E são improdutividades absolutamente dispensáveis no país.
Outro exemplo: a quantidade de água que se perde, tanta falta faz em muitos sítios, porque as canalizações estão velhas e não tiveram manutenção. Estão preocupados que as pessoas gastam água porque perdem a água nas canalizações…
Há imensas oportunidades de aumentar a produtividade e temos de pôr o país a produzir acima da Europa, com um PIB acima da Europa, criando competitividade e flexibilidade para trabalhar no mundo.
Creio que isto é possível fazer. Há aí mais gente a pensar e a falar alto sobre isto. Estou absolutamente vinculado à ideia de que é possível crescer um ou dois pontos acima da Europa. E isso seria suficiente para nos tornarmos um país relevante nos próximos 20 anos e comemorarmos os 900 anos com distinção. Já não digo ser o maior da Europa, mas ser um dos cinco principais.
– A questão é que já não se vê muitas pessoas a pensar o país a 20 anos…
JLS ─ Esse é o problema dos incompetentes. Desculpe lá eu dizer isto de forma tão agressiva. Os incompetentes, as pessoas que não têm talento, não deixam que os que têm talento vão assumir responsabilidades. E os que têm talento não estão dispostos a ser enxovalhados pelos demais que não sabem fazer as coisas.
Razão pela qual muitos vão para a Europa, vão para o mundo trabalhar e não ficam aqui. Em Barcelona, encontrei há dias, como orador numa palestra, um português daqueles que estão no topo de uma grande companhia que vende 17 mil milhões de euros em aromas para alimentos. Será que vai voltar?