Subir o preço médio do vinho português, um desafio

Criação de valor, sinergias e o ecossistema da Vinha e do Vinho

Em 2023 foram exportados 319 milhões de litros num valor de 928 milhões de euros com um preço médio de 2,91 euros / litro, registando-se um ligeiro crescimento do preço médio (+0,7%) face ao período homólogo de 2022. As quebras em volume (-1,8%) e valor (-1,2%) são sustentadas essencialmente pelo comportamento do mercado comunitário que caiu -3,4% (em volume) e -2,4% (em valor) e ao aumento do preço médio (+1,0%).

Comentando estes resultados, o presidente da ViniPortugal, Frederico Falcão referiu ser “inegável o papel que as exportações de vinho português têm tido no aumento da visibilidade e reputação de Portugal enquanto produtor de referência. As suas exportações têm demonstrado uma resiliência constante, impulsionada pela qualidade dos produtos, pela eficiência das estratégias de ‘marketing’ e pela expansão dos canais de distribuição”. Contudo, não se pode esquecer que o setor ainda não atingiu a meta dos mil milhões de euros exportados, prosseguida, há anos, pelo que é pertinente – necessário! – interrogar-se sobre a razão desses resultados insuficientes que, nestes tempos do Euro de 2024, se podem comparar com os da seleção como desafio ou explicação.

À partida, pode identificar-se um problema particular, as importações de vinho a granel, maioritariamente procedentes de Espanha. Têm um papel significativo na competitividade do ecossistema da vinha e do vinho pelo seu volume e valores. Em 2021, por exemplo, importaram-se de países da UE 163,4 milhões de euros com um preço médio de 0,58 euros / litro e, de outros países, 2,4 milhões, com preços médios muito superiores.

Sendo um assunto muito relevante, ainda não foi suficientemente estudado porque o ecossistema da Vinha e do Vinho envolve uma plêiade de instituições, desde o IVV às múltiplas CVR e outras autoridades, designadamente tributárias, e é preciso conhecer as respetivas implicações nas normas das DO e IG e nas relações com os principais atores, os produtores. A quantificação de cada um destes fatores pressupõe uma visão holística do ecossistema que nenhum dos atuais protagonistas tem interesse em conhecer ou capacidade de construir pelas limitações de meios e de técnicos, pese embora o seu empenho.

Neste aspeto, as críticas apontam culpas às grandes superfícies e às suas marcas exclusivas, que impõem preços muito baixos aos pequenos e médios produtores, a maioria das empresas do ecossistema. Mas esses mesmos não consideram a relevância dos supermercados no consumo interno de vinho – todas as insígnias lhe dedicam muita atenção – e nas melhorias que têm suscitado no ecossistema à volta da concorrência entre cadeias, incluindo a Mercadona, uma das últimas, que quebrou certos tabus.

Impõe-se uma segunda consideração baseada na qualidade, na necessária elevação do preço médio tanto no mercado interno – limitado pelo poder de compra – como nas exportações. E este tópico aponta inequivocamente para a grande melhoria de qualidade de todos os vinhos produzidos, em resultado da presença de diferentes técnicos e licenciados vindos das universidades e politécnicos, por um lado, e na melhor gestão dos proprietários, com uma maior preparação e motivação.

Mas há uma segunda consideração de sinal contrário, a evidente falta de escala empresarial em muitas dessas unidades que não oferece condições mínimas de constituição de equipas de gestão diversificadas e com dimensão suficiente para enfrentar compradores e operadores mais sofisticados. Apesar dos ordenados em Portugal serem baixos no que se refere àquilo que o empregado leva para casa, em função da política fiscal, ainda são pesados para as empresas que só podem suportá-los se conseguem um crescimento significativo de volume de negócios, investindo em aquisições e melhorias tecnológicas.

E essa busca de escala está a apreciar-se, como é público, nas diferentes aquisições de empresas e no alargamento do portfolio de regiões que várias casas representativas estão a fazer, um movimento que é suposto continuar porque se mantêm as altas produções (de bons vinhos, refira-se) mas também uma clara diminuição de consumo, embora não generalizada a todos os produtos e segmentos. Por certo, neste movimento de crescer em escala também surgem compradores estrangeiros para as boas PME de produção, que consideram baratos os ativos, sem que haja investidores nacionais possam concorrer por falta de capital.

Face a esta realidade, vem a talho de foice transcrever esta frase de Dirk Niepoort, um líder de uma empresa familiar: Partilhar, partilhar e partilhar. Uma palavra que poderia ser repetida até à exaustão e que mostra claramente qual é o estilo da família. Há neste modo de fazer as coisas uma certa dose de loucura, porque, convenhamos, seria muito mais confortável deixarmo-nos estar no nosso cantinho e fazermos tudo exatamente como sempre fizemos. Juntos somos mais fortes e, neste um-por-todos-e-todos-por-um, vamos galgando riscos e colhendo e plantando frutos que dão muito gozo em saborear.

Há uma terceira consideração a fazer, um caminho que vem sendo trilhado, e que pode – deve!? – representar a quadratura do círculo: procurar as vinhas velhas, as produções especiais, os super vinhos, os fine wine. Uma tendência com poucas referências históricas – Barca Velha, Pêra Manca e Quinta do Ribeirinho Pé Franco, por exemplo -, mas que vem crescendo de forma consistente, como se pode apreciar nesta seleção de vinhos, feita pelo Edgardo Pacheco (Público, 25 de maio de 24), que ainda não será conhecida do grande público: Andrés Herrera (Torero Wines), António Boal (Segredo 6), Luís Leocádio (Titan), Luís Serrano Mira (Herdade das Servas), Pedro Ribeiro e Cláudio Martins (Júpiter), Paulo Nunes (Casa da Passarella), Pedro Lufinha (Quinta da Alorna) e Susana Esteban (Vinhos Susana Esteban).

Antes de continuar, é imperioso referir que essas produções têm vindimas difíceis, que nem sempre obtêm o ‘tal’ produto especial, que exigem estágios prolongados, custos de promoção específicos, em resumo, capital para investir ou volume de faturação para diluir. E uma invenção, um novo produto, para se consolidar no mercado exige tempo, cometer erros, crescer em notoriedade, ter paciência, exige escala… e regressamos à consideração anterior.

Numa outra visão mais local, mas não menos relevante, Frederico Falcão, afirmou que investir no estudo das castas autóctones portuguesas é crucial para preservar a diversidade e a identidade únicas do vinho português, sendo possível produzir vinhos distintos e de personalidade única e fortalecendo a reputação de Portugal como produtor de vinhos de excelência.

É pertinente trazer à colação a opinião do Cláudio Martins, Ceo da Martins Wine Advisor e consultor de vinhos: Portugal tem de aproveitar os próximos anos para se posicionar no segmento dos vinhos de topo, e só conseguirá fazê-lo se adotar uma comunicação eficaz e cirúrgica. Trabalho em equipa e em rede, entre produtores, entidades públicas e privadas ligadas ao vinho, de modo a caminharmos na mesma direção.

São estas as diferentes considerações que impõem o ecossistema como modelo de negócio, para derrubar barreiras, organizar a experiência de diferentes clientes, ainda mais específicos, e mais partilhar (Dirk Niepoort) e melhor comunicar (Cláudio Martins). A nossa dimensão é tão pequena, que só mesmo unindo esforços seremos capazes de estar ao lado das regiões de vinhos mais emblemáticas do mundo.

Reunindo estes dois tópicos, escala e excelência, é útil olhar para fora e procurar aprender. Entre outros, é muito elucidativo o caso dos Barolo Boys, um grupo de enólogos e produtores que desafiaram as convenções e inovaram no mundo do vinho italiano. Na década de 1980, o Barolo era considerado mais um vinho de mesa e os agricultores de Langhe vendiam as suas uvas a produtores que se focavam na quantidade e não na qualidade, como bem sabe a maioria dos produtores nacionais.

Um grupo de jovens, entre os quais Elio Altare, Chiara Boschis e Gianni Voerzio, cansados dessas condições e animados pela vontade de criar um grande vinho, decidiram mudar as coisas. Elio Altare, em particular, fascinado pelo sucesso dos vinhos da Borgonha visitou a região e identificou dois factores-chave: um sistema de poda que reduziu os rendimentos através do desbaste dos cachos e a utilização de um recipiente mais pequeno para o envelhecimento, a barrica. Contra a oposição do pai, Altare decidiu fazer um gesto sensacional e destruiu os velhos barris com uma serra elétrica, pelo que foi expulso da empresa. Mas o pavio estava aceso e o escândalo do vinho com metanol em 1986 ajudou a levar estes produtores de vinho a procurarem um vinho de melhor qualidade para produzir.
Nasceu assim um vinho mais limpo, mais concentrado, mais colorido, muito frutado, obtido com tempos de envelhecimento mais curtos para ser feito estritamente em barrica. Este vinho conquistou imediatamente o gosto do público italiano e tornou-se um sucesso.

Marc di Grazia, um americano exterior ao sector, propôs-se comercializar esse novo vinho nos Estados Unidos e os enólogos decidiram inovar, outra vez, e aceitaram a proposta, conseguindo que o vinho se tenha espalhado rapidamente pelos Estados Unidos, contribuindo para ampliar os resultados.

É interessante sublinhar que as discussões entre “modernistas” e “tradicionalistas” do Barolo continuam até hoje, em que alguns inovadores mudaram de opinião, considerando excessivo apagar toda a tradição com uma só pincelada. Além disso, os ciúmes internos do grupo, minaram a sua solidez, que se desintegrou no final da década de 1990. Mas a lição mais importante que emerge desta história é que a mudança é inevitável e necessária.

Não devo terminar esta referência sem fazer uma sucinta comparação com os Douro Boys, uma associação que celebrou os seus 20 anos, em 2023, e continua ativa. Não tendo uma intervenção tão profunda, não deixa de ser símbolo e um exemplo do muito que está ao alcance das empresas portuguesas mais ambiciosas e mais competitivas.


Num teste à IA, Inteligência Artificial, pedi ao Copilot uma comparação de preços dos Barolo com os Douro DOC, e obtive um primeiro resultado surpreendente, em que os vinhos italianos são apresentados em caixas de 6 garrafas e os portugueses, vinhos de uma gama de entrada. Perguntando ao Copilot se não haveria outra gama, apresentou a segunda proposta, evidentemente três vinhos dos Douro Boys.

Presidente emérito da AESE Business School