Grupo José Maria da Fonseca: “Em 20 anos, vamos estar no caminho de uma multinacional”

Os atuais CEOs, da 7ª geração à frente do grupo, revelam como conciliam a inovação com a tradição e a aposta na distribuição como futuro.

Fundada em 1834, a José Maria da Fonseca celebra os 190 anos. Os atuais CEOs, da 7ª geração à frente do grupo, revelam como conciliam a inovação com a tradição e a aposta na distribuição como futuro.

Como é que está o grupo José Maria da Fonseca ao nível do volume de negócios?
António Maria Soares Franco — Não temos ainda números fechados consolidados de 2023, mas fechámos 2022 com cerca de 35 milhões de euros de faturação consolidada, com um crescimento em relação a 2021.

2023 foi um ano pior do que 2022, fruto do contexto de inflação que vivemos, não só ao nível nacional como internacional, mas temos planos e expectativas de que 2024 já seja um ano de retoma de volume de faturação.

Qual é o objetivo para este ano?
AMSF — Este ano é pelo menos fazer os 35 milhões que fizemos em 2022, mas acho que possivelmente faremos até mais do que isso.

Atualmente, cerca de 50% da produção total é exportada para cerca de 70 países. Procuram adaptar os produtos aos mercados para onde exportam?
AMSF — Sim, temos de ouvir o mercado quando fazemos os produtos. Nós fazemos produtos para o mercado, não fazemos produtos para nós próprios.Temos de ouvir sempre o feedback dos nossos clientes, dos nossos consumidores, não só lá fora, mas também em Portugal. Em Portugal também fazemos muitos vinhos que produzimos de acordo com aquilo que os nossos clientes, os nossos consumidores, nos dizem.

Temos algumas marcas que desenvolvemos mais tailor-made para alguns clientes. É o caso do Lancers, um projeto que já vai fazer 80 anos e que foi uma marca que nasceu exatamente numa visita de um importador americano que desenvolveu o projeto de raiz connosco e que teve um sucesso enorme nos mercados de exportação.

Hoje em dia, continuamos a fazer isso. Temos algumas marcas mais adaptadas aos mercados de exportação e com um sucesso bastante elevado.
As nossas marcas tradicionais, como é o caso do Periquita, o caso do João Pires, são marcas que já foram desenhadas há muito tempo e que provaram, pelo seu sucesso comercial, que estão adaptadas àquilo que o consumidor quer.

Além dessa diversidade de produtos, também têm uma presença grande ao nível do território nacional. Compraram, além das quintas no Alentejo, vinhas no Douro. Como é que consideram consolidar esta presença nacional?
AMSF — Consolidada, no fundo, já está. Temos um projeto que foi, talvez, o projeto mais importante para a empresa nos últimos 10 anos, que foi a criação de uma distribuidora própria. Hoje temos uma equipa própria de vendas para visitar os nossos parceiros distribuidores e os pontos de venda também, quer restaurantes, quer lojas de retalho. Este projeto da distribuidora serve para aglutinar todos os projetos de produção que temos e é aí que se consolida depois toda a estratégia das várias marcas.

Além dos produtos do próprio José Maria da Fonseca, têm outras marcas que comercializam?
AMSF — Além das nossas marcas, também distribuímos marcas de parceiros nossos. Temos alguns parceiros produtores que complementam o nosso portfólio em outras áreas de produção, quer no Alentejo, quer na região do Tejo, quer na região dos vinhos verdes ou Douro.

Francisco Soares Franco — A nossa estratégia não é bem aumentar para outras regiões, onde nós já temos boa presença e podemos, com parceiros locais, fazer os vinhos dessas regiões. A nossa estratégia, neste momento, é uma estratégia de verticalização, desde a produção da uva até à distribuição no cliente final. Não só em Portugal. Temos uma pessoa no Brasil e estamos a colocar pessoas noutras geografias. No fundo, tentar verticalizar e estar mais perto do cliente.

Neste momento, contam com quantos colaboradores?
AMSF — Temos várias empresas no grupo, não só a casa-mãe José Maria da Fonseca. Temos uma empresa que faz enoturismo, na Casa Museu, temos uma empresa que trabalha todas as vinhas, a parte agrícola, temos um restaurante, temos a distribuidora. Todas estas empresas juntas, são à volta de 200 e poucos colaboradores.

Têm sentido o problema da falta de mão-de-obra?
FSF— Sim, temos sentido muito o tema da falta de mão-de-obra, especialmente naquelas posições mais baixas. É muito difícil, nos dias de hoje, arranjar pessoas para trabalhar na agricultura.

Como é que nos temos salvaguardado? Primeiro, temos um rancho antigo, ainda com algumas pessoas, e temo-nos salvaguardado muito com a automatização de processos, que antigamente eram feitos por pessoas. Hoje em dia fazemos uma poda mecânica em cerca de 70% das nossas vinhas. Era um trabalho que levava muita mão-de-obra de outras pessoas, além do nosso rancho.

Tem sido uma dificuldade. E, mais do que tudo, sentimos que as pessoas, às vezes, vêm trabalhar porque querem ter um trabalho, mas não vêm com afinco, não vêm com vontade. Estão aqui, amanhã estão ali. Não é fácil arranjar pessoas como antigamente, que se dediquem ao trabalho e que as sintamos com algum compromisso.

AMSF — Mas também aí nos estamos a preparar para o futuro. Todas as vinhas que estamos a replantar já são da próxima geração: na forma como são plantadas estão claramente adaptadas à realidade de haver pouca mão-de-obra disponível. Já são vinhas que são plantadas desde o princípio para o trabalho ser o mais mecanizado possível.

FSF — Enquanto gestores, a nossa obrigação é contornar essas dificuldades e encontrar soluções para a escassez de mão-de-obra. Trabalho nós temos para oferecer; arranjar os colaboradores de que muitas vezes precisamos, não é fácil.

Em 2001, inauguraram o Centro Fernando Soares Franco, que tem uma capacidade de vinificação para 6 milhões e meio de litros de vinho. E, em paralelo, têm no Alentejo o processo do vinho de talha, que é uma coisa mais específica.

FSF — O meu pai teve uma preocupação que foi tentar fazer vinhos de alta qualidade e, portanto, fez muitas cubas pequeninas. É o maior centro de vinificação de Portugal e um dos maiores da Europa.

Tem uma capacidade de frio simultâneo de 6,5 milhões de litros, com uma preocupação: cada talhão de uma vinha ia para uma cuba separada, para depois de fermentado, fazer os vinhos. Então, em laboratório, um enólogo consegue escolher os melhores vinhos e o melhor blend, ao contrário de muitas adegas que juntam a uva toda, vai tudo para o tegão, e já não tem essa facilidade de escolher os melhores vinhos.

Procurámos fazer uma adega de ponta, que continua a ser atualizada aos dias de hoje. Podemos dizer que temos uma tecnologia de ponta para fazer os melhores vinhos possíveis.

AMSF —Depois no Alentejo temos a nossa pequena boutique onde continuamos a fazer vinho de forma muito artesanal. É a adega do José de Sousa, uma das mais antigas do Alentejo, já vem desde o século XIX, e a característica única do José de Sousa é fazer vinhos em ânforas.

É um processo de vinificação completamente diferente do que temos aqui em Azeitão, muito mais artesanal, a escala é muito mais pequena também, que dá vinhos com um perfil completamente diferente.

Estas duas realidades tão diferentes é a forma como explicamos o que é o José Maria da Fonseca.

FSF — Temos tido sempre uma irreverência em inovação.

Neste momento, qual é a aposta do grupo ao nível do produto?
AMSF — Continuam a ser super importantes as nossas marcas principais. Temos o Periquita, que é a marca mais antiga do país. Temos o Lancers, que é também uma marca muito importante, não só no mercado internacional como no nacional. Temos o João Pires, que é um líder de referência dos vinhos brancos portugueses. Temos o BSE, que também é outra megamarca de vinho branco. Temos os moscatéis de Setúbal.

Essas marcas históricas do José Maria da Fonseca continuam a ser as nossas prioridades. Claro que, ao mesmo tempo, vamos fazendo inovações.
E quem diria que é uma empresa com 190 anos que é capaz de lançar o primeiro vinho sem álcool português. Tem sido um sucesso essa categoria de vinhos sem álcool.

Essa categoria de vinhos sem álcool ou parcialmente desalcoolizados são categorias que vemos nos vários mercados onde operamos que têm um ritmo de crescimento acima do que é o resto do mercado.

FSF — Acreditamos que o futuro vai passar por vinhos com menos álcool e desalcoolizados. Esta pressão que existe sobre o saudável, sobre os cuidados com as calorias, com a saúde, leva-nos a investir bastante dinheiro neste tipo de produtos que acreditamos que são o futuro.

Ao nível da sustentabilidade, como é que têm procurado acautelar este desafio? Sentem a pressão da seca, não só aqui como também no Alentejo?
FSF — A nível da seca, aqui, felizmente, não temos falta de água. As nossas vinhas estão sob um aquífero muito grande e não existe esse problema. No Alentejo, sofremos gritantemente com falta de água. Estamos a 5 quilómetros, em linha reta, do Alqueva e não temos água. Há mais de 10 anos que nos prometem, ministro atrás de ministro, que vamos ter água, mas a verdade é que com as alterações climáticas cada vez tem sido mais difícil manter uma vinha sã, sem ter o mínimo de condições de água.

AMSF — Desde pequeninos que somos ensinados pela família a ter o cuidado e a preservar o meio ambiente. Nós trabalhamos com vinho. O vinho vem da terra, vem da agricultura, vem das plantas, pelo que somos os principais interessados em manter o ecossistema bem vivo.

Qual o elemento diferenciador do José Maria da Fonseca para os demais concorrentes?
AMSF — Por um lado, a história, a família. Não há empresas com 190 anos, como o José Maria da Fonseca, empresas com sete gerações da família. Essa parte histórica e das marcas é altamente diferenciadora e também penso que continuamos a ser uma empresa muito à frente e diferente das outras empresas na área da sustentabilidade.

FSF — Uma empresa de vinhos é uma empresa diferente das outras empresas. Vive muito da história da família e das experiências que foram transmitidas às pessoas. Não vemos concentração no mundo dos vinhos. O maior operador não tem sequer 1% de cota de mercado, é um nicho muito fragmentado e que vive muito das pessoas que estão à frente.

Um dos maiores desafios para as empresas familiares é o problema da sucessão, mas a José Maria da Fonseca já vai na 7.ª geração. Qual a chave para se conseguir garantir essa transição?
FSF — Houve aqui várias transições ao longo destas sete gerações. H ouve algumas vendas, houve passagem para irmãos e para primo. Na geração dos nossos pais houve uma partilha e uma parte da família ficou com a maioria do José Maria da Fonseca, outra parte ficou com a maioria da João Pires e Filhos, que é o atual Bacalhoa.

Na geração atual, o meu pai e o meu tio entenderam que deviam fazer um protocolo de família entre os dois ramos, que decidisse como é que devíamos abordar as próximas gerações, o dia a dia, a relação de família, gestão, colaboradores, empresa e tudo isso foi um trabalho muito grande que fizemos entre toda a família, com consultores que nos ajudaram a chegar ao ponto onde estamos hoje, com uma transição muito suave de uma geração para a outra.

À minha maneira

Qual é o vosso estilo de gestão e liderança? É muito distinto entre os dois ?
AMSF — Em termos de filosofia geral, somos parecidos, no sentido em que somos dois gestores e pensamos os negócios de uma forma racional, com alguma emoção à mistura.
Claro que depois a personalidade de cada um é diferente. O meu primo tem um estilo mais assertivo, em algumas questões. Eu tenho um estilo diferente.

FSF — Somos dois perfis complementares, um mais assertivo, outro menos assertivo e, no fundo, acaba por se casar uma situação intermédia para a maior parte das situações.

Isso reflete-se na divisão de encargos entre os dois?
FSF — Não, a divisão de encargos entre os dois foi estruturada de forma muito simples. O meu primo tinha a área comercial quando cá chegou e disse-me, “olha, isto leva muito tempo, é o motor da empresa, toma-me conta do resto da casa para eu conseguir estar focado nisto”.

AMSF — Pensando numa escala mais pequena, como se fosse uma loja, eu estou a falar com os clientes na frente da loja e o meu primo está a tomar conta de tudo o que é parte de trás da loja.

É importante hoje em dia também termos um administrador não familiar connosco na administração, que também tem a personalidade dele e que ajuda a fazer os equilíbrios entre estilos de gestão diferentes

Sim, conseguimos

Qual foi o maior desafio que enfrentaram e como o superaram?
AMSF — Foi um desafio na área comercial. Criámos a distribuidora própria e foi um projeto que realmente transformou a empresa. O facto de termos uma equipa comercial de distribuição que está sentada dentro destas instalações, no mesmo telhado que a enologia, que a produção, permite estarmos muito mais próximos do mercado e percebermos muito mais rapidamente as tendências.

Foi fundamental, tivemos um crescimento muito importante das nossas vendas no mercado nacional, vários anos a crescer a ritmos acima de 20%, e realmente transformou completamente o nosso negócio no mercado nacional. Diria que foi, na nossa vigência, o projeto mais importante.

FSF — Sinto que havia muitas pessoas que já estavam na empresa e que achavam que não tínhamos quadros suficientes capazes de fazer este projeto e provámos que conseguíamos. É, se calhar, uma das distribuidoras com maior sucesso neste momento e com mais crescimento nos últimos oito anos.

Portugal 2043

Qual é a vossa visão para o país daqui a 20 anos?
AMSF — Gostava que fosse um país onde as pessoas tivessem melhor qualidade de vida e, para isso, é muito importante criar riqueza neste país. Para o bem ou para o mal, quem cria riqueza nos países são as empresas, não é o Estado. Temos de dar espaço às empresas, apoiá-las nos seus esforços de internacionalização, na inovação e no aumento de produtividade.

Daqui a 20 anos gostava de ver um país que acarinhasse as empresas, os empresários e os negócios. Gostava que o Estado tivesse um peso menor na economia e que deixasse as empresas florescerem, com novos projetos e a inovarem, e com isso criar mais emprego, conseguir remunerar melhore que as pessoas tivessem melhores condições de vida.

Ao mesmo tempo, que o Estado tivesse uma maior e melhor intervenção ao nível social. No fundo, os serviços que nós temos, quer ao nível da educação, quer ao nível da saúde, da defesa, são assegurados pelo Estado. É preciso que os faça cada vez com mais qualidade.

FSF — Vejo Portugal num caminho muito complicado porque acho que faltam pessoas com qualidade à frente do nosso país. Temos esta vertente em que acreditamos que os privados conseguem fazer melhor com os serviços públicos, porque têm um mindset diferente de gestão. Acreditamos que os serviços públicos devem ter muita qualidade, mas devem ser aqueles essenciais. O resto deve ser, sim, gratuito para as pessoas, mas assegurados com uma gestão capaz de melhorar.

Vou dar um exemplo , fizemos uma central fotovoltaica para autoconsumo e estivemos dois anos e meio à espera de uma autorização para pôr umas estacas dentro da terra. Num país em que falamos de sustentabilidade, não se compreende a burocracia deste Estado e a burocracia pela qual as empresas têm de passar.

O José Maria da Fonseca não depende do Estado para nada. Depende do Estado para pagar impostos e para cumprir as responsabilidades. Mas não precisamos do Estado, não é nosso cliente, não temos qualquer interação, não temos qualquer subsídio. Isto a nós criou-nos muita entropia. Muitos investimentos que queremos fazer, ou é por isto ou por aquilo ou por aqueloutro, ficam todos parados.

Se acho que as coisas estão no bom caminho? Digamos que noto muita instabilidade, mas felizmente também dependemos muito do mercado externo. Estamos na União Europeia, o que é bom. Isso dá-nos alguma segurança para continuar a investir, mas neste momento estamos a investir lá fora.

AMSF — Daqui a 20 anos vamos ter de ser uma empresa já no caminho de uma multinacional. Criámos essa distribuidora em Portugal e queremos estar cada vez mais presentes nos mercados externos. Vimos claramente que a distribuidora foi um motor gigantesco para a nossa empresa e estar mais próximo dos mercados, eventualmente ter estruturas de distribuição lá fora, quem diria, um dia no futuro, ter alguma produção de vinho também lá fora.

Achamos que a empresa vai estar muito mais internacional, ou quase multinacional, daqui a 20 anos, para que a próxima geração também tenha uma empresa com excelente saúde, para poderem continuar a perpetuar a empresa no futuro.

FSF — É importante deixar uma mensagem: temos uma responsabilidade que herdámos das gerações anteriores, estamos cá há 190 anos, e temos a responsabilidade de projetar o José Maria da Fonseca por mais 190 anos. E, portanto, 2043 há-de ser… um amanhã.