“A Visabeira já não é apenas um barco, é um porta-aviões”, afirma CEO do dono da Vista Alegre

Grupo Visabeira está a crescer 20% ao ano, emprega 14 mil pessoas e já fatura cerca de 2 mil milhões de euros

O grupo Visabeira está a crescer 20% ao ano, emprega 14 mil pessoas e já fatura cerca de 2 mil milhões de euros. Dono da Vista Alegre, marca com 200 anos, tem 80% do negócio nas telecoms e indústria.

A Vista Alegre celebra 200 anos, este ano. O que está previsto para a celebração?
Nuno Terras Marques — Estão previstas muitas celebrações, num ano de celebração dos 200 anos, e a empresa bem o merece, pelo seu bicentenário. Já iniciámos em janeiro, logo com presença nas mais importantes feiras do setor, na Maison & Objet and Ambiente, em Frankfurt e em Paris, onde começámos a mostrar as primeiras peças que comemoram o bicentenário.
Ao longo de 2024, vamos ter diferentes exposições nacionais e internacionais. A nível nacional, destaco a exposição no Palácio Nacional da Ajuda.

— A Vista Alegre é uma marca que, pelos dados do terceiro trimestre do ano passado, faturava cerca de 95 milhões e, obviamente, em muitos mercados. Quais são os principais?
NTM — Nós exportamos 70% do nosso volume de negócios. Em 2022, tínhamos terminado com 143 milhões de euros de vendas. O volume de vendas reduziu ligeiramente, em 2023 face a 2022, mas, fruto de uma estratégia bem definida por nós, estamos a valorizar cada vez mais o nosso produto de marca e temos mais capacidade para o nosso produto de marca e o crescimento da nossa marca, quer Vista Alegre quer Bordalo Pinheiro, ao nível nacional e internacional, em detrimento de alguns projetos de não marca – que foram efetivamente esses que reduziram.
Em função disso é que, apesar de termos vendas ligeiramente mais baixas, todos os indicadores, do ponto de vista seja EBITDA, seja do resultado operacional, seja do resultado líquido, em 2023 foram bastante melhores do que em 2022, mesmo com o volume de vendas a reduzir.
Onde é que estamos a vender mais? Estamos a vender mais no mercado de retalho, mesmo ao nível nacional e internacional. Ao nível do canal da HORECA, hotelaria e restauração, nacional e internacional, também crescemos bastante.
Portanto, esse crescimento não compensou totalmente a quebra das vendas de produtos de menor valor acrescentado, mas a nossa estratégia está delineada nesse sentido. E não é de agora; já é desde 2009, quando o Grupo Visabeira comprou a Vista Alegre. Recuperámos a Vista Alegre por aquilo que é a sua marca e pelos produtos de qualidade, e no segmento médio-alto / alto, não posicionando a marca como produtos de menor valor acrescentado.


— Do ponto de vista da gestão, qual é o desafio? Há uma modernização contínua, do ponto de vista tecnológico. Na fábrica, os fornos passarão de gás a hidrogénio?
NTM — A nossa estratégia sempre passou pela dinamização da marca e a recuperação da empresa foi sempre feita mais com o olho no crescimento das vendas propriamente do que na redução de custos.
Nós não estivemos focados na redução de custos ou no downsizing da própria operação. Estivemos muito focados em como é que dinamizamos as vendas, como é que crescemos lá fora, como é que recuperamos a notoriedade da marca.
A marca Vista Alegre teve sempre uma fortíssima notoriedade em Portugal. Quando a comprámos, já tinha perdido alguma dessa notoriedade internacional. Por outro lado, também estava muito focada naquilo que era o tableware e uma das nossas estratégias foi diversificar ao nível de produtos, endereçando o canal HORECA, o giftware e o decorware com diferentes produtos, não apenas para a mesa, mas para a casa de uma forma geral, abrindo assim a gama a diversas outras gamas para atacarmos outros segmentos de mercado.
Adicionalmente, com este rejuvenescimento daquilo que são produtos feitos com um design mais intemporal, mais contemporâneo, também acabamos por abranger mais clientes, com uma média de idades bastante mais alargada.
Isto tudo só consegue ser feito, se as unidades produtivas estiverem preparadas para suportar essa estratégia de marketing e desenvolvimento da marca e do produto. Este sempre foi um foco nosso, muito direcionado não apenas à capacidade, mas a produtividade, a eficiência operacional, a circularidade de uma reutilização de tudo quanto é desperdícios e matérias-primas, no sentido de criar um ambiente o mais circular possível na produção dos nossos produtos.


— Daí a questão da aposta no hidrogénio, que questionei?
NTM — A Vista Alegre faz parte de uma das agendas do PRR e um objectivo é a hibridização dos nossos fornos que hoje estão muito dependentes do gás, para passarem a ter uma hibridização entre gás e hidrogénio.
Outra estratégia é o recurso à produção de energia renovável através de painéis fotovoltaicos. Já temos algumas fábricas em que existem, mas vamos estender a todas as nossas fábricas.


— Nos últimos dois ou três anos, a fatura energética pesou bem mais?
NTM — Sim, os últimos anos foram difíceis. Tivemos eventos que ninguém, do ponto de vista humano, estava preparado ou antecipava. Tivemos uma Covid que afetou durante dois anos toda a economia; depois um choque nas cadeias de abastecimento que teve impacto e que foi completado ainda com a invasão da Ucrânia pela Rússia, levando a um custo de energia que foi extraordinário. Aí o Governo atuou. Aliás, todos os governos da União Europeia atuaram no sentido de apoiar as empresas, mas, mesmo assim, foram momentos difíceis. A nossa fatura de gás passou de 3 milhões para 13 milhões. É uma diferença brutal.


— A Vista Alegre insere-se no Grupo Visabeira desde 2009 e o Nuno está como CEO desde 2017. O Grupo tem negócios, sobretudo, no setor das telecomunicações, tecnologia, energia, construção. Será que as pessoas têm essa noção?
NTM — É verdade. Somos um grupo discreto, mas que tem bastante dinâmica e que tem crescido muito ao longo dos últimos anos. Passámos de um volume de negócios de 500 a 600 milhões de euros para, em 2024, os 2 mil milhões de euros.
Esta evolução foi feita com um contínuo foco na nossa diversificação de negócio. Temos o nosso negócio estruturado em três sub-holdings. A principal sub-holding, que é a atividade de serviço em engenharia de redes, telecomunicações e energia (e também agrega a área de construção), representa 80% do volume de negócios.
Depois temos a área industrial, a Visabeira Indústria, onde não é apenas a Vista Alegre e a Bordalo Pinheiro, mas também a indústria de pellets, a MOB (cozinhas), Ambitermo e outras unidades industriais, que representam essencialmente 15% do nosso volume de negócios.
E depois temos a área do turismo, que representa 5% do nosso volume de negócios, com a exploração de unidades hoteleiras em Portugal e em Moçambique.
Agora, pelo nosso modelo de negócio, no turismo e também na indústria, sendo um B2C (Business to Consumer), que é mais do conhecimento público do que propriamente um negócio B2B (Business to Business)…


— Estamos a falar de que ordem de volume de negócios, no total?
NTM — Em 2023, atingimos 1700 milhões de euros e em 2024 vamos ultrapassar os 2000 milhões de euros. Temos crescido acima dos 20% ao ano, ao longo dos últimos cinco anos.
Ao nível do Grupo Visabeira, 20% do nosso volume de negócios é Portugal, 80% fora de Portugal. Desses 80% fora de Portugal, há uma grande parte da Europa onde estamos presentes como França, Espanha, Bélgica, Alemanha, Inglaterra, Irlanda, Suécia, Dinamarca…
Estamos presentes em 10 países na Europa, que representa essencialmente 65%. Depois temos os Estados Unidos e África, cada um a valer cerca 7,5% do nosso volume de negócios.
O Grupo, de alguma maneira, fez uma evolução em que, com a sua aposta na internacionalização, com um foco maior no crescimento na Europa, muito alavancado pelas nossas competências core, o know-how que tínhamos desenvolvido em Portugal desde que o Grupo existe.
O Grupo nasceu nesta atividade, na área de serviços de redes de telecomunicações e energia. Hoje, somos claramente vistos como o parceiro de referência dos principais operadores de telecomunicações europeus e das principais utilities europeias.


— E o que perspectiva no peso de 80% desta área de telecoms: deverá ser para manter ou até crescer?
NTM — A tendência é crescer porque, apesar do turismo e da indústria estarem a crescer, é mais fácil uma atividade de serviços B2B ter um crescimento mais forte.


— Nalgum mercado específico?
NTM — Na Europa, os nossos três principais mercados, tirando Portugal, são a França, o Reino Unido e a Alemanha. A França e o Reino Unido representam cerca de 300 milhões de euros em serviços, em cada um deles. A Alemanha um pouco mais abaixo, mas este ano já vai para perto dos 200 e tem um grande potencial de crescimento.
A maior parte destes países europeus, ao nível das telecomunicações, tem uma maturidade do ponto de vista tecnológico, da penetração das redes de fibra óticas, bastante mais reduzida do que Portugal, que foi um dos países pioneiros nestas redes.


— Essa é uma vantagem do Grupo e é percebida pelos clientes?
NTM — Essa é uma vantagem do Grupo porque tinha e tem um grande know-how e uma grande competência que acaba por ser um valor acrescentado no desenvolvimento dessas mesmas redes pela Europa. Queremos equilibrar a área de energia com a área de telecomunicações, até pela evolução da mobilidade elétrica. Tudo aquilo que esta transição energética vai forçar a fazer, as redes de transporte e distribuição não estão preparadas, mesmo as unidades de geração que estão a crescer.
Sendo um grupo discreto, mais direcionado para uma área B2B, a nossa dimensão acaba por não ser do domínio do público, mas temos um grande orgulho no trajeto que temos vindo a fazer.


— Quantas pessoas empregam?
NTM — Hoje temos 14.000 colaboradores. Somos uma família bastante grande. Em Portugal, temos 5500 pessoas; na Europa, fora Portugal, 6500; depois temos cerca de 2000 em África e os restantes nos Estados Unidos. Já é não apenas um barco, mas um porta-aviões, muito dinâmico, com grande consistência de crescimento e com uma notoriedade cada vez maior.
Fruto disso foi a captação de interesse da Goldman Sachs, que investiu na nossa unidade de serviços de engenharia de redes, telecomunicações e energia na Europa e nos Estados Unidos.

À minha maneira

Quem é o Nuno e qual é o seu estilo de gestão e liderança?
NTM — Ui, isso é uma pergunta difícil de responder. O Nuno é uma pessoa simples, é uma pessoa terra a terra. Naturalmente, prefiro mais que as pessoas falem de mim do que eu próprio falar de mim; nunca é uma boa forma de estar, não gosto muito.
Acho que sou uma pessoa próxima das pessoas, de fácil trato e que gosta muito de trabalhar em equipa.

— Mas exigente, também?
NTM — Sou muito exigente comigo próprio, naturalmente. Se calhar mais exigente comigo próprio do que com os outros.
Tenho uma característica que acho que todas as pessoas na minha função têm de ter, ainda mais num grupo como o Visabeira, com uma posição tão vincada do seu fundador, que ainda está muito ligado ao Grupo, e que é uma vontade de vencer. Como dizem na gíria futebolística, uma fome de vencer muito grande, de concretizar desafios, de vencer desafios. A Visabeira é muito isso: é uma história de trabalho, de luta, de resiliência, de consistência.

— Costuma-se falar muito resiliência. O fundador, Fernando Nunes, é uma referência e um exemplo perfeito disso?
NTM — É um exemplo perfeito e não só. Tem muito boas características e muito boas qualidades enquanto empresário.
Portanto, uma grande parte da nossa cultura vem do espírito e visão do próprio acionista.
Se eu não tivesse uma visão e um espírito e características semelhantes, também não estaria apto a de-
senvolver as funções como as que desenvolvo no Grupo Visabeira.

Nota: Nuno Terras Marques é formado em Engenharia pela Universidade do Porto e tem MBA executivo pela Porto Business School.
É CEO do grupo Visabeira há nove anos e chairman da Vista Alegre Atlantis há sete anos.

Sim, conseguimos

Qual terá sido o maior obstáculo ou a maior adversidade que encontrou enquanto CEO do grupo Visabeira e também em termos pessoais?
NT — A internacionalização, tal como nós a fizemos, tem grandes obstáculos. Hoje o Grupo está numa posição que crescer para um novo país é natural. Mas, até chegarmos a este ponto, é preciso construir muito, é preciso partir muita pedra.
Cada mercado é diferente.
Entrámos no mercado francês do zero, sem aquisição, foi organicamente; entrámos no mercado belga, no mercado alemão e no mercado dinamarquês, sempre organicamente. Porventura, o alemão foi o de maior dificuldade pela língua, pela cultura, pela dimensão e pela regionalização que tem.
Foram diferentes mercados, em que entrámos ao mesmo tempo, e a visão que muitos destes países têm de Portugal não é muito positiva.
É uma visão de que nós somos os empregados deles; olharem-nos de cima para baixo é o normal…
A Visabeira tem hoje uma posição perante os principais utilities e operadores europeus e somos considerados o principal parceiro de referência de uma British Telecom, de uma Orange ou uma Dutch Telecom.
É com orgulho que hoje não nos olham de cima para baixo; olham-nos de igual para igual.

Portugal 2043

Como imagina o país daqui a 20 anos?
NTM — Aquilo que eu gostaria era que Portugal, definitivamente, se afirmasse, deixasse de ter pena de si próprio, deixasse de falar que somos pequenos.
Gostava que Portugal aproveitasse as suas verdadeiras forças e valências. A sua principal força é o nosso talento, são as nossas pessoas. De tudo o que vemos lá fora, e eu acabo por passar muito tempo lá fora, não vejo recursos, não vejo talento melhor que o nosso.
Não é só a capacidade de flexibilidade que temos (que é uma das vantagens), mas competência técnica, know-how e capacidade de gestão nas diferentes áreas.
Enquanto país, temos de apostar em crescermos de uma forma muito mais sólida, mais robusta, mas não o fazermos só através do turismo. Devemos apostar muito mais na indústria.
Nós, hoje, já temos indústria, mas temos uma indústria em que se contam pelos dedos de uma mão as empresas como a Vista Alegre – que têm marca, que têm valor acrescentado, que criam valor e que têm notoriedade lá fora. Temos muita indústria competente, altamente eficiente, mas cujo valor acrescentado fica na esmagadora maioria lá fora, em que muitas vezes produzimos sem marca para alguém.
Em Portugal, faz-se um combate demasiado forte às grandes empresas. Parece que é pecado ser uma grande empresa ou é pecado ganhar dinheiro. As grandes empresas devem ser reguladas como as pequenas e como as médias; essa regulação é saudável e ótima para o bom desenrolar daquilo que é a nossa economia, mas a escala é uma necessidade.
A Visabeira, hoje, com a escala que tem, consegue continuamente investir mais do que aquilo que fazia quando não tinha esta escala e consegue remunerar o seu talento e os seus quadros de uma forma melhor do que fazia há uns anos. As empresas grandes, está provado, conseguem investir de forma mais consistente na inovação, no desenvolvimento de novos produtos, de novos serviços e na remuneração e no investimento da formação do seu próprio talento.
Gostaria de ver um Portugal mais preocupado com a sua essência e menos preocupado com a sua aparência.

— Esta questão do número baixo de empresas grandes de base portuguesa poderá acontecer por algum estigma ideológico ?
NTM — Admito que sim. Qual é o estigma? O facto é que existe um claro combate às grandes empresas. Parece que é pecado sermos uma grande empresa. Se é ideológico ou não, não me compete a mim comentar.
É um facto que isso existe e é um facto que não é o caminho certo. Acho que é inibidor de um Portugal mais forte porque um Portugal mais forte é um Portugal que tem empresas mais fortes. A economia cresce com as empresas fortes a crescerem. Não é com o Estado a substituir-se às empresas. O Estado não tem de substituir-se às empresas; o Estado tem outras funções.