Nova reforma do SNS é solução? Sim ou Não?

Em debate, Adalberto Campos Fernandes, ex-ministro da Saúde, e Carlos Cortes, bastonário da Ordem dos Médicos.

A gestão executiva do Serviço Nacional de Saúde resolve os problemas da saúde gerida pelo Estado? O SNS deve cooperar mais com o setor privado?
Em debate, Adalberto Campos Fernandes, professor universitário e ex-ministro da Saúde, e Carlos Cortes, bastonário da Ordem dos Médicos e médico especializado em Patologia Clínica.

Adalberto Campos Fernandes: “Inventámos a comissão executiva, sob grande pressão”

Tenho alguma dificuldade em acantonar a discussão sobre o sistema de saúde em parcelas sectoriais ou em saber se é uma questão exclusivamente de gestão ou uma questão de público, privado ou social. O mais importante, e este momento pré-eleitoral é interessante, é que olhemos para o sistema de saúde dos países como um setor importantíssimo do conjunto da sociedade e perceber que a sociedade está em transformação.
Quando fazemos 50 anos de democracia e 45 anos de SNS, mais de 5 milhões de portugueses – que estavam e que testemunharam o 25 de Abril – não estão vivos. Houve uma renovação geracional. Hoje, temos 30% dos nossos jovens mais qualificados fora do país. Temos, por outro lado, uma substituição populacional e a composição demográfica está a ser influenciada pela vinda de outro tipo de população que vem de outras culturas, de outros países. E temos a transição demográfica que é talvez a grande fatalidade estratégica que Portugal conhece, sendo hoje o segundo país mais envelhecido da Europa e o quinto mais envelhecido do mundo.
Temos de ter um sistema de saúde centrado nas necessidades e muito menos naquilo que são os interesses mais pequeninos da política partidária ou até dos interesses corporativos. É preciso pensar a médio e longo prazo, olhar para a estrutura social, a economia, as determinantes sociais e perceber que os países não são em cada momento iguais; mudam e mudam muito.
45 anos depois do SNS ser criado e da democracia ser criada há 50 anos, Portugal é hoje um país estruturalmente muito diferente. Soluções novas para problemas velhos é o que nós pedimos; nunca soluções velhas para problemas velhos porque então aí continuaremos a ter as dificuldades que temos conhecido até aqui.
Os países devem ter uma matriz reformista. Divergi de posições do primeiro-ministro ainda em funções, de que ficava preocupado quando ouvia falar de reformas. Isso não é um posicionamento adequado. Se um país, empresa ou estrutura não tem uma preocupação de regeneração, transformação e melhoria contínua, então estagna e entra em perda.
Também não concordo com as chamadas reformas fast-food. De cada vez que temos um problema, fazemos fugas para a frente e inventamos qualquer coisa. Inventámos a direção executiva porque, naquela altura, havia um grande constrangimento, uma grande pressão e foi um coelho que se tira da cartola. Criámos uma estrutura paralela ao lado de algo que já existia, a ACSS (Administração Central do Sistema de Saúde). A ACSS não sabe muito bem o que faz e foi preparada a extinção das ARS – e bem, mas de uma forma um pouco precipitada.

“Não vejo nenhuma reforma. Estamos num caminho perigoso”

Estamos a atravessar um momento muito particular, não só pelo momento político, mas também pela situação do Serviço Nacional de Saúde e dos cuidados de saúde em Portugal. Todos sentem que é um momento extremamente sensível que obriga a uma mudança de fundo do paradigma do SNS e da capacidade do país de oferecer um conjunto de serviços aos portugueses e também àqueles que vêm de fora, que possam dar uma resposta adequada às suas necessidades.
Confesso preocupação, fundamentalmente por dois ou três aspectos. Primeiro, fala-se muito em reforma do SNS, mas confesso-vos que não vejo nenhuma reforma. O modelo que, neste momento, está a ser implementado (ULS – Unidades Locais de Saúde) é um modelo que já tem muitos anos, praticamente duas décadas. Não tem trazido a Portugal nenhuma mais valia quanto aos cuidados de saúde, à qualidade dos cuidados de saúde, um melhor acesso da população e, até do ponto de vista custo efetivo, não há aqui uma demonstração de que seja um bom modelo. Independentemente disso, a Ordem dos Médicos estará sempre ao lado das soluções e para ajudar, independentemente do modelo.
Há outro aspecto que me tem preocupado muito, nestes primeiros nove meses como bastonário da Ordem dos Médicos, que é uma banalização do sofrimento, uma banalização da falta de resposta do SNS. Hoje é perfeitamente normal, por exemplo, uma urgência de um hospital estar fechada durante vários dias da semana.
Se no tempo em que o Adalberto Campos Fernandes, que foi ministro da Saúde, se uma urgência hospitalar fechasse sequer um dia, era um escândalo nacional. E hoje não! Temos dificuldades de falta de resposta do SNS e muitos hospitais não estão a conseguir dar resposta.
Temos hospitais que não têm nenhum médico hospitalar no atendimento da urgência. Têm médicos, por exemplo, de Saúde Pública, Medicina Geral e Familiar que não estão vocacionados, obviamente, para o atendimento hospitalar. Eles têm a sua área de diferenciação que é nos cuidados de saúde primários, nos centros de saúde. Ora, hoje isto parece ser aceite como uma normalidade. Um doente que tem de esperar 12 ou 24 horas para ser atendido num serviço de urgência parece que é algo de perfeitamente normal. Estamos a caminhar num caminho muito perigoso, onde não há previsibilidade. O Estado, o Governo e o Ministério da Saúde têm de ter uma capacidade de planeamento das suas necessidades em todas as áreas.

Adalberto Campos Fernandes: “Se no meu tempo acontecesse o que está acontecer agora ao SNS, o Governo tinha caído”

Adalberto Campos Fernandes – Quando se mexe ao nível das reformas, há diferentes tipos de intervenção.Quando se mexe numa malha administrativa com décadas e complexa, temos que ter um planeamento, um faseamento e uma execução temporizada desse mesmo tipo de intervenção, senão geramos caos, ineficiência e duplicação de estruturas.
Reformas, sim; uma atitude reformista do Estado e da sociedade, sempre; mas não confundir reformas que são verdadeiramente transformacionais, que substituem o mau pelo bom e que trazem valor, com operações de cosmética administrativa ou política para, muitas vezes, resolver problemas do momento. Acho que o tempo moderno é sempre melhor do que o tempo antigo, mas, se no meu tempo acontecesse o que está a acontecer agora, o Governo tinha caído.

— Mas parece que há uma apatia. As pessoas estão conformadas?
ACF — Não é apenas na saúde. Vejo muita gente a carpir lágrimas de crocodilo pela extrema-direita estar a crescer da maneira que está a crescer, como se a extrema-direita aparecesse em Portugal por obra e graça do Espírito Santo. Não, a extrema-direita aparece em Portugal negando a democracia porque os políticos tradicionais se foram viciando na banalização, na relativização do “não tem problema nenhum”.
Reformas administrativas fazem parte de reformas estruturais. Quando faço uma reforma estrutural, tem uma componente administrativa, uma componente política, uma componente estratégica, uma componente de recursos humanos.
Mas não é, verdadeiramente, a criação de estruturas novas desenhadas na lei; é uma parte pequena daquilo que é um processo de reforma que tem de ser feito aqui e no mundo inteiro. São reformas que duram entre cinco e 10 anos.

— Olhando, especificamente, para o estado atual do Serviço Nacional de Saúde, neste pico de inverno e nos últimos meses, sabemos da quantidade de médicos e de enfermeiro que emigram e, sobretudo, dos que migraram para o setor privado. É esta saturação que explica, em parte, no caso dos médicos, a saída para o setor privado?
Carlos Cortes — É uma situação complexa. Queria recordar as palavras do Dr. António Arnaut, com quem tive o gosto e o prazer de estar nos últimos anos da vida dele, em que muito frequentemente referia que o grande valor do Serviço Nacional de Saúde eram os seus profissionais.
Por mais que o sistema estivesse bem organizado ou menos bem organizado, os profissionais é que são o pilar do Serviço Nacional de Saúde. E nós vimos isso desde a sua criação. Quero aqui recordar que o Serviço Nacional de Saúde foi criado em 1979, quando Portugal estava sob a intervenção do Fundo Monetário Internacional. Portanto, pior momento para criar um serviço público…

— Essa foi a primeira das três intervenções do FMI…
CC — É verdade. Era difícil. Mas o Serviço Nacional de Saúde aguentou-se, desenvolveu-se, muito pelo papel que os profissionais de saúde têm desenvolvido.
Sou médico do Serviço Nacional de Saúde. Tenho imenso gosto disso e sou um grande defensor do Serviço Nacional de Saúde porque, genuinamente, acredito que Portugal tem de ter um sistema público de saúde que possa dar aqui um acesso de igualdade e de equidade para toda a população que necessita desses cuidados de saúde.
Agora, aquilo que eu sinto é uma grande desmotivação.

Carlos Cortes: “Muitos médicos entraram em burnout depois da pandemia”

CC — Percorri praticamente todos os hospitais do país, do continente e ilhas, há um ano, durante a campanha eleitoral da Ordem, e falei com muitos médicos dos cuidados de saúde primários de vários locais. A grande queixa dos médicos, à cabeça, não vinha as questões remuneratórias (que também são importantes), mas vinha a falta de condições de trabalho para poderem exercer uma medicina de qualidade, para poderem tratar os seus doentes.
Não deixa de ser curioso que muitos médicos deixaram o SNS depois da pandemia Covid-19. Muitos entraram em burnout no final da pandemia… Como sabemos, houve uma hiperfocalização na resposta à Covid-19, à pandemia (o que é normal, o país tinha de se concentrar nessa resposta), mas muitos doentes, até com patologias oncológicas, foram deixados de lado.
Como qualquer profissional, se o médico não tem condições para exercer adequadamente a sua profissão, desmotiva. Isso faz com que muitos médicos tenham saído do SNS – que veem degradar-se de dia para dia – e tenham ido para o setor privado e para a emigração. E alguns deles, infelizmente, até têm abandonado a profissão médica porque entendem que não conseguem servir as pessoas e a sociedade adequadamente.
Nos aspetos da reforma, não podemos fazer um simples lifting que, muitas vezes, é aquilo que acontece. Houve um problema na área das maternidades e foi logo criado um plano, para fazer de conta, que não resolveu absolutamente nada.

Carlos Cortes: “As áreas do país com mais dificuldades (hospitais e centros) estão inseridas no modelo das ULS”

CC — Esta reforma das ULS parece que é uma grande reforma ou que é uma novidade, mas não é. Não conheço ninguém que esteja contra a integração dos cuidados saúde primários com os hospitalares, com os continuados. É algo, na saúde, perfeitamente consensual. Mas, na Ordem, o que queremos verdadeiramente é que haja algo consistente e que haja uma intervenção que faça essa aproximação. Aquilo que tenho visto é que este modelo das ULS, infelizmente, não é capaz de fazer essa integração.
Conheço todas as ULS e posso dizer-lhe que as áreas do país com mais dificuldades, tanto nos centros de saúde como nos hospitais, são precisamente aquelas que estão inseridas no modelo das ULS. Ressalvo, talvez, uma exceção, que é sempre apontada como um exemplo do sucesso das ULS, que é a de Matosinhos. Estive recentemente na ULS de Matosinhos, coloquei essa questão e o que os profissionais, inclusivamente o Conselho de Administração, me responderam é que a ULS de Matosinhos estava condenada ao sucesso porque foi um hospital novo com uma filosofia nova que foi criada e, passado dois ou três anos, foi inserido nas ULS.
É preciso fazer muito mais do que isso, nomeadamente num aspecto que acho relevante e necessário para qualquer reforma que é o das lideranças: focalizarmo-nos e concentrarmo-nos para termos melhores lideranças do que as que temos no Serviço Nacional de Saúde.

— No modelo das ULS, o financiamento passa a ser feito per capita e por estratificação pelo risco. Isso pode levar a alguns problemas? Como é que resolve, por exemplo, haver um milhão e 700 mil pessoas sem médico de família?
ACF — A pletora médica é um problema global. Participei em reuniões europeias e testemunhei diretamente em várias reuniões interministeriais e de outro tipo a grande dificuldade que existe na Europa. Por exemplo, o vazamento dos médicos formados e qualificados dos países com menor rendimento para os países com mais rendimento.
Havendo na Europa um défice de centenas de milhar de médicos e agora também de jovens médicos que estão a ir também para os Estados Unidos – mercado que está agora a aparecer e a atrair alguns jovens médicos, tema que tem a ver não apenas com remuneração, mas também com projetos de vida – não vai ser fácil aos países pequenos e médios combater isto apenas e só pela via salarial porque não têm recursos para isso.
Nós passámos dos 9 mil milhões de euros, no meu tempo, para 18 mil milhões de euros agora. Em 2018, o SNS português foi considerado o mais eficiente da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) e agora temos o dobro dos recursos e menos resultados.
Não é um problema só de dinheiro, claramente, mas também de projeto. E, sobretudo, de perceber que os médicos não podem ser tratados, em 2023/24, como funcionários públicos sob coação.
Eles têm deveres públicos, mas devem ter a capacidade de exercer outras atividades num quadro de respeito pelos conflitos de interesse, pela lealdade institucional. De alguma forma, o potencial de horas de trabalho médico em Portugal, considerando os setores todos, é um dos maiores da Europa.
Se nós formos fazer um cálculo sobre as horas disponíveis em tese por médicos que trabalham no setor público, no setor social, no setor privado, não por cabeça, mas por horas, nós temos uma capacidade instalada em Portugal brutal.

Adalberto Campos Fernandes: “Não tenho problema em saudar o PSD pelo plano de emergência”

ACF — Não tenho problema nenhum em saudar o anúncio feito pelo PSD de que, se ganhar as eleições, fará um plano de emergência para responder de imediato a todas as pessoas que estão em espera.
Acho não só inconstitucionalmente inaceitável, mas sobretudo ética e moralmente incompreensível que, sempre a prometer reformas e a fazer reformas, se vá deixando que algumas pessoas sejam perdidas e esquecidas no tempo da espera.
Metade dos portugueses não tem seguro de saúde. Metade dos portugueses não tem ADSE. Metade dos portugueses não tem acesso a um mercado que, em Portugal, é muito ativo e muito forte que é o mercado da cunha, do conhecimento. Essas pessoas vivem exclusivamente dependentes da resposta pública.
O PSD anunciou um plano de emergência, se eu bem percebi: quem está em espera tem, em seis meses, uma resposta identificada e atribuída.Isso é, de facto, importantíssimo e espero que o PS e os outros partidos possam acompanhar esta ideia.
Quanto às ULS, a ideia em si, do ponto de vista técnico e teórico, é adequada. Só não concordo de todo com a precipitação (e já disse isto aos próprios) que foi feita de considerar hospitais universitários como ULS.
Não apenas porque eles não são unidades locais de saúde, são unidades nacionais, de referenciação. São também hospitais-escola e são repositórios de ciência, de investigação e de inovação, mas onde há um problema de capitação.
Pior do que isso, nós estamos a criar monstros orçamentais de quase mil milhões de euros que são ingeríveis e têm um risco para a despesa pública que é brutal.
Nós não temos gestores que estejam suficientemente treinados para lidar com este risco orçamental de uma empresa com mil milhões de euros. Isto não é um banco. Num banco e numa companhia de seguros existe alguma certeza dos fundamentais da própria lógica da empresa. No setor da saúde, não.
As ULS têm, no entanto, uma virtude: tendem a encontrar uma equipa conjunta, uma integração total de cuidados, uma relação entre equipas, sem diferenciação entre médicos de hospitais e médicos de cuidados de saúde primários, com os cuidados continuados envolvidos.
As ULS põem o doente no centro do sistema, com um sistema de informação integrado, simples, em que a pessoa circula e flui e há, de facto, esse espírito de equipa.

ACF: “As ULS não podem ser castelos e oligopólios públicos que rejeitem colaborar com o sector social e privado”

ACF – AS ULS deviam ser feitas como nós tínhamos pensado: faseadamente em três a quatro anos, para hospitais de média e de pequena dimensão, não descurando aquilo que foi dito. Não há ULS sem médicos, sem enfermeiros, sem recursos, sem obras e sem equipamentos novos.
É um bom caminho: o financiamento ajustado pelo risco induz eficiência, mas as ULS não podem ser castelos que se transformem em oligopólios públicos, que rejeitem a colaboração com o setor social, com o setor privado e que sejam instituições pesadas, burocráticas e administrativas em que a pessoa bate à porta e a porta está fechada.
É uma construção que tem de ser feita com as Ordens, com os atores sociais que estão no setor, porque isso acrescenta valor a uma reforma da saúde. Fazer uma reforma da saúde sem os representantes, os profissionais, é um erro.

— Ainda quanto a este modelo das ULS, o que dizem os médicos portugueses sobre a ideia da partilha de dados dos doentes entre hospitais e centros de saúde? Esse acesso electrónico funciona?
CC — Acho que esta reforma é muito precipitada. Não foi discutida, não houve um debate, por exemplo, na Assembleia da República. Não houve um debate com os profissionais de saúde, os profissionais do setor. Foi uma reforma opaca, que começou abruptamente no início deste ano.
De facto, os dados que nós temos sobre as ULS não confirmam essa mais-valia. Obviamente, e volto a sublinhar isso, estou perfeitamente de acordo com a integração dos cuidados, com as equipas únicas, mas aquilo que se tem visto nas ULS é que isso não funciona.
Um aspecto básico, que acabou de focar, que é o processo único eletrónico: não existe em Portugal. Muitos centros de saúde não têm acesso ao processo do seu doente que recorreu a um hospital. Muitos hospitais não têm acesso ao processo de um doente que era de outro hospital e que, por um motivo qualquer, foi transferido para aquele hospital.
Estamos na era da informação. Aliás, a União Europeia está a pressionar os países-membros para informatizarem os seus processos clínicos. Sei que Portugal até está relativamente avançado, mas é muito difícil avançarmos numa estrutura como a das ULS sem, em primeiro lugar, calcularmos alguns aspectos muito importantes.
Temos de ter bons líderes a gerir as ULS, os hospitais, os centros de saúde, mas o que é que foi feito em relação às lideranças? Não foi feito absolutamente nada para esta reforma das ULS.
O que foi feito para juntar as pessoas numa mesma equipa? Nada foi feito, até porque a esmagadora maioria dos conselhos de administração das ULS mantém-se nos hospitais, num sistema à sua volta, que é hospitalocêntrico. Hoje, quando falamos de hospital, fundamentalmente, falamos de urgência, em que todos os recursos financeiros, humanos, técnicos, tecnológicos, organizativos, vão para as urgências.
Temos, em Portugal, serviços de urgência que são verdadeiros hospitais, concentram todos os recursos, retirando, muitas vezes, esses recursos das consultas, dos blocos operatórios, de atos médicos altamente diferenciados que, não podendo ser dados aos doentes, os doentes acabam por ver a sua situação clínica piorar e têm de dirigir ao serviço de urgência.
A mesma coisa em relação aos cuidados de saúde primários. Não há, verdadeiramente, uma aposta consistente nos cuidados de saúde primários. Temos números muito preocupantes de previsão de médicos que se vão reformar…

C.C: “50% dos médicos reformados este ano e próximo são médicos de família”

CC — Praticamente, 50% dos médicos que se reformaram este ano e que se vão reformar no próximo ano são médicos de família. Vamos ter um impacto em 1 milhão e 700 mil portugueses sem médico de família. Temo que esse número ainda vai subir mais e ainda vamos ter um sistema mais urgênciocêntrico. Se as pessoas não têm médico de família, têm de ter uma alternativa que, neste momento, é o serviço de urgência.
Sou um grande defensor do Serviço Nacional de Saúde. Se, neste momento, o SNS não consegue dar resposta, não tenho nenhum preconceito ideológico. O país tem de criar condições para todos os doentes serem atendidos. Se o Estado não tem capacidade para dar essa resposta no SNS, tem de pedir apoio a outros setores como o privado e o social. O Estado tem de se socorrer de quem tem essa capacidade para o apoiar.