Haja vida para além da política

Um combate ao velho medo da desproteção fora do longo abraço do Estado.

Os serviços públicos estão em falha grave. Cabe ao Portugal que vive para além do Estado sustentar a vida comunitária onde o Estado não consegue. É uma oportunidade para mostrar que o conseguimos.
As crises na saúde e na educação não deixam dúvidas que o Estado não chegou para proteger a sociedade. Independentemente das causas do estado do Estado, estamos mais expostos à incerteza da vida do que há 10 anos e estamos menos preparados para construir um futuro melhor.
Devemos lutar contra esta condição. Os instrumentos para combater problemas dependem, em geral, dos problemas concretos: a falta de médicos trata-se de maneira diferente dos buracos na estrada. No entanto, há formas de operar que seriam uma ajuda transversal.
Temos de nos substituir ao Estado quando necessário.
Dado que o Estado está a falhar, a sociedade tem de responder. Não nos podemos desresponsabilizar só porque alguém é suposto tratar do problema. Se o Estado não o faz, temos de conseguir criar alternativas. Assumindo esta responsabilidade reduzimos o risco que pesa, sobretudo, sobre os mais frágeis, aumentando a sua proteção.
Falhando a escola, temos de ter empresas, bem-feitores, mecenas locais que apoiem alternativas. O fim dos contratos de associação na educação deveria ter levado a movimentos que garantissem a sustentabilidade de escolas muito relevantes no país, que acabaram fechadas (e.g. CAIC). Assim se protegeriam os alunos mais frágeis.
Nem tudo se resolverá apenas com iniciativas alternativas ao Estado. Mas a falta que estas iniciativas fazem é gritante. Mostra o quão desresponsabilizados estamos perante o que nos foi dado. E abre a porta para que as crises se eternizem. Imaginem o que seria a actual crise no SNS se não tivessem sido dados passos de gigante na saúde privada em Portugal nos últimos anos.
Mas os benefícios não acabam na maior proteção dos mais frágeis. Ganha também a política.
Reduzir a dependência dos mais fracos diminui a arbitrariedade do poder. No exemplo dos contratos de associação, tivesse havido apoio, os alunos e as suas famílias teriam continuado a ter a escolha que deixaram de ter. A sua educação agora depende de negociações na 5 de Outubro, ou seja, de um qualquer ministro.
A política tem um papel avassalador na sociedade porque deixámos que houvesse pouca vida para além do Estado. Se tudo depende do poder, acabamos reféns de quem o exerce. Perdemos liberdade: terá alguma escolha uma pessoa que, sem alternativa, tem um único rendimento que depende de um político? O seu voto está decidido à partida. Para uma maior liberdade política, precisamos de maior vitalidade fora dela. Na cultura, na educação, na economia ganharemos com independência. Acabaríamos com melhor política.
Assumir mais responsabilidades tem mais um ganho. Para aqueles que querem reduzir a presença do Estado na economia e na nossa vida coletiva, assumir as tarefas onde o Estado falha mostra à comunidade que conseguimos assistir-nos mutuamente; que conseguimos criar estruturas que, não dependendo do Estado, protegem os que precisam. É um combate ao velho medo da desproteção fora do longo abraço do Estado.
Um grave problema que se aproxima é a assistência aos mais velhos. A segurança social entrará em falência. Precisamos de uma iniciativa privada muito forte para nos proteger. Prepararmo-nos enquanto sociedade para a irrelevância do Estado nesta assistência tem de fazer parte das conversas em todos os conselhos de administração das empresas deste país.

Economista