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– A Critical Software foi criada há cerca de 25 anos. Vamos falar de futuro, mas olhando para trás, quais são as suas grandes marcas?
João Carreira – Nascemos em 1998, em Coimbra, e, de facto, são alguns os fatores importantes que nos trouxeram até aqui nestes 25 anos e que nos permitiram fazer este percurso.
O primeiro talvez seja a qualidade da nossa engenharia. Gostamos de desafios difíceis, complexos, e isso levou-nos a trabalhar com clientes exigentes e muito desafiantes por todo o mundo, como a BMW, a Airbus, a Alstom, e isso obrigou-nos a pôr a fasquia da qualidade muito alta. Isto para uma empresa que sai de Portugal onde, na altura, não havia tradição de engenharia (hoje felizmente já há) era preciso pôr a fasquia da qualidade muito alta e a nossa uma reputação era de que fazíamos um trabalho de qualidade. Esse foi o primeiro aspecto distintivo da Critical, que nos levou a trabalhar com esse tipo de clientes.
Um segundo aspeto é a persistência e o espírito empreendedor que sempre tivemos na empresa. Ainda hoje, somos 1300 pessoas na Critical Software, mas quem olhar à volta vê muito um espírito de startup e manter esse espírito é importante porque nós queremos que as nossas equipas sejam capazes de correr riscos, enfrentar desafios, errar, aprender, tentar outra vez, e esse ciclo é extremamente importante para nós.
— Mas no total do grupo são 3000 colaboradores…
JC — No total do grupo somos mais 3000 colaboradores, principalmente engenheiros, na Critical Software somos 1300, mais ou menos. E tentamos manter este espírito porque é este espírito que nos impele a fazer coisas diferentes. Foi este espírito que nos impeliu a criar empresas spin-offs, foi este espírito nos levou a criar joint-ventures (como a que temos com a BMW), foi este espírito que nos levou a criar um fundo de investimento em start-ups, como temos hoje, a Critical Ventures. Portanto, é uma marca de identidade muito forte da Critical nos leva a fazer coisas.
Um outro aspecto que também é importante, e que às vezes não é tão visível, é a forma como nós vimos a empresa, como nós pensamos a empresa no longo prazo. Temos uma visão de longo prazo, sempre tivemos. Costumo dizer que nós vimos a empresa assumindo que ela vai estar aqui daqui a 100 anos e estar aqui daqui a 100 anos, se pensar nisso, muda a perspetiva sobre muitas coisas.
Não se gere uma empresa para estar aqui daqui a 100 anos da mesma forma que uma empresa que se quer vender amanhã ou fazer algo desse género a muito curto prazo. Isso marcou também muito a identidade da empresa, mas enfim, isto tudo se resume a uma coisa que são as pessoas. Aquilo que verdadeiramente faz a diferença na Critical, que é uma empresa de talento, são as pessoas e nós sabemos que uma equipa animada para uma cultura forte, para um conjunto de valores partilhados e para um propósito comum consegue fazer coisas extraordinárias.
É isso que a nossa equipa é, que a nossa equipa faz todos os dias, faz coisas extraordinárias com este contexto de cultura, valores e propósito.
—Essas pessoas trabalham em diversas áreas, porque as vossas áreas de negócio vão desde a área aeroespacial a áreas mais específicas, como a informática ou tecnologias de informação, então é um leque muito, muito vasto, e ainda por cima em vários mercados muito exigentes, como a Alemanha o os EUA.. Isto implica um esforço muito maior do ponto de vista da gestão, imagino.
JC — Sim, os nossos mercados são maioritariamente internacionais, portanto nós começámos a trabalhar para o mercado internacional.
Talvez nesse aspeto não seguimos o percurso de testar o nosso produto e serviço no mercado nacional e depois ir lá para fora, o tal processo de internacionalização. Mas começámos no mercado internacional desde o dia zero e hoje 85%-90% do nosso negócio é com clientes internacionais e isso marca a nossa identidade claramente.
Os nossos mercados-alvo, estratégicos, por assim dizer, estão na Europa (Alemanha e Inglaterra) e depois os Estados Unidos. São estes mercados do Hemisfério Norte que nós endereçamos, que são mercados obviamente exigentes, cada um à sua maneira.
O dos Estados Unidos é muito competitivo, o da Alemanha muito exigente pela qualidade, e por aí adiante.
— A exportação, na verdade, representa quase 90%…
JC — 85-90%, anda normalmente por aí. Temos cliente nacionais com muito orgulho. Temos alguns, mas de facto a grande maioria, o grande volume de negócios da empresa vem do mercado internacional, destes três mercados em particular.
— E ao longo destas duas décadas e meia, e com uma forte componente de exportação desde o início, e com dimensão internacional, alguma vez houve o estigma, o rótulo, de ser português, ainda por cima em áreas de tecnologias de informação que agora, sim, é reconhecido, mas se calhar há uns anos talvez houvesse algumas dificuldades?
JC — Claro, houve até por várias razões e não era só ser de Portugal, como ser de dentro de Portugal, pois tínhamos criado a empresa em Coimbra, imagine. Criar uma empresa na província, naquela altura, eramos o underdog completo. Sentíamos que estávamos a fazer algo improvável. As pessoas perguntavam: mas como é que em Coimbra agora surge uma empresa de software. Isso, curiosamente, deu-nos a força da energia para tentar provar que éramos capazes e, portanto, teve um efeito importante de motivação.
Mas lá fora, claro, passámos por muitas dificuldades. Foi preciso muita persistência, ir bater muitas portas que se fecharam a seguir porque, de facto, na altura, se se pensar nisso, Portugal não tinha muitas referências em termos de tecnologia, hoje temos alguns unicórnios, temos empresas que são conhecidas lá fora, que dão cartas lá fora, e me deixam superorgulhoso, mas na altura não havia, de maneira que os clientes olhavam com desconfiança para Portugal.
Foi um caminho que foi sendo construído, construir uma reputação, ganhar confiança pouco a pouco até chegarmos a situações como as que temos hoje, em que a BMW confia em nós para construir uma parte central do que são os carros da BMW, ou a Airbus que confia em nós para construir partes centrais daquilo que são os aviões da Airbus, e por aí adiante.
— Como há muitos anos, em que a Critical ficou conhecida, há cerca de 20 anos, por ter fornecido determinados materiais para a NASA, por exemplo.
JC — Exatamente, começámos por aí. Também um bocadinho improvável, porque, lá está, como éramos uma empresa em Portugal, e nessa altura, no país, não havia mercados espacial, nem havia tradição, nem havia players, e nós começámos a dizer, todos entusiasmados, “vamos trabalhar um mercado espacial”. Um bocadinho irracional, mas com uma energia muito forte.
— Percebeu-se que havia, de facto, oportunidades, e que havia também, por um lado, tecnologia, e, do ponto de vista dos recursos humanos portugueses, gente capaz de entregar, de investigar.
JC — Sim, isso foi uma grande motivação. Falando por mim e pelos meus sócios, algo que nos movia era esse desejo de provar que nós somos capazes.
Nós não somos melhores ou piores do que nenhum outro engenheiro noutro ponto do mundo. Conseguimos estar ao nível dos melhores e isso deu-nos uma grande energia para fazemos todo este percurso, sem dúvida.
— Hoje estamos a falar de que volume de negócios?
JC — Este ano, vamos fechar perto dos 100 milhões.
— E isso significa aumento em relação aos anos anteriores, por exemplo, em relação a anos de pandemia? Imagino que tenham sofrido.
JC — Sim, houve um ano da pandemia em que nós basicamente não crescemos. Ficámos flat, mas desde o início que temos uma pledge de crescer 20% ao ano e, em geral, temos conseguido sempre atingir esse objetivo, portanto, temos crescido a 20%.
— E suportado mais em que mercado? Alemanha?
JC — Na Alemanha, em Inglaterra e nos Estados Unidos, mas a Alemanha no topo, sem dúvida.
— Neste caso estamos nas vossas instalações em Lisboa, mas obviamente que têm instalações onde tudo começou, em Coimbra. Qual é neste momento o maior desafio do ponto de vista da gestão do projeto, mas, sobretudo, da gestão das pessoas?
JC — Somos uma empresa talento, o que nós fazemos são recursos humanos. Isso é central, as pessoas aqui fazem verdadeiramente a diferença.
Para manter uma equipa motivada, inspirada, capaz de fazer coisas extraordinárias, de fazer coisas que muitas vezes não acreditam que são capazes de fazer, é preciso muita liderança, gestão emuito trabalho de criação de uma cultura forte. É preciso ter as pessoas identificadas com valores comuns, com propósito, porque isso no fim do dia vai fazer a diferença.
Temos conseguido fazer isso, apesar das dificuldades que têm havido neste mercado.
Há uma grande procura de engenheiros informáticos, não temos sentido, de facto, uma dificuldade extrema em contratar pessoas porque a marca Critical tem essa dimensão.
As pessoas olham para a Critical como uma marca com uma cultura muito forte, uma cultura muito especial. Olham para a Critical como sendo uma escola de Engenharia, isto é, um sítio onde se aprende com os melhores, com os desafios mais complexos, e isso tem sido um alicerce, provavelmente sólido do nosso crescimento.
À minha maneira
— Quais é que são alguns dados que podem definir o João como gestor, como pessoa, e também, sobretudo, no estilo de gestão e de liderança.
JC — Não há estilos de liderança certos, cada um tem o seu próprio estilo. Tenho um mantra que costumo utilizar aqui na Critical e que as pessoas conhecem, que diz assim: Transparency creates trust, trust creates collaboration, collaboration creates creativity, efficiency, resilience, success.
Acredito que tudo começa com a transparência. Se formos transparentes, as equipas confiam e com base na confiança já se pode construir outra coisa que é a colaboração. Quando temos equipas a colaborarem, coisas extraordinárias acontecem. As equipas são mais eficientes, são mais criativas, as equipas são mais resilientes e o sucesso acontece naturalmente.
— Gosta de ouvir as opiniões, sei que funcionam muito em open space…
JC — Não tenho gabinete, até a esse nível sou transparente. Fazemos reuniões gerais trimestrais em que temos um open book sobre as nossas contas, sobre o que estamos a vender, o que estamos a ganhar, onde é que há problemas.
Somos extremamente transparentes com as nossas equipas, que acompanham a evolução da empresa, e isso cria confiança e depois a confiança cria espaço para as pessoas colaborarem, as coisas estão ligadas.
Por isso, nós valorizamos tanto este princípio da transparência que se reflete na ausência de gabinete, mas é muito mais do que isso.
Sim, conseguimos
– Qual a maior diversidade e como é que foi superada?
JC — Ao longo destes 25 anos, como deve imaginar, tivemos imensas dificuldades e imenso momentos em que lutámos para conseguir ultrapassar essas dificuldades.
Talvez fale naquilo que está mais presente e que é mais recente, que foram as dificuldades relacionadas com a covid e os hábitos de trabalho remoto que se instalaram depois. Foi muito difícil para nós porque, como dizia há pouco, um fator fundamental diferenciador da Critical são as pessoas e a cultura das pessoas, são os valores partilhados, são o propósito, e obviamente que não acreditamos que estando em remoto seja possível manter essa cultura.
Por momentos limitados no tempo, toda a gente consegue trabalhar em full remoto. Mas a empresa como um todo precisa desse contacto humano. Somos uma empresa baseada em equipas,.
Sentimos que a cultura estava a sofrer e que podia haver consequências muito negativas na empresa. Tivemos dúvidas se de facto conseguiríamos sobreviver a esse choque e tomámos recentemente a decisão de estabelecer dois dias presenciais, por semana, no mínimo, obrigatórios na empresa.
Portugal 2043: “Precisamos de mais empreendedores”
Olhando para o futuro daqui a 20 anos, como é que o João imagina, para já, este negócio ?
JC — É difícil fazer projeções a 20 anos, ou a 100 anos. O nosso plano para os próximos três anos é duplicar o volume de negócios. Estamos nos 100 milhões e o objetivo é passarmos para os 200 milhões em 2026. É essa a nossa visão para os próximos três anos, mas queremos continuar a crescer numa linha orientadora baseada num ecossistema. Isto é, somos a Critical Software, mas somos uma joint-venture com clientes, somos um fundo, somos startups, somos spin-offs, e ter consciência, com base nesse ecossistema, que vamos conseguir crescer de uma forma muito mais rápida e mais sustentável.
Daqui a 20 anos tenho a visão de um ecossistema saudável, com a Critical Software no centro a crescer sustentável, lucrativa, e a ter um impacto no mundo positivo tal como acredito que tivemos até agora.
— E olhando para o país? A pergunta é mais como cidadão…
JC — Como cidadão, acho que o país tem muitas coisas boas, mas tem problemas ao nível da economia, da geração de riqueza, todos sabemos dos problemas de produtividade. Penso que esses problemas só se resolvem com empresas, com iniciativa privada e com empreendedores. Se queremos fazer crescer economia, se queremos aumentar a produtividade, precisamos de empreendedores.
A economia não vai arrancar se não for com pessoas com convicção, com ambição, com capacidade de correr riscos e que se lancem em aventuras empresariais. Sinto que aí temos muito a fazer ainda. Não sinto, enquanto país, que tenhamos criado um ambiente conducente a que as pessoas corram riscos e que as pessoas criem empresas e estabeleçam os seus próprios negócios.
– Mas olha-se com desconfiança para quem é empresário ou investidor por uma questão às vezes política ou ideológica ou por algum motivo cultural atávico?
JC — Penso que é um pouco das duas coisas. Há um aspecto cultural importante em alguém que sai da universidade com o objetivo número um de encontrar um emprego a trabalhar por conta de outrem. São muito poucos aqueles que pensam em criar o seu próprio projeto e com esse projeto criar empregos bem pagos e criar um negócio produtivo e contribuir para a economia. Penso que há muito pouca gente a questionar-se dessa forma. O objectivo é encontrar um emprego por conta outrem e se há 25 anos, quando a Critical apareceu, esses empregos estavam cá, agora há empregos mais bem pagos lá fora, portanto, não é surpreendente que os jovens licenciados saiam do país para ir procurar salários maiores a trabalhar por conta de outrem.
Penso que há muito espaço e há muita oportunidade para muitos desses jovens pensarem de forma um pouco diferente e tentarem fazer algo por Portugal.
— E também foram formados em Portugal, houve um investimento neles, não é?
JC — Exatamente. Por vezes fala-se naquilo que o país não faz para reter estes jovens, mas penso que se devia falar também daquilo que o país faz, que foi oferecer uma educação gratuita. Eu tive uma educação gratuita. Formei-me em Engenharia, fiz um doutoramento, foi tudo pago pelos meus concidadãos, todos nós. Estou grato por isso e tenho uma dívida para com o país por isso. Podia não ter sido assim, não ter tido uma educação totalmente paga pelos meus concidadãos, como de resto há muitos países que não o fazem. Nos Estados Unidos, se eu quiser ter esse nível de estudos tenho de pedir um empréstimo, suportar os custos e depois pagar uma [prestação ao banco].