Médico de família para todos – panaceia para os desafios?

Expansão dos serviços nas farmácias comunitárias tem um enorme potencial para a saúde

Enumerar os desafios que o sistema de saúde Português enfrenta atualmente não é difícil. O diagnóstico, tal como na grande maioria dos problemas de saúde, é passível de efetuar sem recurso a exames complementares adicionais. Afinal, existe um consenso alargado, reforçado pelo resultado de prodigiosos grupos de trabalho e igual número de relatórios, sobre quais são os problemas que enfrentamos, exacerbados pela pandemia de COVID-19, o que os torna incontornáveis e urgentes.

Alguns dos principais desafios incluem, desde logo, os recursos humanos. É reconhecido que existe uma escassez global de profissionais de saúde, que é agravada por distribuições desiguais entre áreas urbanas e rurais. O burnout é uma preocupação crescente, especialmente após as exigências extremas da pandemia. Existe, ainda, a expectativa de que se possa atender à reivindicação dos profissionais de saúde para proceder a revisões das tabelas salariais, e reduzir o horário de trabalho semanal e no serviço de urgência. A grande questão tem sido, como se faz este caminho sem prejudicar a qualidade da assistência à população num quadro de necessidades crescentes.

Com efeito, o aumento da esperança média de vida traz desafios relacionados com uma população envelhecida, que geralmente requer cuidados de saúde mais complexos e prolongados. O aumento da literacia em saúde por parte dos cidadãos, que os torna mais conhecedores e exigentes em relação aos cuidados que merecem e recebem, também coloca pressão no sistema. Um exemplo é a crescente sensibilização sobre a importância da saúde mental, intensificada pela pandemia, que tem pressionado as instituições para melhorar o acesso e a qualidade dos serviços de saúde mental.

Existem ainda oportunidades, que por enquanto continuam a ser desafios. A incorporação de inovações tecnológicas, como a telemonitorização, a inteligência artificial e o big data exigem estratégias de operacionalização que assegurem a privacidade dos dados e garantam que as novas tecnologias são utilizadas para humanizar os cuidados, contribuindo para objetivos de equidade e acessibilidade.

Tudo isto num quadro de sustentabilidade financeira. Afinal, o aumento dos custos com saúde é uma questão persistente, frequentemente encarado como um problema. Mas se a pandemia veio reforçar alguns dos desafios elencados acima, também demonstrou que sem saúde, não há economia. Também em saúde, há que reforçar o conceito do retorno do investimento. Não é apenas uma questão de acompanhar as necessidades e expectativas da população. É igualmente uma questão de produtividade do país.

Nos relatórios que têm vindo a evidenciar estes desafios, as conclusões incluem invariavelmente a necessidade de imprimir abordagens multidisciplinares e mudanças significativas nas políticas para lhes dar resposta, além da importância de promover uma colaboração estreita entre o governo, setor privado e as comunidades.

Porquê então o foco no médico de família para todos os Portugueses? Perante os desafios que enfrentamos, este objetivo não é uma sobre-simplificação das respostas que precisamos?

Tanto do ponto de vista conceptual como pragmático, não é. O médico de família desempenha um papel fundamental no sistema de saúde do nosso país, porquanto contribui para a eficiência, eficácia e humanização dos cuidados de saúde. A relação de confiança e proximidade que estabelece com as pessoas que vivem com doença é fundamental para um sistema de saúde mais responsivo, contribuindo para uma melhor gestão da saúde individual e coletiva.

No amplo exercício das suas funções, promove a continuidade de cuidados e coordena as respostas em saúde, facilitando que as pessoas sejam acompanhadas no nível de cuidados de saúde mais eficiente – da farmácia comunitária aos cuidados hospitalares.

No contexto de um Plano de Emergência para a Saúde, o médico de família para todos os Portugueses (que só pode ser um objetivo a médio prazo) tem o potencial de nos aproximar do indicador de resultados pretendido: mais saúde de qualidade para as pessoas.

Mas é um objetivo que só atinge os resultados esperados se o sistema à volta também estiver ativado e preparado para assumir as suas responsabilidades. E é neste contexto que as farmácias Portuguesas também têm se ser incluídas.

Os cuidados de saúde integrados e a colaboração com o sector privado podem suprir lacunas existentes no sistema de saúde, aumentando a conveniência e a proximidade, especialmente em zonas de menor densidade populacional. Nestes locais, a farmácia é muitas vezes o único serviço de saúde disponível para a população.

A expansão dos serviços nas farmácias comunitárias apresenta um enorme potencial para se alcançar ganhos significativos em saúde. Através de intervenções ao longo da jornada de saúde das pessoas, tal como já acontece noutros países, os farmacêuticos estão capacitados para promover a saúde, identificar pessoas em risco de determinadas doenças, identificar atempadamente pessoas que necessitam de ser encaminhadas para outro nível de cuidados, e otimizar a efetividade e segurança das terapêuticas, garantindo que o investimento que anualmente a sociedade faz em medicamentos, se traduz verdadeiramente em resultados em saúde.

Presidente da Associação Nacional das Farmácias