Tributação com Futuro

Hoje, o sistema fiscal mata a galinha e compromete os ovos do futuro

Vimos a semana passada como não matar a galinha (economia), sobretudo pela redução do IRS que incide sobre a classe média e a redução do custo da habitação criado pelo IMT e pela isenção de IVA. Veremos hoje como cuidar da galinha para que no futuro dê mais ovos (receita), com taxas de tributação reduzida: alargar a base, pelo crescimento da economia, para permitir baixar as taxas com aumento de receita (em termos monetários que não em termos percentuais). No fundo, a fórmula de sucesso da sustentabilidade fiscal.

Ainda que menos mediático, o IRC é decisivo para a atividade económica, mas assenta em vários erros como sejam a tributação da despesa e não do rendimento real (ver o caso das tributações autónomas sobre certas despesas) e a progressividade introduzida pela derrama estadual, tanto mais incompreensível quanto o problema do tecido económico é, precisamente, a escassa dimensão das suas empresas. O sistema fiscal, a começar pelo IRC, deveria por isso promover o crescimento e facilitar a consolidação, através de operações de fusão e de aquisição.

E para isso há medidas simples que não implicam perda de receita, como medidas de redução dos custos de concretização, de simplificação de procedimentos e de garantir da segurança sobre as consequências fiscais. Deveria, para tanto, prever-se a criação de um modelo de balcão único, assente em modelos eletrónicos, para os processos de fusão das pequenas e médias empresas, com processos céleres, simples e harmonizados, o que retiraria muito do peso burocrático que agora entrava esses processos.

E o mesmo se diga sobre os níveis de incerteza da tributação de tais processos. É que eles gozam de incentivos fiscais importantes (justificados, precisamente, pela relevância das concentrações), mas cuja aplicação concreta é sempre objeto de dúvidas e, muitas vezes, de contestação pela autoridade tributária.

Só que aquando da reação do fisco, já a operação está concretizada, pelo que as empresas e sócios têm de contestar, pagar ou garantir os impostos reclamados (bem como juros e coimas), para serem reembolsados anos mais tarde em caso de ganho ou, caso percam, suportarem os impostos com que não contavam e que teriam inviabilizado a operação. Ora, esta incerteza só pode ser removida mediante parecer prévio do fisco e se prestado em tempo útil, o que raramente sucede. Mas essa celeridade seria viável no caso de serem instituídos, no quadro do balcão único acima sugerido, formulários tipo para instrução dos pedidos, conducentes a um deferimento tácito a ocorrer em prazo curto e que em caso de indeferimento, pudessem ser apreciados no âmbito dos tribunais arbitrais (CAAD) que tão boas provas têm dado.

Acresce que as concentrações passam muitas vezes por processos prévios de reestruturação, reorganização e cisão. Estes, porque têm consequências fiscais pesadíssimas (para mencionar só os principais: IRS, IRC, IMT, IVA e Selo), deveriam também poder beneficiar de mecanismos de isenção, diferimento ou de suspensão de impostos hoje já previstos para outras operações. Incluindo IRS para as mais valias e Selo para transmissões gratuitas, muito em especial nos casos de colocação em mercado regulamentado ou de sucessão de empresas familiares.

Isto, a par de um tratamento fiscal favorável dos custos financeiros associados à compra de participações em operações de consolidação empresarial, com majoração da dedução de juros presumidos sobre o capital próprio existindo coinvestimento de vários agentes económicos (incluindo públicos, por exemplo, o Banco de Fomento) em operações de concentração.

Hoje, o sistema fiscal mata a galinha e compromete os ovos do futuro. É, pois, importante assegurar um sistema de tributação que arrecade as receitas de que o Estado carece hoje, sem comprometer o futuro e, até, que alargue as bases tributárias a prazo e, com isso, reduza as elevadas taxas nominais hoje em vigor.

Percebe-se bem, por isto, que o foco público esteja no IRS, sobretudo sobre o que incide sobre a classe média. No entanto, importa também acudir de imediato ao efeito fiscal no custo da habitação nova, com revisão do IMT e Selo e sua conjugação com IVA reduzido que permita a dedução do IVA suportado nos custos.

Mas é o IRC que terá mais impacto nos médio e longo prazos, sobretudo na medida em que estimule a concentração e a capitalização das empresas portuguesas. E algumas das medidas necessárias para o efeito nem implicam quebra da receita, bastando criar mecanismos simples de concretização das operações, bem como meios eficazes para remover as dúvidas sobre a concreta tributação dos intervenientes.

Fundador da J+Legal e vice-presidente do Fórum para a Competitividade