Organizações ambidestras: “Pat your Head and Rub your Tummy”

Articular eficiência e inovação não é tarefa fácil, mas é precisamente por isso que esta capacidade é de importância vital.

Precisamos de melhorar muito a capacidade de inovação das nossas empresas, porque os resultados são, apesar dos bons exemplos, insuficientes no contexto internacional. Para isso é preciso que as empresas sejam capazes de construir equipas de gestão de alto calibre com os requisitos para inovar, internacionalizar e crescer. Estes foram os temas cobertos nos dois primeiros artigos.

O artigo que agora escrevo procura responder a uma pergunta conexa: como é que eu organizo a minha empresa para a inovação? E como exerço a liderança? Como sou um contextualista, direi sempre que depende do seu contexto. Contudo, de uma maneira geral a resposta é esta: tem de se organizar para ser ambidestro. Na sua acepção original “ambidestro” refere-se à capacidade de um indivíduo utilizar com igual destreza a mão esquerda e a mão direita, não exibindo preferência. Esta é uma capacidade óptima numa variedade de desportos, conferindo a quem a detém uma vantagem competitiva. Geralmente, é uma capacidade que nasce com o indivíduo, mas também pode ser treinada.

Um exemplo que todos conhecemos é Cristiano Ronaldo, que tem o pé direito como pé dominante mas que, através do treino e da disciplina, foi capaz de se tornar “ambipedal” num grau admirável, sendo conhecido como capaz de marcar golos com quase a mesma facilidade com ambos os pés. Quando a capacidade é treinada, surgem de início problemas de coordenação e também muitos falhanços. Mas passado algum tempo, fica mais fácil e traz enormes vantagens, nomeadamente adaptabilidade e resiliência.

Nas empresas, a capacidade de serem ambidestras refere-se à capacidade de produzirem com a máxima eficiência os produtos existentes, e ao mesmo, de inovarem e criarem novos produtos, serviços e modelos de negócio – alguns deles até competindo com o seu negócio central. Muitas são capazes de atingir óptimos níveis de eficiência nas suas operações, mas incapazes de simultaneamente desafiar a indústria e criar novos produtos, serviços e modelos de negócio. Isto é, não são ambidestras. E porquê? Porque estas duas actividades têm requisitos fundamentalmente diferentes e até contraditórios.

Gerir as operações existentes requer reduzir risco e variabilidade, disciplina e foco com vista a aumentar a eficiência; mas, para inovar e desenvolver novos produtos e mercados requer-se criatividade, tentativa e erro, experimentação, incorrendo-se em maior risco. Tentar fazer as duas coisas ao mesmo tempo requer capacidade de liderança e articulação. Como me disse em tempos o CEO de uma empresa do FTSE-100: “You have to pat your head and rub your tummy”.

Articular eficiência e inovação não é tarefa fácil, mas é precisamente por isso que esta capacidade é de importância vital. A maioria dos empresários têm uma fórmula de sucesso que exploram com maior our menos eficiência, mas falham em desenvolver a capacidade para explorar novos mercados e inovar produtos, serviços e modelos de negócio. Mas então como fazer?

Muitas empresas separam de forma estrutural a unidade dedicada à inovação do resto da empresa, com uma equipa composta segundo requisitos próprios, com objectivos distintos e operando um sistema de remuneração e de incentivos distinto, reportando directamente ao CEO. Isto permite que a inovação não seja engolida pela política interna e pelas pressões de curto prazo e de eficiência. Cabe ao CEO procurar as sinergias e integrar eficiência e inovação, mantendo atenção a ambas e não cedendo à tentação de abandonar projectos de futuro.

Apesar das ideias acerca de ambidestridade nas organizações terem sido articuladas nos anos 70 e 80, a sua expressão e popularidade tanto na academia como no mundo dos negócios despontou sobretudo com Michael Tushman e colegas da Universidade de Harvard, nos anos 90. Entre muitos contributos, Tushman e colegas articularam três princípios para construir e liderar organizações ambidestras, como se segue.

Principio 1: Identidade Organizacional. O CEO e a sua equipa devem desenvolver uma identidade / propósito organizacional que englobe os actuais produtos e serviços mas que seja também aspiracional. Esta identidade e propósito não devem limitar a empresa a grupos de clientes ou soluções que podem ser obsoletas no futuro. Hoje em dia, a articulação desta identidade e propósito deve incluir considerações de sustentabilidade, procurando servir as gerações actuais e futuras. Se pensarmos bem, não é isto que uma empresa familiar procura? Para uma PME familiar a ambidestridade pode ser facilmente compreendida, mas, infelizmente, nem sempre bem executada.

Principio 2: Segurar as tensões no topo da organização. Muitas empresas fazem isto. Poucas fazem isto bem. As unidades de negócio ou equipas responsáveis pela inovação devem reportar directamente ao CEO, caso contrário os projectos de inovação que podem ser o futuro serão derrotados pelas forcas de inércia na organização. Em última analise e o CEO que deve ser responsável pelos trade-offs entre curto e longo prazo. As tensões que existem entre perseguir e optimizar o negócio actual ou investir e apoiar projectos inovadores (às vezes quase em contradição com o negocio central da empresa) têm de ser resolvidas no topo e não pelas chefias intermédias.

Quando as empresas dizem que a inovação é uma responsabilidade de todos, geralmente, não é de ninguém. A responsabilidade pela inovação deve estar alocada a um executivo sénior. O debate estratégico entre o responsável pela inovação e o responsável pelo negócio central deve ser promovido, mas deve existir coordenação para garantir que a equipa ou unidade de negócio focada na inovação tem acesso a informação e recursos do negócio central para ser bem-sucedida, e vice-versa.

Principio 3: Estar confortável com a inconsistência. As unidades de inovação devem ter métricas de desempenho e sistemas de incentivos diferentes das unidades do negócio central já estabelecidas, caso contrário estarão destinadas ao fracasso. Por outro lado, é importante que o negócio central e a unidade de inovação partilhem e ate tenham uma saudável troca de recursos para que aumentar o reconhecimento mútuo e as formas de colaboração serem mais efectivas.

Desenvolver a capacidades ambidestras é fundamental para a sobrevivência e competitividade das empresas em Portugal.

Professor de Governance e Reputação, Henley Business School , UK  e Independent Partner na AMROP Portugal