Nuno Álvares Pereira e saber sair de posições de liderança

Estarão os líderes de hoje preparados para “saber sair de cena”?

Um dos maiores desafios que o líder enfrenta é decidir quando “sair de cena”. Quando Jacinda Ardern, ex-primeira-ministra da Nova Zelândia, tomou essa decisão em 2023, foi aplaudida pela sua saída graciosa do cargo. Mas o que tornou a sua saída tão oportuna?

Deixar uma posição de liderança pode ser um processo difícil e emocional, mas entender quando é hora de seguir em frente e procurar novas oportunidades é uma parte essencial do crescimento pessoal e profissional. De facto, sair pode ser tanto um passo adiante quanto um passo atrás. Para Jacinda Ardern, o esgotamento foi a principal razão para se afastar. Mas também se tratava de fazer o melhor para o seu partido político e para o seu país.

Entender quando sair de líder requer autorreflexão e uma compreensão profunda das suas prioridades e valores. Um líder com alta inteligência emocional será capaz de reconhecer os sinais de que é hora de sair e tomar uma decisão bem informada. Tal como fez Nuno Álvares Pereira há 601 anos…!

Como sair de uma posição de liderança?

Tomar a decisão de deixar uma posição de liderança de longo prazo requer reconhecer os sinais e planear cuidadosamente o processo de saída. É essencial entender que sair é uma responsabilidade de liderança, muitas vezes um dos maiores desafios que os executivos enfrentam. Os líderes devem refletir sobre o que é melhor para a organização e para si mesmos, equilibrando desejos e receios pessoais enquanto preparam a organização para um futuro sem eles.

O impacto da sua saída reverbera por toda a organização e comunidade. Infelizmente, a maioria das formações e ações de desenvolvimento de liderança não aborda o processo de saída, tornando-o um assunto tabu. Essa falta de preparação faz com que os líderes muitas vezes se sintam perdidos quando chega a hora de sair, precisando de mais apoio para tomar decisões bem informadas.

Existem quatro elementos críticos para uma transição bem-sucedida: reconhecer que sair é um desafio complexo e único para líderes (sobretudo os de longo prazo), entender que sair é uma responsabilidade de liderança crucial que requer planeamento cuidadoso, avaliar a prontidão pessoal e organizacional e agir sobre os sinais que indicam que é hora de sair.

Os líderes devem gerir as forças potencialmente antagónicas entre as necessidades organizacionais e as considerações pessoais, consultando os Boards, equipa sénior e mentores de confiança. Em última análise, os líderes devem decidir quando é melhor sair com base na sua energia, motivação e prontidão da organização.

Os cenários ideais são raros – muitas vezes, o timing dos líderes e das organizações não está totalmente alinhado, tornando crucial que os líderes avaliem continuamente o seu interesse e capacidade de liderar.

Apesar dos desafios inerentes a uma saída, esta pode acontecer em simultâneo com um evento ou conquista organizacional relevante, permitindo que os líderes saiam num momento positivo, enquanto a instituição está forte.

Essa decisão envolve um “salto de fé”, visto que o futuro é incerto, especialmente para líderes de longo prazo que podem temer discriminação pela sua idade ou sair das suas zonas de conforto. Definir uma data de saída, partilhar a decisão e concordar com um cronograma são etapas essenciais. Em última análise, planear uma saída com energia e oportunidade garante uma transição que beneficia tanto a organização quanto o bem-estar pessoal do líder.

O exemplo de Nuno Álvares Pereira

Nuno Álvares Pereira, o Condestável, soube “sair de cena” com elegância e distinção, encontrando um novo propósito para a terceira parte da sua vida. A sua liderança, primeiro militar, depois política e de desenvolvimento económico, foi incontestada e fundamental para o país que somos hoje. Mas em julho de 1423 abandonou todas as posições de liderança e riqueza (era o homem mais rico do país a seguir ao rei D João I) para vestir o hábito carmelita e viver numa pequena cela, junto à portaria do Convento do Carmo.

Nuno Álvares Pereira nasceu em 1360, filho ilegítimo do Prior do Crato. A sua fama advém inicialmente da sua carreira militar, especialmente durante a crise de 1383-1385, quando Portugal enfrentou um problema de sucessão e a invasão castelhana.

Em 1384, foi nomeado Condestável de Portugal (chefe militar do Reino) e desempenhou um papel crucial na Batalha de Aljubarrota (1385), onde a sua liderança militar ajudou a assegurar a independência de Portugal. A sua lealdade a D. João I e a elevada competência como estratega militar foram fundamentais para a vitória portuguesa.

Após a vitória em Aljubarrota, Nuno Álvares Pereira continuou a servir D. João I como o seu braço direito, participando noutras campanhas e consolidando o poder da nova dinastia de Avis. Foi recompensado com terras e títulos, tornando-se a figura mais poderosa e influente do reino, abaixo do Rei. Durante este período, administrou as suas vastas propriedades e desempenhou um papel importante na estabilização e desenvolvimento do reino.

Obtida a paz com Castela, tentou mudar de vida, mas o Rei e os seus filhos chamaram-no uma vez mais para a conquista de Ceuta em 1415. De seguida, começou a garantir a segurança dos netos (por casamentos e doações), preparando e planeando a sua “saída de cena”.

Finalmente, em 1422, Nuno Álvares Pereira viu um país mais tranquilo e renunciou às suas posses materiais, entrando para o Convento do Carmo em Lisboa em julho de 1423 como frade carmelita, adotando o nome de Frei Nuno de Santa Maria.

Dedicou os últimos anos da sua vida à oração, contemplação e caridade, vivendo de forma simples e austera, mas com muita energia, como foi sempre o seu timbre. Nuno Álvares Pereira faleceu em 1431 e foi beatificado pela Igreja Católica em 1918 e canonizado em 2009, sendo reconhecido tanto pelos seus feitos militares, como pela criação da Casa de Bragança, sem esquecer a sua devoção religiosa.

As razões para abandonar uma posição de liderança em 1422/1423, no auge da sua popularidade e poder, mesmo contra a vontade do Rei, mas sobretudo do Príncipe D. Duarte, ficaram perdidas no tempo. Podemos afirmar com alguma lógica que terá sido uma combinação de fatores pessoais, religiosos e contextuais da sua vida. A sua profunda devoção religiosa e a influência da morte da mulher e da filha, terão pesado na sua decisão.

Como muitos na sua época, Nuno Álvares Pereira pode ter refletido sobre a natureza transitória da vida terrena, especialmente após ter experimentado tantas batalhas e perdas. Essa reflexão pode tê-lo levado a buscar um propósito mais elevado e duradouro na vida monástica. Entrar para o Convento do Carmo como frade carmelita permitiu-lhe dedicar-se integralmente a um legado de caridade e serviço, focado nos necessitados e vivendo uma vida de humildade e simplicidade.

No fundo, soube ler os sinais e depois buscou (e encontrou) um novo desígnio para a sua vida.

Epílogo

Nuno Álvares Pereira, uma grande figura da Idade Média, leva-nos a refletir sobre a liderança atual. Estarão os líderes de hoje preparados para “saber sair de cena”? Como podemos aprofundar o nosso autoconhecimento ao ponto de reescrever o nosso propósito? Qual a importância do nosso legado de vida? 

Ao ponderar sobre a vida do Condestável, não poderemos deixar de pensar nos atuais líderes políticos, corporativos e até no desporto, seja em Portugal ou no estrangeiro… mas também em nós próprios.

Sócio da Egon Zehnder (Portugal)