“É mais fácil abrirmos hotéis fora de Portugal do que aqui”, admite CEO do grupo Pestana

Grupo Pestana tem 108 hotéis, está presente em 16 países, fatura 557M€ e aumentou salários em 12%. O maior grupo hoteleiro português é liderado por José Theotónio, que nos revela o objetivo a curto prazo

Grupo Pestana tem 108 hotéis, está presente em 16 países, fatura 557M€ e aumentou salários em 12%. O maior grupo hoteleiro português é liderado por José Theotónio, que nos revela o objetivo a curto prazo.

O grupo Pestana tem, neste momento, 108 hotéis e está presente em 16 países. As pessoas têm a noção da dimensão internacional do grupo?
José Theotónio — É verdade. O Grupo Pestana acabou de fazer, agora, 51 anos.Tem tido um crescimento orgânico, tendo começado na Madeira, em 1972 e, depois de já ter aí uma liderança, veio para o continente. Essa vinda dá-se por volta de 1980. Dizemos, na brincadeira, que foi a primeira internacionalização, porque, obviamente, não havia as ferramentas de gestão que há hoje.

Os acionistas – na altura, Dionísio Pestana, e o seu pai, Manuel Pestana, que tinha sido o fundador – tinham de gerir à distância.
Mais tarde, já no final da década de 90, começou a parte da internacionalização, primeiro em países que falavam português, lusófonos. Foi Moçambique, a seguir o Brasil, a partir de 2010, na Europa, e, em 2012, o primeiro hotel nos Estados Unidos, em Miami. Hoje, estamos nos tais 16 países, com os 108 hotéis.

Temos também outras unidades de negócio, como o golfe, que é importante e está centrado no Algarve. Temos também dois casinos, um na Madeira e outro em São Tomé, e desenvolvemos ainda uma área que nós chamamos o Pestana Residence, que é, no fundo, a imobiliária turística. Em termos de hotelaria, o volume de negócios não é muito grande, mas o melhor são as margens, se conseguirmos ser competitivos.

Qual é vosso volume de negócios?
JT — 557 milhões de euros, em 2023.

O mais impressionante para este setor foi o nosso EBITDA, que foi à volta de 187 milhões, e depois também um resultado líquido superior a 100 milhões. Isto são valores muito importantes para esta indústria, porque não é o volume de negócios que é o grande indicador, mas sim a rentabilidade que se consegue tirar em termos das infraestruturas que estão disponíveis. E aí o grupo compara muito bem com as grandes companhias internacionais.

Qual foi o vosso primeiro hotel internacional e qual a importância?
JT — O primeiro hotel internacional foi Londres, em Chelsea Bridge. Foi muito importante esse passo porque, no fundo, fomos competir numa das grandes cidades europeias, onde estão todas as cadeias internacionais. A concorrência aí é global.

Nós éramos uma marca que, na Europa, só estávamos em Portugal, o nosso país de origem. Termos conseguido, desde o início, ter uma operação que é competitiva, que conseguiu ganhar clientes, conseguiu ganhar o seu lugar de mercado e termos resultados que comparavam bem, foi muito importante para a organização, porque nos deu também confiança, para dar outros passos e ir para outros mercados igualmente concorrenciais.

Estes passos na internacionalização foram fundamentais para o crescimento do grupo e para o nível de competitividade que hoje tem.

A vossa taxa de ocupação está próxima dos 70%, ao nível global, mas na Madeira ainda é maior. Como explica?
JT — A Madeira beneficia do facto de não ter praticamente sazonalidade. Tem dois meses relativamente mais baixos: dezembro e janeiro.

A Madeira tem feito um esforço muito grande de ir procurar transporte aéreo alternativo, através das chamadas low cost, que é hoje um dos fatores que mais dinamiza o turismo. Ao conseguir ligações ponto a ponto, sem ter de passar por Lisboa, para uma série de destinos europeus, isso tem feito aumentar o número de turistas na Madeira.

E faz outra coisa, que é reduzir o custo do transporte aéreo, logo, o custo total da viagem, que inclui o transporte aéreo e também os hotéis. Isso dá mais liberdade aos hotéis para poder aumentar o preço. Se eu tenho uma poupança significativa naquilo que é o custo do transporte aéreo, não me importo de estar a pagar mais em termos da hotelaria.Tem sido o destino onde temos conseguido aumentar mais os resultados.

Há, neste momento, algum mercado que seja mais preocupante?
JT — Sim. Se compararmos com o pré-pandemia, a África Subsariana ainda não recuperou para os níveis que tínhamos. Isso inclui São Tomé, Moçambique, a África do Sul, com o Kruger.

O Brasil está a recuperar agora os valores que tinha na pré-pandemia. Demorou mais tempo, assim como a Argentina. Há destinos que ainda não recuperaram tanto. Felizmente, em Portugal e nas cidades europeias essa recuperação já se deu.

O grupo emprega mais de 5 mil pessoas. Qual é, de momento, o maior desafio?
JT — Há destinos que são claramente sazonais, como o Porto Santo e o Algarve. Há hotéis que fecham no inverno e depois só abrem no verão.
Em Portugal, em 2020 e 2021, o turismo esteve fechado. E, ao fechar, nós no Grupo Pestana não despedimos, mas também não mexemos nas condições das pessoas. Também não havia remunerações variáveis porque não houve turismo.Houve dois anos de estagnação.

A partir de 2022, o turismo retomou e felizmente conseguimos retomar bem a nossa atividade e ter bons anos como 2023, por exemplo, que foi claramente o nosso melhor ano, e 2022 já tinha sido melhor do que o próprio 19. Portanto, imediatamente, o que fizemos foi começar a repor o rendimento das pessoas. Nesse sentido, em Portugal, o ano passado, aumentámos em termos médios 12% os salários, bastante acima da inflação, e para os níveis salariais mais baixos, que estavam inferiores a 1300 euros, a média foi de 20.

Além disso, também retomámos a distribuição de resultados e, por isso, em termos médios, o trabalhador Pestana, em vez de 14 salários, que são aquilo que está na lei, o ano passado auferiu cerca de 16.

Todos os sectores se queixam de falta de pessoas. Nesse caso é melhor remunerar melhor quem está?
JT — Exatamente. Quando os sectores de atividade recuperam e criam mais riqueza, há depois também mais riqueza para distribuir e é isso que permite depois fazer este aumento salarial. Obviamente que esse aumento salarial era a reposição destes dois anos que tínhamos parado, mas também era para poder ter boas pessoas no mercado e ter os recursos que são necessários.

Nós temos de recrutar entre 600 e 800 pessoas por altura de fevereiro, março, para a época da alta e depois vai até outubro. Todos os anos temos de o fazer, temo-lo conseguido fazer, mas porque também conseguimos ser uma empresa que é apelativa para o mercado de trabaho. Além destas condições remuneratórias fazemos muita formação, temos programas, as pessoas beneficiam no Grupo Pestana de 50% nas férias próprias que façam dentro do Grupo.

Sou daqueles que defendem que hoje são as pessoas que escolhem as empresas onde querem trabalhar e não as empresas que andam a escolher as pessoas. As empresas, uma das tarefas que têm é criar um quadro em que sejam apelativas para que possam ser escolhidas pelos trabalhadores. É isso que tentamos fazer no Grupo Pestana.

Tem 11.763 quartos e mais de 3,5 milhões de clientes anuais. Quais são as perspetivas de crescimento nos próximos tempos?
JT — Felizmente, em Portugal temos crescido mais pelo valor, pelo preço, do que pela quantidade. Se bem que Portugal tem crescido também em termos de quantidade. E crescer em termos de valor é muito importante, porque uma das críticas que se faz ao setor do turismo, que tem sido claramente o motor da economia portuguesa, é que é um setor que tem muito pouco valor acrescentado.

A subida de preço é muito importante, mas, às vezes, é confundida com “os portugueses estão a pagar muito mais e depois deixam de ter dinheiro”. A subida de preço, muitas vezes, vem da mudança de canal para as empresas, porque há canais de distribuição que são muito caros para as empresas quando são terceirizados.

O que temos feito, e isso tem sido um trabalho que também é um dos grandes desafios que temos tido nos últimos anos e que vai continuar, é a transição digital. Antes, a forma como se fazia turismo era através dos packages turísticos, em que havia operadores que montavam, tinham o avião, tinham os transferes e tinham a contratação connosco, os hotéis. E essa contratação era feita um ano antes com preços que depois já não mexiam.

Hoje, com o comércio digital, seja através de canais diretos, seja através das plataformas digitais, a Booking.com ou a Expedia, por exemplo, isso traz-nos muito mais flexibilidade em termos do preço. Se os mercados estão a correr bem, temos a possibilidade de, praticamente todos os dias, fazer o ajustamento em função daquilo que é o mercado. E se conseguimos, então, passar das plataformas terceirizadas para aquilo que são os canais diretos, também temos, sem o cliente estar a pagar mais, a possibilidade, no fundo, de estar a ganhar.

Esta transição digital implica ter instrumentos que permitam conhecer o mercado, os nossos clientes, os seus hábitos e conseguir comunicar com eles para lhes fazer a oferta certa no momento certo.

Isso é um trabalho que temos vindo a fazer. Implica muito investimento em termos de tecnologias e de equipas, mas depois permite, no fundo, rentabilizá-lo e fazer o aumento em termos daquilo que é o nosso preço médio de venda e da nossa rentabilidade.

A previsão para o setor do turismo é na mesma de mais crescimento? Às vezes, há alguns receios de que têm um peso excessivo na economia e na sociedade…
JT — Sim, é de crescimento. Acho que o turismo não tem um peso excessivo na economia. A pena é não haver outros setores de atividade que consigam esta dinâmica e crescimento que o setor do turismo tem conseguido. Não é por termos conseguido este crescimento no setor do turismo que os outros não se desenvolvem, não são diretamente concorrentes entre si. E era importante para a economia portuguesa.

O turismo é um mercado global e Portugal consegue ter essa competitividade ao nível global. Se olharmos para aquilo que são as políticas económicas dos diferentes países, a larga maioria está a apostar no turismo, até porque é um setor que traz impostos pagos no país de destino. Apesar de ser um serviço, a maior parte dos clientes são internacionais, mas pagam, por exemplo, o IVA aqui. Além disso, também já se paga a taxa turística.

Isto é um setor que em termos de rendimento para a economia global é bastante importante. É pena em Portugal não haver outros setores de atividade com esta dinâmica. Mas não é preciso diminuirmos o turismo para haver outros com essa dinâmica, portanto, o importante é fazer crescer os outros.

À minha maneira

Qual é o seu estilo de gestão e liderança?
JT — Gosto de escolher pessoas para trabalhar comigo que sejam melhores do que eu, que me ensinem e que me tragam coisas novas. Depois tenho de deixar é que essas pessoas tenham capacidade para desenvolver a sua atividade. Se temos equipas boas e depois a seguir estamos sempre a cortar-lhes o seu caminho e a condicioná-las, não interessa.

Costumo dizer que o meu estilo de gestão é ser um facilitador, para que cada um possa desenvolver a sua atividade no melhor. Um líder que quer facilitar o trabalho das diferentes pessoas que trabalham no grupo e deixá-las, no fundo, desenvolver-se, quer do ponto de vista profissional, quer no seu campo pessoal.

Obviamente, há momentos em que isso não é possível. Por exemplo, quando tivemos a pandemia em 2020 e 2021, numa empresa como a nossa, que em 15 dias fechámos os 100 hotéis que tínhamos na altura, em que grande parte dos nossos trabalhadores foi para casa, sem poder trabalhar,
não havia nada para facilitar.

Tinha de ser muito mais dirigista. Era quase um estilo de explicar que há um caminho, que tínhamos meios para ultrapassar essa grande crise e que tínhamos uma estratégia depois para voltar ao mercado.

Acho que os estilos de gestão se adaptam um bocadinho àquilo que são também os momentos da vida das empresas. Uma pessoa que está na liderança tem de ter essa capacidade de adaptação.

Sim, conseguimos

Quais as maiores adversidades que enfrentou e como é que as ultrapassou?
JT — A família Pestana tem passado mais dificuldades do que eu, porque fundou o grupo em 1972. Na altura, um hotel era um investimento pesado e depois veio a revolução em 74. Para quem tinha acabado de investir e tinha uma parte em financiamento, como os juros saltaram de 7% a 8% para 30% ou 40%, foram momentos difíceis. Mas conseguiu dar a volta.

Desde que estou no grupo, a partir de 2000, há dois grandes momentos. Um é a chegada da troika, quando Portugal tem a crise financeira de 2012. Os bancos são obrigados a reduzir o crédito. Estávamos numa fase de grande crescimento, tínhamos um nível de dívida apropriado, só que os bancos vieram dizer: “Não vamos poder reduzir o crédito às empresas más, porque senão entram em falência, nem às médias, senão as médias ficam más.”

Portanto, são as empresas que têm a possibilidade de pagar aquelas a que estamos a pedir a redução do crédito. Se não tivéssemos internacionalizado e se não tivéssemos a capacidade de ir a mercados internacionais para nos financiarmos, tínhamos passado dificuldades.

O segundo, obviamente, e muito maior, foi o momento da pandemia. Quando acontece a uma empresa como a nossa, que estava diversificada… Dionísio Pestana, o nosso presidente e acionista, sempre teve uma preocupação, que era a diversificação. E a diversificação, para ele, eram vários negócios, além da hotelaria, os tais Residence, também o golfe, etc., e também a diversificação geográfica, o estarmos em resorts, em cidades, estarmos na Europa, nos Estados Unidos da América, África, depois aqui em Portugal também em vários destinos, ou seja, havia esta… O que não esperávamos era uma crise que afetasse o setor do turismo todo, isto é, fechámos tudo, tivemos as operações praticamente todas fechadas, tivemos ali meses em que não entrava um euro em termos de vendas.

Obviamente, a empresa tinha capacidade, tinha músculo, porque uma das características foi nunca dar passos maiores do que as pernas, e, portanto, tinha músculo para aguentar algum tempo. Lembro-me de fazermos simulações de quanto tempo aguentaríamos com tudo fechado, aquilo dava-nos alguns meses de folga, e, nesse sentido, havia obviamente essa preocupação, mas a preocupação também maior era como é que nós, na altura tínhamos à volta de 2500 pessoas, éramos um bocadinho mais pequenos, mantínhamos o ânimo nestas 2500 pessoas, quando a maior parte estava toda em casa, sem fazer nada.

LFL — Uma gestão bastante difícil.

JT — E, portanto, como é que as mantínhamos ligadas à organização e com vontade de, quando reabríssemos, voltarem novamente a trabalhar com o ânimo que é o normal das pessoas que trabalham no grupo. Isso foi o momento, se calhar, mais delicado em termos de gestão, foi enfrentar esse tempo da pandemia, e depois a retoma.

As pessoas quando retomaram, lembro-me do primeiro hotel que reabriu, as pessoas estavam, ao princípio, muito receosas. Além das medidas com que se reabriu, a gente hoje esquece, mas eram filas para fazer o check-in, de metro e meio em metro e meio, as pessoas nos bufês do pequeno-almoço e das refeições a terem de usar pinças, cada uma com a sua, tudo com máscaras… e ter retomado a atividade dessa maneira e ter dado confiança a quem trabalhava connosco e confiança aos nossos clientes… foram os momentos mais difíceis da retoma. Hoje tudo isso parece que se passou há séculos, mas foi há três anos.

Portugal 2043

Como é que imagina o país dentro de 20 anos?
JT — Gostaria de ver um país que tivesse o setor do turismo importante, mas que tivesse também outros setores de atividade que dessem a oportunidade de crescermos enquanto sociedade e de melhorarmos as condições de vida.

O país falhou na criação de riqueza que pudesse ser distribuída. Portugal não cresceu em termos económicos e isso implicou nos salários das pessoas. Falta-nos uma economia mais dinâmica, mais forte, com maior criação de riqueza e que permita depois que essa riqueza seja distribuída e que a vida das pessoas seja melhorada. Era isso que eu gostava de ver.

Isso implicaria alterações em termos fiscais?
JT — A fiscalidade é importante, principalmente para a atração do investimento estrangeiro. Estamos inseridos no mercado europeu, que é um mercado aberto. Há concorrência entre Estados sobre a parte da fiscalidade. Há várias economias que têm crescido muito à conta da sua competitividade fiscal: o caso da Irlanda, da Holanda ou Países Baixos, do Luxemburgo, de Malta, de Chipre.

São países europeus que jogam com as mesmas armas que nós, que estão dentro do mesmo mercado, mas conseguem, através da competitividade fiscal, crescer muito mais do ponto de vista económico e ter, depois, maiores receitas fiscais.

Portugal também tem de evoluir mais na desburocratização, pois os custos contextos são enormíssimos para empresas. É muito mais fácil abrirmos hotéis fora de Portugal do que conseguirmos aprovar aqui projetos. Nós somos daqueles que compramos terrenos, aprovamos projetos, construímos, gerimos e exploramos.

Em Portugal, este tipo de projetos demora muitíssimo. Isso, obviamente, afasta ou atrasa aquilo que é o investimento.

Se isto é verdade para o setor hoteleiro, que é aquele setor em que nós vivemos, o turístico, quando falamos com os nossos colegas em associações, até multissetoriais, eles enfrentam as mesmas questões.

Muitas das melhorias ou das inovações que querem implementar em termos das suas atividades económicas e que são importantes para ganhar competitividade, também elas estão sujeitas a uma série de autorizações e de burocracia que as atrasam e, consequentemente, que fazem atrasar as empresas em Portugal. E quando o mercado é global, então eu faço isso lá fora. Vou fazer noutro país ao lado, faço noutro país europeu. Nem preciso de sair da Europa.

Isso, obviamente, atrasa a economia portuguesa. Portanto, temos de fazer a redução dos custos de contexto e acreditar mais nas pessoas. Temos sistemas demasiado fiscalizadores e muita regulação, mas depois, às vezes, pouca fiscalização. Se calhar, era preciso ao contrário, acreditar mais nas pessoas, deixar que as pessoas façam e depois, sim, se não for dentro das normas, ter instrumentos para penalizar quem infringe.