Quando, em 1993, uma dezena de pessoas criou uma pequena organização, a que chamaram “Transparency International” (TI), sedeada em Berlim, a cidade onde os muros acabavam de ser destruídos, para combater a injustiça da corrupção, não imaginavam que aquele núcleo de operações viria a converter-se numa ONG Internacional de incontornável referência no palco mundial. Unia-os um reconhecido percurso profissional de responsabilidade em várias áreas, dos Governos aos Tribunais; dos negócios a agências técnicas; da inteligência militar ao Banco Mundial e separavam-nos geografias de quatro continentes, num mundo que se adivinhava globalizado num contexto pré-internet.
Sabiam que a corrupção era um tema tabu na época. Conheciam, de experiência feita, que a corrupção é um obstáculo ao desenvolvimento social e económico dos países (todos os anos mais de mil milhões de USD era pago em subornos). Sabiam que a corrupção reduz o Investimento tanto nos países desenvolvidos como em desenvolvimento, sendo que um país corrupto comparado com um país não corrupto poderia ser até 20 por cento mais caro. Sabiam que a corrupção mina a democracia, que um em cada três países não tinha sistema de regulação política do financiamento dos partidos. Sabiam que haviam cada vez mais indícios de corrupção generalizada no judiciário em muitos países e que a corrupção judicial compromete o Estado de direito e a legitimidade do governo. Um sistema judicial corrupto compromete a capacidade de uma sociedade para travar a corrupção.
Sabiam que não existia uma convenção mundial destinada a travar a corrupção, nem uma forma de medir a corrupção ou o seu impacto à escala mundial. E tinham clara consciência que seria necessário um forte compromisso político para combater a corrupção. Peter Eigen, o alemão reformado do Banco Mundial, por muitos considerado “o fundador”, dava o mote do compromisso em máximas como a que proferiu no 25º aniversario da TI “As pessoas devem estar conscientes de que podem mudar um sistema corrupto.” A Convenção contra a Corrupção deveria entrar em vigor o mais rapidamente possível!
Dois anos depois da fundação da TI, em 1995, é criado o Perception Corruption Index (CPI). Não existindo nenhum indicador que consiga medir a corrupção a nível nacional de forma objetiva, direta e exaustiva, o CPI baseia-se em opiniões informadas de stakeholders relevantes sobre corrupção no setor público, geralmente correlacionadas com indicadores objetivos. A pontuação de cada país é calculada a partir de, pelo menos, três fontes de dados extraídas de 13 diferentes inquéritos e avaliações de corrupção. Estas fontes de dados são recolhidas por uma variedade de instituições internacionais, como o Banco Mundial e o Fórum Económico Mundial. O processo de cálculo do CPI é revisto regularmente para garantir que é tão robusto e coerente quanto possível. A mais recente atualização foi feita pelo Centro Comum de Investigação da Comissão Europeia em 2017 . O CPI é a principal leitura de corrupção do setor público a nível mundial. Como combina diferentes manifestações de corrupção num indicador globalmente comparável, fornece uma imagem mais abrangente da situação num determinado país do que cada fonte considerada separadamente.
Em 2023, a média global dos 180 países mantém-se inalterada em 43 pelo décimo segundo ano consecutivo, com mais de dois terços dos países a pontuarem abaixo de 50. Este facto indica graves problemas de corrupção. Na lista, Dinamarca (90) lidera o índice pelo sexto ano consecutivo, com a Finlândia e a Nova Zelândia a seguirem-se de perto com pontuações de 87 e 85, respetivamente. Devido ao bom funcionamento dos sistemas de justiça, estes países encontram-se também entre os primeiros classificados no Índice do Estado de Direito. A Somália (11) ocupa os últimos lugares do índice. Todos eles são afetados por crises prolongadas, na sua maioria conflitos armados.
Em termos da Europa Ocidental e União Europeia (UE), a pontuação média do Índice de Perceção da Corrupção, de 65 em 100, desceu pela primeira vez numa década. Apesar de continuar a ser a região com melhor pontuação no IPC, as medidas anticorrupção robustas continuam a ser prejudicadas pelo enfraquecimento dos controlos e equilíbrios. A erosão da integridade política contribui para diminuir a confiança do público na capacidade dos países para enfrentar os atuais desafios da região. O IPC 2023 revela que os esforços anticorrupção estagnaram ou diminuíram em mais de três quartos dos países da região. Entre os 31 países avaliados, apenas seis melhoraram a sua pontuação, enquanto oito diminuíram desde 2012. Várias democracias de topo, incluindo a Suécia (pontuação IPC: 82), os Países Baixos (79), a Islândia (72) e o Reino Unido (71), registaram as pontuações mais baixas de sempre. Nomeadamente, o Reino Unido registou uma descida de seis pontos nos últimos cinco anos. A Dinamarca (90), a Finlândia (87) e a Noruega (84) estão no topo da classificação do IPC, enquanto que os países com resultados mais baixos são a Hungria (42), a Roménia (46) e a Bulgária (45).
Portugal, obteve 61 pontos, fixando-se na 34ª posição dos 180 países. Volta a igualar a pontuação registada em 2020, a pior registada desde 2012, continuando abaixo do valor médio da sua região. É um dos países da Europa em que se registam falhas ao nível da integridade na política. Para a Transparency International, o facto de Portugal ter mergulhado numa crise política quando o Primeiro-Ministro se demitiu, no âmbito da “Operação Influencer“, é um exemplo de como os escândalos de integridade política persistem, salientando a necessidade de serem reforçadas as regras relativas aos conflitos de interesses, às normas éticas e à transparência no exercício de funções públicas e nas atividades de lobbying.
Os resultados do Índice de Perceção da Corrupção 2023 evidenciam, relativamente a Portugal, que não basta a um país ter uma Estratégia Nacional Anticorrupção, é fundamental que esta seja efetiva no combate à corrupção. Quando os cidadãos em geral e as organizações internacionais não percecionam, ou não encontram evidências, do impacto das leis e dos mecanismos existentes, não conseguem confiar nos governos e nas instituições. Existe um interesse público significativo em garantir a transparência e integridade, bem como a responsabilização dos detentores de cargos públicos e políticos relativamente a políticas e legislação promulgadas. Tal como há 30 anos atrás, não bastam promessas para combater a corrupção. Não bastam discursos. Nem mesmo quadros regulamentares. É preciso um compromisso forte. É preciso ter uma ação eficaz.