A história repete-se? 880 anos de história de Portugal convidam-nos a reflectir sobre lições de liderança passada que podemos capitalizar no nosso futuro. Os líderes de hoje precisam conhecer a história para aprender com ela, algo bem mais útil do que repeti-la.
No mundo corporativo, todos conhecemos casos de líderes que se focam em “descobrir” algo verdadeiramente novo, nunca tentado antes, onde não existe um mapa com instruções. Também conhecemos líderes que se fixam em “capitalizar” sobre descobertas anteriores, maximizando a monetização dos proveitos, sejam próprios, sejam para a organização. É normal que o contexto dite onde o líder pode estar, mas se o líder tiver um grau de autoconhecimento profundo pode perceber onde pode ser mais feliz.
Todos sabemos que Vasco da Gama foi o primeiro português a chegar à India e Pedro Álvares Cabral o primeiro (documentado) a chegar ao Brasil. Mas quantos de nós conhecem as aventuras de Diogo Cão ou Bartolomeu Dias? Eles são os verdadeiros heróis das Descobertas – navegavam sem mapa, sem informação prévia, em direção ao “fim do mundo”, de acordo com os Clássicos. A acreditar na concepção do mundo de Ptolomeu, não voltariam. E, no entanto, mudaram o paradigma! Efectivamente, Bartolomeu Dias fecha a primeira fase “exploratória” do plano português, enquanto Gama e Cabral capitalizam nas descobertas anteriores e marcam a segunda fase de “expansão” e início da conquista do novo mundo (já com mapas da costa, ventos e correntes).
O caso de Bartolomeu Dias
A 3 de Fevereiro de 1488 (faz amanhã 536 anos), Bartolomeu Dias tornou-se o primeiro navegador a passar o Cabo da Boa Esperança no extremo sul de África, provando assim a continuidade oceânica e revolucionando a compreensão geográfica do mundo à época, baseada na concepção Ptolomaica.
Bartolomeu Dias embarcou na sua viagem histórica em 1487, por ordem do rei João II de Portugal. O objetivo era descobrir uma rota marítima para a Índia, contornando a África, para aceder diretamente às ricas rotas de comércio de especiarias e outros produtos de luxo da Ásia, sem ter que atravessar territórios controlados pelos muçulmanos.
Bartolomeu Dias partiu de Lisboa com três pequenos navios. Navegaram ao longo da costa oeste da África, fazendo várias paragens ao longo do caminho para reabastecer, recuperar e fazer reparos nos navios. A partir do último local onde tinha estado Diogo Cão (algures perto da fronteira actual entre Angola e Namíbia), não havia mapas, sinais ou conhecimento prévio, tendo o Navegador de usar da sua liderança para motivar a tripulação.
No final de janeiro de 1488, enfrentaram uma grande tempestade que os empurrou para o sul por 13 dias, perdendo a linha de visão da costa africana. Quando a tempestade diminuiu, Bartolomeu Dias aproveitou os ventos da Antártida e navegou para nordeste até encontrar terra, percebendo então que haviam contornado a extremidade sul da África. O Navegador batizou essa extremidade como “Cabo das Tormentas”, devido à tempestade que enfrentara, mas a denominação mudaria mais tarde para “Cabo da Boa Esperança” por decisão do rei Dom João II, pelo seu significado de representar a esperança de uma rota para a Índia.
Depois de continuar a exploração ao longo da costa leste da África, e com a tripulação cansada e com medo, Bartolomeu Dias decidiu colocar a decisão de regressar nas mãos dos capitães e pilotos. Após uma breve discussão, iniciaram o regresso, chegando a Lisboa em dezembro de 1488.
Apesar do seu feito, Bartolomeu Dias teve de esperar. Desde logo, Dom João II precisava de garantir a monetização da sua descoberta, algo só conseguido com a assinatura do Tratado de Tordesilhas em 1494. Com a sua morte em 1495, o novo rei, Dom Manuel I, tem de atender a equilíbrios do reino, em prol dos nobres, e escolhe as famílias Gama e Cabral, em vez de uma cultura mais meritocrática do seu antecessor.
Terá Bartolomeu Dias sentido a despromoção que Dom Manuel lhe fez ao não o escolher para capitanear a frota que chegou a Índia com Vasco da Gama? Nunca saberemos, mas, no fim, era um súbdito fiel e manteve-se ao serviço da coroa.
Em 1500, Bartolomeu Dias morre às mãos do Adamastor que tinha dobrado uns anos antes, ao tentar chegar à India com a frota de Cabral. Mas o que ele conseguiu naquele dia 3 de fevereiro foi dar início à era da globalização que hoje vivemos. Foi um precursor de um novo tempo, um homem que revelou a forma e reais dimensões do mundo onde vivemos. Bartolomeu Dias é o “Capitão do Fim” (segundo Fernando Pessoa), o fim da terra africana, o fim do mundo concebido pela antiguidade e idade média.
Descobrir vs. Capitalizar
Bartolomeu Dias é relativamente menos conhecido como líder em comparação com o Vasco da Gama ou Cabral por vários motivos:
1. Timing: A expedição de Vasco da Gama à Índia ocorreu após a viagem de Bartolomeu Dias ao redor do Cabo da Boa Esperança. O sucesso de Gama veio logo após a jornada pioneira de Dias, que ofuscou as conquistas deste último. O momento das suas expedições e o subsequente impacto da viagem de Gama no comércio global contribuíram para o seu maior reconhecimento.
2. Narrativa: O Infante Dom Henrique e Dom João II receberam os créditos pela conceptualização dos Descobrimentos, Vasco da Gama ficou conhecido mundialmente por ter chegado à India por mar, mas foi Bartolomeu Dias quem logrou o feito que transformou a ideia em realidade. A narrativa não é sempre justa ou completa.
3. Promoção: A expedição de Da Gama gerou uma riqueza de documentação, incluindo relatos escritos, mapas e relatórios oficiais, que ajudaram a divulgar e estabelecer o seu legado. Em contraste, a documentação relativa à viagem de Dias é comparativamente limitada (até pela política de segredo de Dom João II).
4. Impacto: A viagem de Vasco da Gama teve implicações políticas significativas, pelo que veio capitalizar. Estabeleceu firmemente a influência e o controlo portugueses sobre os principais entrepostos comerciais e iniciou a era do domínio português no comércio do Oceano Índico. Com Bartolomeu os portugueses descobriram finalmente que a rota costeira era impraticável, estando a solução na volta em arco ao largo da Costa africana – mas isso foi só um instrumento, não o objectivo final (chegar a Índia).
5. Celebração: As realizações de Vasco da Gama tornaram-se profundamente enraizadas na identidade portuguesa e ele é celebrado como um herói nacional. Em contraste, o reconhecimento de Bartolomeu Dias tem sido relativamente moderado na cultura popular e na memória pública, apesar de ser respeitado nos círculos históricos e na Marinha.
Epílogo
Existe uma dicotomia na liderança corporativa, destacando-se líderes que buscam descobrir territórios inexplorados e aqueles que capitalizam em descobertas anteriores. A analogia pode ser feita com os navegadores portugueses durante a Era das Descobertas, nomeadamente Bartolomeu Dias. Em 1488, este Navegador contornou o Cabo da Boa Esperança, abrindo uma nova rota marítima para a Índia. No entanto, apesar do seu feito revolucionário, ele recebeu menos reconhecimento (pessoal, histórico e monetário) em comparação com Vasco da Gama e Cabral devido ao timing, ênfase narrativa, promoção do sucesso, impacto político-económico e celebração do feito. Sugerimos ao leitor que a liderança eficaz envolve a compreensão do contexto e a capacidade de “descobrir” ou “capitalizar” conforme a situação, independentemente de posteriormente construir uma narrativa vencedora e com impacto, ressaltando sempre a importância do autoconhecimento para a felicidade do líder.