2024: reformar para transformar

É preciso falar mais do futuro do que passar o tempo a acertar contas com o passado.

O ano de 2023 fechou com uma inesperada e surpreendente crise política e a caminho de eleições. Um dos temas centrais do debate tem sido as “contas certas”. Trata-se de um tema que divide os espectros da política quanto à substância e ao propósito. No entanto, ele representa o eixo central de segurança do país no que se refere à sustentabilidade do seu modelo de estabilidade social, económica e política.
Perdemos já demasiado tempo na corrida pelo desenvolvimento em busca de melhores qualificações, melhores empresas, melhores rendimentos e, sobretudo, mais direitos. Uma economia forte, dinâmica e livre de espartilho externo é condição necessária para que o país se torne mais competitivo.
A melhor forma de sairmos do infindável círculo de pobreza e de baixos salários está na aposta no crescimento forte e sustentado da economia, fazendo de Portugal a primeira escolha para o desenvolvimento de projetos de vida para os nossos jovens e atraindo, ao mesmo tempo, imigração qualificada nas diferentes gerações.
A condição de país pequeno não significa, necessariamente, limitação ao crescimento, nem condenação ao empobrecimento. Portugal tem uma constelação de fatores ambientais, sociais, económicos, geográficos e políticos que lhe conferem potencial de transformação e de atração externa.
A aposta numa economia de base tecnológica, centrada numa forte ligação entre ciência e valor, pode posicionar o nosso país na linha da frente dos países mais pequenos. Uma economia ancorada na inovação e no conhecimento que promova bem-estar, redução das desigualdades e diferenciação pelas melhores práticas.
Os bons exemplos alcançados na área do ambiente e das energias renováveis, a par do sucesso de importantes clusters de investigação, devem constituir o mote para o desenho de uma estratégia de desenvolvimento, a médio prazo, que privilegie o ensino, a investigação, a formação, as qualificações e o desempenho associado ao reconhecimento do mérito.
Sendo certo o peso da transição demográfica na definição do perfil de país para as próximas décadas, importará também encarar este fenómeno como uma nova oportunidade de desenvolvimento económico. É decisiva a aposta na integração dos mais velhos nas funções sociais e produtivas através da atribuição e do reconhecimento de novos papéis cujo contributo para a sociedade se estende muito para além da vida profissional ativa. O país tem tudo a ganhar com políticas públicas de apoio à diversidade e à integração multigeracional.
Neste contexto de transformação, a transição climática, enquanto desafio global, representa uma das maiores oportunidades para o nosso país na trajetória definida para a redução das emissões de carbono, a promoção das fontes de energia renovável e a proteção dos recursos naturais. O caminho percorrido neste domínio, nas últimas décadas, faz prova da nossa capacidade em sermos rápidos e competitivos na capacidade de inovação de processos.
Portugal compara hoje com os melhores nesta área, em resultado da definição de um horizonte estratégico, do envolvimento multissetorial, da convergência das iniciativas e de um forte ambiente colaborativo entre estado, empresas e universidades. É, por isso possível, noutras áreas recuperar o atraso e chegar mais rapidamente ao pelotão da frente.
Bastará um rumo estratégico firme, consistência das políticas, rigor orçamental e aplicação dos incentivos adequados para que o caminho seja percorrido com sucesso. Para além da estabilidade política, será fundamental um ambiente favorável à inovação. As políticas públicas terão de ter como matriz a ambição de reformar para transformar.
É urgente libertar o país da burocracia centrípeta que teima em capturar o desenvolvimento e a consumir recursos necessários para outras finalidades de maior utilidade social. Em tempo de eleições, fica o desafio para que os diferentes atores políticos assumam compromissos sólidos para garantir a transição, urgente e necessária, do país para o território do desenvolvimento sustentado.
A criação de valor, pelo lado da economia, será a melhor forma de proteger as funções sociais do Estado sem que para isso seja necessário um esforço fiscal desproporcionado limitador, por si mesmo, de um crescimento mais forte da economia e do investimento público.
Mais do que uma renovação geracional dos políticos, o país precisa de uma transformação das políticas com os olhos postos no futuro. As políticas e as práticas resistentes à mudança, receosas do futuro, mais não farão do que conservar os atrasos. O tempo da abundância dos fundos comunitários parece estar a terminar. Temos de alcançar rapidamente os níveis de autonomia estratégica e económica que nos permitam ganhar o tempo perdido.
Para tal, é preciso falar mais do futuro que passar o tempo a acertar contas com o passado. Este será o grande desafio para 2024, para o novo governo e para o novo parlamento. Nos 50 anos de celebração da Democracia, o país espera poder voltar a sonhar com a liberdade, mas também com a dignidade das condições de vida, do bem-estar e da realização pessoal.
Esperamos que 2024 nos traga essa oportunidade.

Professor e ex-ministro da Saúde