PRR: “Houve incompetência política do Ministério da Agricultura”

Em debate, Francisco Gomes da Silva, professor do Instituto Superior de Agronomia e administrador da Agro.Ges, e Eduardo Oliveira e Sousa, engenheiro agrónomo e ex presidente da CAP.

Os governos têm apostado na transição da agricultura convencional para a agricultura de futuro, mais sustentável ou regenerativa? Em debate, Francisco Gomes da Silva, professor do Instituto Superior de Agronomia e administrador da Agro.Ges, e Eduardo Oliveira e Sousa, engenheiro agrónomo e ex presidente da CAP.

Francisco Gomes da Silva: “A agricultura regenerativa melhora o cuidado com os solos”

É um sim, “mas”. É um Sim, no sentido em que, nos últimos 10-15 anos, tem havido um conjunto de sinais políticos de que a agricultura deverá percorrer um determinado caminho que vai ao encontro dos conceitos em torno de uma agricultura que visa regenerar alguns recursos que utilizamos na tecnologia agrícola. Nesse sentido é um sim. O “mas” tem que ver com, primeiro, alguma tibieza, não sei se é o termo correto, mas pelo menos alguma falta de clareza com que as propostas políticas são apresentadas e um pensamento de fundo que depois não se tem traduzido por parte dos responsáveis políticos em propostas concretas de políticas que fomentem um determinado tipo de escolhas por parte dos agricultores.
Não podemos esquecer que os agricultores são, em primeiro lugar, agentes económicos e respondem, como todos os outros agentes, a um conjunto de estímulos que normalmente fazem parte das políticas públicas. Por outro lado, e aqui um “mas” mais carregado, porque muitas vezes as propostas ou o discurso político que tem existido em torno desta transição é de rutura.
Isto é, dizendo que a agricultura tem de deixar de ser intensiva, por exemplo, no sentido de que não pode usar de forma intensiva os recursos e tem de deixar de ser isso para ser uma coisa completamente diferente. Ora, isto é um erro porque a agricultura tem vindo a fazer, ao longo dos séculos e num zoom para estes últimos 10-20 anos, uma transição baseada na tecnologia que vai ficando disponível, no conhecimento que vai sendo disponibilizado pelos centros de saber, pelas universidades, etc., e os agricultores são quase sempre os primeiros a dar o passo no sentido desses ganhos de eficiência.
Essa transição, essa adoção de práticas que hoje se designam genericamente por agricultura regenerativa, não é mais do que a adoção de um conjunto de tecnologias que permitem que o agricultor seja mais eficiente na utilização dos recursos e, com isso, consiga produzir o mesmo com os mesmos recursos ou produzir mais utilizando recursos proporcionalmente inferiores.
A grande novidade, mais para a sociedade do que para os agricultores, curiosamente, no que diz respeito à agricultura regenerativa, tem que ver com um foco que é hoje dado, e bem, às questões mais ligadas ao solo, à saúde do solo, e àquilo que podemos fazer para melhorar as condições dos nossos solos, de forma que os agricultores possam ser mais eficientes.
Isto é, possam utilizar menos de alguns recursos porque o próprio solo fornecerá naturalmente mais desses recursos. Portanto, é um sim no conceito e é um “mas” bastante carregado naquilo que têm sido as práticas políticas mais comuns.

Eduardo Oliveira e Sousa: “Há uma deficiência técnica dos governos na agricultura”

Creio que é um não “mas” e vou tentar dizer porquê. O Francisco explicou na perfeição aquilo que é a visão da necessidade de haver uma evolução para uma agricultura com contornos de preocupação ambiental e de salvaguarda dos recursos, mas a sua pergunta inicial era muito dirigida no sentido de saber se os governos, em particular os últimos governos e aqueles que eu acompanhei, foram proativos num apoio expressivo a uma transição para uma agricultura com contornos de evolução mais avançados.
E aí lamento dizer que, de facto, não creio que tenha havido uma aposta significativa nessa transição na prática. Houve na teoria. O Francisco acabou também por dizê-lo, mas, na prática, o Governo acabou por ser muito vulnerável a pressões de caráter ideológico que se vêm afirmando na sociedade, muitas das vezes ou a maioria das vezes, desligado do verdadeiro problema que é o da agricultura enquanto fornecedora de alimentos para uma população carente na sua totalidade, porque há muita gente com fome no mundo e uma população que está a crescer.
Devido a pressões que, às vezes, se afastam das questões práticas da agricultura, o Governo vê-se numa situação em que não consegue tomar as decisões no caminho certo, pelo menos no nosso ponto de vista. E aí porquê? Porque desvalorizou a técnica ou a evolução da técnica e desvalorizou os agricultores que, manifestamente, mostram ter capacidade para evoluir em termos técnicos na forma como praticam a agricultura.
Portanto, o Governo acaba por dizer que pretende defender uma agricultura mais sustentável, mas depois não apoia, convenientemente, essa evolução, deixando os agricultores um bocadinho entregues a si próprios, a terem de fazer, às vezes, investimentos avultados de uma forma pouco apoiada, por uma ineficácia, por uma ineficiência de todo o sistema que teoricamente existe para apoiar os agricultores, mas que, na prática se veem impedidos de terem acesso a esses apoios porque caem nesta teia burocrática, por um lado, e ideológica, por outro.
Há uma deficiência técnica na chefia dos governos, principalmente do Ministério da Agricultura, que não têm tido capacidade técnica para acompanhar a evolução que a agricultura tem de ter e que não pode, de maneira nenhuma, hoje, evoluir, seja para que caminho for, se não for com uma componente técnica muito forte.

“Verbas do antigo Programa de Desenvolvimento Rural continuam bloqueadas”

Eduardo Oliveira e Sousa

Quando se fala sobre a falta de proatividade de alguns governos ou de alguns titulares da pasta da Agricultura, é porque ficam reféns de agendas ideológicas do lado ecologista? A questão do uso, para sermos concretos, dos pesticidas ou outros?
EOS — O tema dos pesticidas é um bom exemplo porque não é apenas ao nível nacional que esta crítica pode ser feita. Neste momento, estamos perante uma situação de uma certa incongruência, de ter havido, por parte do Parlamento Europeu, uma prorrogação da utilização de um determinado produto químico, que é muito controverso e que mereceria ser debatido fora do “quente” daquelas posturas de que tudo o que é pesticida e químico é mau. Arrastou, numa decisão que tomou, uma evolução tecnológica brutal, que está disponível e cuja utilização acabou por ser proibida por não ter havido um consenso em torno de um determinado posicionamento do Parlamento Europeu face à questão dos pesticidas.
Os drones são uma ferramenta associada à inteligência artificial, à digitalização, à utilização de satélites, que introduzem a possibilidade de o agricultor ser quase um cirurgião em determinado tipo de aplicações. Foi proibida a utilização dos drones na aplicação de produtos fitossanitários, que deixariam de ser utilizados de uma forma genérica para passarem a sê-lo em forma micro, porque estão associados à tal aprovação, por exemplo, do prolongamento do uso do glifosato, que é, neste momento, o pesticida com maior visibilidade mediática. A Comissão e o Parlamento aprovaram a sua continuidade por mais 10 anos, enquanto não houver uma alternativa fiável para a substituição desse herbicida. E, por isso, não se percebe como é que os responsáveis políticos, ao nível de ministros e de decisores políticos europeus, não conseguem separar o A do B, separar o sim do não, que, como nós estamos aqui a ver, às vezes são fronteiras muito ténues. Ali deveria ter havido uma decisão técnica que se sobrepusesse a uma decisão política que tinha que ver com um outro assunto e isso não foi feito. Isso passa-se também ao nível da nossa administração, da utilização e da implementação das nossas políticas ao nível nacional.
Como é que é possível, passados tantos anos de aplicação do Programa de Desenvolvimento Rural, o PDR, ainda não estarem desbloqueadas as verbas do programa anterior, uma vez que já estamos na vigência do programa novo que se chama PEPAC [Plano Estratégico da Política Agrícola Comum]?! Essas verbas ainda andam enroladas em falta de decisão, em burocracias absurdas, pesadíssimas, e o tempo vai passando. O tempo ao passar tem um poder corrosivo que é imparável. As coisas, uma vez feitas, estão feitas, e, se forem mal feitas, mal feitas ficaram.

— E isso tem um custo elevado para os agricultores, que não são, na maior parte deles, abonados?
EOS — Não só para os agricultores. Tem um custo elevado para os agricultores que se reflete nas suas contas de culturas, nos seus rendimentos e, se forem negativos, mais dificuldade têm depois para abraçar novas tecnologias, novos parâmetros de desenvolvimento.
Também se reflete na sociedade em geral porque sempre que há agravamentos económicos ao nível dos agricultores, há repercussões diretas no custo dos alimentos. Os alimentos poderiam estar mais acessíveis, em algumas situações, se este encadeamento estivesse mais bem enquadrado — e também na utilização dos próprios recursos. O Francisco falou no solo, mas há outros recursos que é importante serem salvaguardados, nomeadamente as questões relacionadas com a água.
A falta de objetividade, de compreensão técnica e a vulnerabilidade à demagogia e à ideologia, às vezes afastada até dos próprios problemas da agricultura, levam sempre a prejuízos, não só económicos, mas também de carácter ambiental e de salvaguarda dos recursos.

“Os tempos de uma alimentação segura e barata têm os dias contados”

Francisco Gomes da Silva

— [Francisco], pegando precisamente no que estava a referir, no fundo dessa tendência de regeneração e a preocupação com os solos. Estamos a falar de erosão, estamos a falar da questão, por exemplo, de pesticidas, de preocupações mais ambientais? O consumidor agora está mais atento a uma série destas questões, quer de segurança alimentar e de produtos de qualidade. Pode explicar melhor esse argumento?
FGS — Temos de começar a habituar-nos, enquanto sociedade, a que os tempos de uma alimentação segura em quantidade, segura em qualidade e barata à mesa têm os dias contados. A não ser que comecem, de facto, a existir opções de políticas públicas que apoiem efetivamente a transição tecnológica que se pretende que a agricultura vá perseguindo.
Os solos agrícolas, em Portugal, como na generalidade da Europa, não estão em más condições. É evidente que há, marginalmente em algumas zonas, uma degradação dos solos, que pode ocorrer ao nível físico quando falamos, por exemplo, dos processos de erosão. Em Portugal, essencialmente por remoção do revestimento do solo e em zonas mais declivosas, afetadas pela precipitação e alguma mobilização exagerada, acabaram por ocorrer esses fenómenos de erosão. É um ponto onde, na agricultura, de uma forma praticamente generalizada, os agricultores já adotaram práticas de conservação, mais do que propriamente de regeneração, no sentido de proteção do solo, sobretudo durante o período de outono-inverno, em que a precipitação é mais intensa. Para evitar fenómenos de erosão, se o solo estiver coberto, eles são minimizados. É uma dimensão.
Uma outra dimensão, mais marginal ainda, tem que ver com a presença de algumas moléculas químicas provenientes da aplicação de alguns produtos no solo, portanto, em termos residuais. É muito raro isso acontecer. O que acontece, às vezes, com um pouco mais de frequência, é essas moléculas migrarem para os lençóis freáticos por percolação, ou seja, por lavagem dos solos com a precipitação e com a água de rega.

“A sociedade, durante muitos anos, não só ignorou, como maltratou os agricultores”

Francisco Gomes da Silva


A área onde o foco político deveria ser claramente colocado tem mais que ver com a tentativa, já em curso em muitas explorações, de promover o aumento dos níveis de matéria orgânica dos solos. E porquê? Por um lado, porque isso é interessante para a sociedade, no sentido em que o aumento da matéria orgânica nos solos traduz-se num bem público muito querido e que é o aumento da retenção de carbono. É um contributo para o sequestro de carbono e a diminuição dos níveis de carbono na atmosfera, um fim que hoje a sociedade valoriza muito.
Para o agricultor, enquanto agente económico, tem o benefício de que um solo com mais matéria orgânica é melhor do que um solo com menos matéria orgânica. É melhor do ponto de vista estrutural, portanto, as características físicas de agregação das partículas; do ponto de vista da fertilidade, porque retém com maior facilidade determinado tipo de iões,que são depois utilizados na nutrição; do ponto de vista biológico, no sentido em que há a presença de um conjunto de seres microbianos, quer fungos, quer bactérias, que induzem características ao solo que fazem com que, por exemplo, os processos de nutrição das plantas sejam mais eficientes. No limite, melhora a própria sanidade das plantas de forma muito significativa. Neste campo, tem havido um conjunto de demonstrações, mais do que propriamente experimentação, porque nada disto é novo. O conhecimento da agronomia em Portugal e na Europa domina estes conceitos.
Aquilo que é novo é o despertar da sociedade para determinados valores que a sociedade durante muitos anos, não só ignorou como maltratou.

— Como, por exemplo?
FGS — A sociedade entendia que os agricultores eram uns coitadinhos, que ia para agricultor quem não sabia fazer mais nada. A grande mudança na forma como olha para o agricultor, com algum respeito, porque percebe que tem na mão um conjunto de recursos extraordinariamente valiosos, tem pouco mais de 15 anos Foi no pós-crise de 2008, crise alimentar que antecedeu o problema da crise financeira, que a sociedade percebeu que o alimento era produzido pelos agricultores.

“A vulnerabilidade à demagogia e à ideologia levam sempre a prejuízos”

Eduardo Oliveira e Sousa

Até aí, obviamente que sabiam que sim, mas isso era profundamente secundarizado. Há uma palavra que eu tento não usar de todo, que é a palavra sustentabilidade, porque foi de tal maneira abastardada, que foi já mesmo estragada. O termo regenerativo para lá caminha, pelo que é preciso algum cuidado.
O processo de regeneração na agricultura é contínuo. Desde logo, pela natureza da própria atividade, que regenera, anualmente, um ciclo para produzir determinados bens. Aplicada à agricultura nesta transição, a regeneração, por definição, não implica um corte epistemológico com aquilo que se fazia; implica, sim, uma evolução dentro daquilo que são as práticas utilizadas. Esta é a minha leitura.
O grande erro político, e que estes últimos governos não conseguiram de maneira nenhuma fugir dele, foi apresentarem todas estas questões como uma rutura com aquilo que se fazia na agricultura. Nada mais errado. E isto teve que ver com preconceitos claramente ideológicos.
O Governo de 2015 tinha sustentação parlamentar e, portanto, tinha de obedecer a um conjunto de baias ideológicas, mas, depois disso, essas baias poderiam ter desaparecido e, efetivamente, não desapareceram. Tanto não desapareceram que, no PEPAC, isto é, na nova ferramenta de aplicação em Portugal da política agrícola comum, as coisas ficaram muitíssimo aquém daquilo que poderia acontecer nas propostas de medidas de política pública que apoiassem este caminho em que são os agricultores os primeiros interessados em percorrer.


– Há ainda um estigma relativamente à questão da água, nomeadamente o da construção de novas barragens. As pessoas, às vezes, não têm noção de que a água salgada do oceano já chega a Valada do Ribatejo no concelho do Cartaxo.
EOS — São coisas diferentes. A água estar a chegar a Valada pode ter que ver, por exemplo, com alterações do nível do mar, associadas ou não ao impacto das alterações climáticas e ao Tejo ter cada vez menos caudal.
A palavra regeneração está a ser confundida com a palavra recuperação. Regenerar é um processo contínuo, enquanto recuperar é uma pessoa pegar numa coisa que precisa de ser arranjada.
Ao contrário de antigamente, em que um lugar de ministro de Agricultura podia ser ocupado de por uma pessoa quase desligada do meio agrícola, porque era um bom político, hoje, ter uma componente técnica associada à função é fundamental.
Aquestão do PEPAC foi um exemplo. A CAP desenvolveu uma luta tremenda para que o PEPAC tivesse uma construção totalmente diferente e depois saiu aquele documento, comnormas que estão agora a ter de ser emendadas. Isso foi fruto das recentes negociações produzidas já pela nova direção da CAP, que conseguiu um compromisso do Governo para modificar alguns desses erros.
Sobre o tema da água, este final de ano e princípio de ano hidrológico – porque o ano hidrológico começa no final de setembro -, tem sido generoso. Tem chovido e o que é facto é que o Norte, neste momento, já tem as barragens todas cheias. O Sul, em particular, o Sudoeste e o Algarve, na zona do Barlavento, estão altamente carentes, ou seja, ainda estamos em seca numa faixa e numa área substancial do território. E Portugal não é um país muito grande, comparado, por exemplo, com Espanha, que é cinco ou seis vezes maior.
Nós temos, no cômputo geral, água suficiente para minimizar esta carência que está a começar a ser sistemática em determinadas zonas do país. E, outra vez por questões ideológicas, há uma barreira às soluções técnicas que existem para resolver esse problema.

“Temos de encarar a hipótese de levar a água para o Sul”

Eduardo Oliveira e Sousa

— Designadamente a construção de novas barragens?
EOS — A construção de novas barragens e os chamados transvases, deslocar água de um local para outro, etc. A chuva que caiu em Portugal no mês de outubro foi mais do dobro de toda a água que os agricultores utilizaram em todo o ano, em todas as culturas que foram praticadas. Ou seja, a natureza foi generosa para com o país e devolveu ao país uma quantidade de água que colmatou toda a água que foi utilizada, não só pela agricultura, mas também pela indústria e pelo consumo humano, multiplicado por dois, por três ou por quatro.
Agora, pedir à natureza que faça a paparoca toda, ou seja, dizer à natureza, “espere lá, se vai dar a água toda, então dê agora aqui, amanhã dê ali, depois de amanhã dê acolá.” Essa parte temos de ser nós a fazer. Temos de puxar pela nossa capacidade, pela engenharia, temos de puxar pela cabeça. Nós vamos ter mesmo de encarar a hipótese de levar a água para o Sul, mas para a levar ela tem de ser armazenada.
Há sempre aquele mito de que nós queremos interromper o ciclo natural da água. Não, a água pode continuar a correr para o mar, pode continuar a ser excedentária, porque nunca vamos querer arquivar a água toda que cai no território. Temos é que a gerir um pouco melhor e isso implica pegar numa pequena percentagem da água que já choveu e conduzi-la, reservá-la e armazená-la, como se fosse uma despensa para nós utilizarmos quando ela fizer falta. E isso não está a ser feito.
Todos os dias é um tema que abre noticiários. Alimentamos esta ansiedade que é transmitida para a população e aponta-se simultaneamente o dedo aos agricultores que são os maus da fita porque gastam água demais. É mentira. Para já, a água não se gasta. A água tem um ciclo. A água usa-se, muda de lugar, muda de qualidade, muda o seu estado, mas não se gasta. Se nós não tivermos capacidade, inteligência e aplicação técnica, prática, no terreno para fazer esta ginástica, vamos agravar um problema que é um problema associado à desertificação, às consequências das alterações climáticas, ao abandono do território, ao avançar e ao agravamento das condições de seca que têm de ser combatidas com uma gestão conjugada do recurso. A natureza tem sido generosa para nós. Nós é que não temos sido capazes de aproveitar essa generosidade.

— Como é que poderíamos gerir melhor o recurso água?
FGS — Temos de ter maior capacidade de armazenamento. Temos de nos convencer de que temos conhecimento e tecnologia para deslocar a água de um local para outro no país, do sítio onde ela existe para onde ela faz falta.
Temos a tecnologia para o fazer, minimizando extraordinariamente os impactos ambientais que daí decorrem. Portanto, hoje em dia, isso é uma falsa questão. Não há nenhum obstáculo ambiental que nós não tenhamos capacidade tecnológica para ultrapassar. Eu não tenho dúvida nenhuma que nós, daqui por uns anos, vamos ter a barragem de Foz Côa construída. E vamos ter as gravuras protegidas da mesma forma.

— Porque há falta de água em Trás-os-Montes, convém lembrar.
FGS — Também há. A pergunta que os vindouros farão é por que é que as gerações anteriores não fizeram aquilo que podia ser feito para benefício das gerações futuras.
O problema da falta de água, embora pontualmente, já existe. As pessoas já padecem de algumas dessas consequências, nomeadamente quem vive da agricultura e precisa de água. Objetivamente, aquilo que nós estamos a pôr em causa, ao adiar sistematicamente, não é a discussão, é a obra. Quando nós olhamos para aquilo que foram os planos desenvolvidos na segunda metade do século passado, relativamente à água em Portugal, está lá quase tudo. Nós sabemos quais são as cascatas de barragens que podem ser construídas com maior ganho para o armazenamento, quais são os transvases que podem ser feitos ou aprofundados, portanto, não há razão objetiva nenhuma, a não ser algum tipo de “purismo bacoco”.

“Houve uma enorme incompetência política do Ministério da Agricultura”

Francisco Gomes da Silva

— Falta de coragem política?
FGS — Coragem política até nem acho que falte, porque não vejo onde é que tem de faltar coragem…

EOS — É mesmo falta de visão.

FGS — Exatamente. E não ter noção da falta que a água faz em cada local. É a única explicação que encontro.

EOS — Veja o que aconteceu, por exemplo, com a utilização das verbas do PRR [Programa de Recuperação e Resiliência]. É uma oportunidade perdida que não vai repetir-se muito seguramente nos próximos tempos e que não tem uma alocação às questões da agricultura e combate à desertificação do território.
Tudo isso por uma questão que não é entendível e que eu atribuí, obviamente, à fraqueza da capacidade política de intervenção do Ministério da Agricultura, que não soube levantar a bandeira da defesa da agricultura nacional como deve ser, que é a base da nossa sobrevivência.

– E eventualmente por preconceito ideológico?

FGS — Eu acho que, no limite, também.

EOS — E por vulnerabilidade.

FGS — Sim, e por, indiscutivelmente, uma enorme incapacidade e incompetência política do Ministério da Agricultura ao longo destes últimos oito anos. Sobre isso não há qualquer dúvida e a história far-se-á e contará aquilo que se tem passado.