Delta quer triplicar negócios e estar no top 10 mundial

Grupo Delta está presente em 40 países e espera faturar 510 milhões de euros este ano. Rui Miguel Nabeiro quer ir além do legado deixado pelo avô e revela o seu estilo de liderança e gestão neste grupo familiar. E apresenta ideias para o país.

Quantos cafés toma por dia?
Depende dos dias, porque são todos muito diferentes, mas, normalmente, em casa tomo logo dois e assim que chego ao escritório tomo outro. Mal começámos o dia e já vou em três. Ao almoço, ainda tomo mais um. Posso chegar aos seis cafés por dia. É fácil. Agora, por exemplo, estamos a beber um café 100% arábica aqui na Coffee House, mas em casa tomo cápsulas Delta Q ao pequeno-almoço, aí com mais corpo e mais intensidade.

Dá energia para atingir o objetivo de estar nas 10 primeiras empresas de café no mundo?
Não há outra forma, temos de ter a energia suficiente, temos muito para pedalar para conseguir chegar ao top 10 mundial. Essa é a ambição, a visão que temos de conseguirmos escalar 10 posições (devemos estar no top 20) e, para isso, vamos ter de quase triplicar o volume de negócios do grupo.

A estratégia internacional inclui a presença em dezenas de países. O que é necessário para lá chegar?
Se queremos estar no top 10, temos de estar no mundo. Ainda há muitos países onde não estamos e aquilo que é necessário é abrir mais geografias. Dentro daquelas em que já estamos, é conseguir não só alavancar a nossa posição e conquistar quota de mercado, mas também ir introduzindo inovação para fazer crescer as categorias dentro do café em que nós jogamos. Hoje temos uma categoria importante para o crescimento que é a dos ready to drink com a marca Go Chill, com um imenso sucesso em Portugal. Agora, ao fim de dois anos, começámos já a internacionalização deste segmento que vem dos nossos projetos de inovação.

E quer levar as Coffee Houses também lá para fora como Madrid e outras capitais?
Sim, estamos a projetar até ao final de 2023 estar em Madrid, temos tudo muito bem encaminhado, bem como para Paris em 2024. São os primeiros dois passos de internacionalização do conceito The Coffee House Experience, mas que são muito importantes para a construção da marca Delta.

Internacionalização é diferente de exportação. Até há poucos anos, a presença internacional era, sobretudo, pelo lado da exportação. Porquê?
Nos primeiros 30 anos de vida da empresa foi exportação. Enviávamos contentores para a diáspora, para os portugueses lá fora que queriam ter Delta, como fazia a maioria das empresas. Nos últimos 20 anos, temos começado a abrir geografias além de Espanha, que era um mercado natural e onde já estamos há muitos anos, depois França e a seguir Luxemburgo. Ainda antes Angola, um mercado importante e o único sítio fora de Portugal onde produzimos. Por uma razão óbvia: em Angola há café, não fazia sentido estar a trazer e voltar a devolver. Comprámos uma fábrica e foi por isso que lá fomos. O governo angolano convidou-nos para gerir uma fábrica e criámos a marca Ginga, muito acarinhada em Angola. Fazemos um trabalho muito forte junto das comunidades produtoras de café lá.

Também temos duas empresas no Brasil, em São Paulo, uma que gere lojas e outra que gere distribuição, e temos ainda uma pequena empresa em Xangai, que faz importação e venda nas plataformas digitais na China, onde o negócio é puramente online. Acredito fortemente que temos de construir marca; não é só enviar contentores.

A marca e a internacionalização podem ser diferenciadoras nessa estratégia de crescimento, mas, perante os principais concorrentes internacionais, qual é o pitch para vender o café português, neste caso da Delta?
Hoje, vender um café português é uma vantagem. Nós colocamo-nos como especialistas de café expresso e da torra portuguesa, que é diferente. Muitas vezes questionamos porque é que o café é melhor em Portugal do que lá fora? Noventa e oito por cento do nosso consumo é em café expresso, não variamos e somos especialistas porque é isto que gostamos. A Delta especializou-se, como as outras empresas portuguesas, a fazer um café com uma torra a uma temperatura mais baixa, mais espaçada, que acaba por dar um corpo diferente ao café. É como cozinhar: se baixarmos a temperatura e tivermos mais tempo no forno, sabemos que vai cozinhar melhor por dentro e não fica só cozinhado por fora. Esta é a torra portuguesa.

Sermos uma marca portuguesa e especialistas neste tipo de produto é uma vantagem. Depois, o que terá de aparecer é a inovação e é isso que temos feito. Quando lançamos uma máquina que tira o café de baixo para cima, desenhada pelo Philippe Starck, que é o melhor designer do mundo, estamos naturalmente a criar inovação disruptiva e que vai colocar a marca num patamar completamente diferente. É este o caminho.

Mais do que marketing, a máquina inovadora tem tido boa aceitação?
Muito boa. Ainda só estamos em Portugal. Não começámos a vender lá fora. Estamos a planear até ao fim do ano começar pelo mercado francês (por razões óbvias, o Philippe Starck é francês) e, logo a seguir, o mercado brasileiro, que achamos que é o que tem melhor apetência para um produto deste nível. É um produto caro, mas extremamente interessante e diferenciador. É por este tipo de diferenciação que temos de caminhar.

Nova máquina Delta Q Rise tira o café de baixo para cima e foi desenhada por Philippe Starck

O volume de faturação, em 2020, andava na casa dos 430 milhões. Há agora um acréscimo?
A nossa expectativa é fechar o ano de 2023 com 510 milhões de euros, portanto, ultrapassando a barreira dos 500 milhões, o que já nos coloca numa dimensão muito interessante para continuarmos esta senda do crescimento e da sustentabilidade que a empresa tem de ter. Quanto maior dispersão geográfica conseguirmos ter (e, por isso, a internacionalização também é importante), melhor garantimos o futuro. Não podemos estar dependentes só de monoproduto, de monocanal e muito menos de monopaís. E é isto que nós queremos: ter sucesso lá fora que nos garanta também a sustentabilidade da empresa a longo prazo.

Estamos em Lisboa, junto ao Tejo, mas, na Grande Lisboa, boa parte da operação já envolve cerca de oito centenas de pessoas. No total, a Delta emprega 3800 colaboradores. A maioria ainda está em Campo Maior?
A maioria está em Campo Maior porque toda a parte industrial e os nossos headquarters estão em Campo Maior. As fábricas que temos, não só de café como de máquinas de café, de merchandising, de toldos, estão em Campo Maior. E depois temos todas as áreas, dos Recursos Humanos, Contabilidade, Jurídicas, todos os serviços partilhados pelo Grupo estão também em Campo Maior. Toda a componente industrial está muito bem entregue em Campo Maior. Estamos a investir na fábrica para sermos capazes de produzir mais e alavancar este crescimento que ambicionamos fora de Portugal de uma forma sustentada – e que a fábrica tenha capacidade para suportar este crescimento que tanto ambicionamos.

Depois, o que temos fora de Campo Maior, em Lisboa, temos todas as áreas de Marketing e Vendas, e uma dispersão geográfica para o chamado canal Horeca, onde a capilaridade é muito importante para estarmos próximos do cliente, no café ou no restaurante. Essa foi a proximidade que o meu avô sempre desejou e que tanto sucesso lhe trouxe. Hoje temos 21 delegações comerciais espalhadas pelo país e aí as profissões são desde vendedores a técnicos administrativos, a técnicos de máquinas de café, a pessoal de armazém. A nossa logística fazemo-la nós próprios. Por isso, temos tantas profissões dentro do nosso grupo.

Com o processo de modernização do equipamento industrial são necessárias todas estas pessoas? Admite um cenário de redução?
Aquilo que queremos é ser mais eficientes, mas que a eficiência nos traga mais produtividade para cada um. Não pretendemos fazer o caminho de substituir pessoas por robôs, longe disso, em área nenhuma. Aquilo que queremos é tornarmo-nos mais eficientes; temos feito um grande investimento na fábrica para sermos mais eficientes. Temos um robô que hoje descarrega os contentores porque fazia pouco sentido ter pessoas a carregar sacas de 60 quilos em 2023, com problemas de costas e outras dificuldades que isso acarreta. Hoje, a profissão de descarregar é a profissão de manipular o robô para que tire bem as paletes. As profissões hoje mudam, mas as pessoas têm de lá estar.

Decorrido já algum tempo após a partida do senhor comendador Nabeiro, em termos de modelo de gestão e equilíbrio familiar (com a tua irmã e teus primos), está tudo sólido para pensarem mais o futuro, sem esquecer, obviamente, o legado do teu avô?
O meu avô sempre foi uma pessoa orientada para o futuro. Ficava sempre surpreendido quando ele trazia uma ideia disruptiva qualquer: como é que aquele homem com 90 anos tinha um entusiasmo incrível em relação ao futuro? Vejo pessoas com 40 anos mais velhas do que o meu avô com 90 e uma mentalidade incrível. Ele incutiu em nós esta vontade de fazer mais. E fazer mais não é só querer fazer mais porque sim. Queremos fazer melhor, estar com uma segurança diferente, fazer da nossa empresa uma empresa mais robusta, numa ótica também de comunidade. Desde a pandemia, até agora, temos ganhado todos os prémios de Melhor Empresa para Trabalhar e isso diz-me muito porque há um sentido de vestir a camisola que creio ser incomum hoje em dia, mas que é muito importante. Todos sentimos isso. E quando o meu avô parte, penso que todos, não só a família Nabeiro como a família Delta, sente essa responsabilidade de que temos muito para fazer.

Se o meu avô cá estivesse, era o primeiro a querer fazer. Este projeto (que foi a vida do meu avô) não podemos deixá-lo cair; pelo contrário, temos de levá-lo mais longe. É um projeto tão bonito, tão apaixonante, tão diferente e diferenciador, que merece que estejamos todos unidos em prol disso. Agora, respondendo à questão, como estamos hoje é como estávamos. Esta organização já existia, estava feita, foi o meu avô que a fez e, portanto, continuamos a trabalhar num caminho, aprender a fazer isto sem ele. O caminho está muito claro, a visão já cá estava, somos os mesmos, os executantes são as mesmas pessoas, não temos razão nenhuma para não fazer bem.

À minha maneira

Quanto ao teu estilo de gestão e de liderança, o que vais buscar ao teu avô, mas também ao teu pai?
Comecei a trabalhar no grupo em Campo Maior e, fui bebendo, durante quase três anos, muito do estilo do meu pai e do meu avô. Tem muito que ver com os valores da humildade, proximidade, enfim, todos os valores muito humanos deste grupo. Eu vi, desde que nasci, a forma como tratamos as pessoas. Aquilo que eu herdo tem muito que ver com os valores e a forma de estar. Naquilo que sou diferente, tem mais que ver com a organização ou a forma de trabalhar.

Isso deve-se à formação académica?
A formação académica dá-nos ferramentas e como utilizá-las. Aquilo que dizem sobre mim é que sou muito mais analítico. Quando me vêm com uma ideia eu digo “ótimo, agora mostra-me os números, quero saber como isso se resolve, quanto vamos vender, como vai correr o negócio, o que temos de gastar, quanto temos de investir”. Sou muito focado em resultados. Não há outra forma de fazer negócio. Temos de ter boas ideias, bons processos, mas temos de ter bons resultados. A minha forma de trabalhar é ser muito organizado. A minha agenda manda completamente e tento planear as coisas para dar tempo de qualidade às pessoas. Se alguém tem uma reunião comigo, se eu estou a dedicar uma hora a um projeto com uma pessoa, eu tenho de estar focado nisso. Não posso estar stressado porque estou atrasado porque tenho alguém à minha espera ou porque há outros projetos para fazer. Com as pessoas que me reportam diretamente, quinzenalmente tenho um ponto de situação. Dou muita liberdade de decisão, mas quero conhecer tudo. As pessoas sabem que, comigo, se cometerem um erro ou se as coisas não correrem como esperado, não faz mal, estou cá para assumir também.

E o Rui Miguel, pai (de três)? Como começa o dia, para além do café?
Começo o dia, pelos menos duas vezes por semana, a treinar (com o Pedro Medeiros) e com a minha mulher, Clara, que vai sempre comigo e isso é muito importante. Acredito que o bem-estar físico condiciona o bem-estar intelectual. Tenho uma vida de muito trabalho de escritório e ando todas as semanas entre Lisboa, Campo Maior, Abrunheira. Gosto muito de conciliar a minha agenda com a minha mulher para podermos também usufruir de uma vida a dois, neste caso, a oito, porque temos seis crianças em casa.

Sim, conseguimos

Quais foram as maiores adversidades e como as superaste?
A maior ameaça que vivemos foi o período da covid. Já ouvi falar que houve muitas empresas que ganharam, mas nós fomos um perdedor. Temos o canal Horeca que foi muito afetado (toda a restauração) e também a área de business solutions, em escritórios, onde a Delta vende muito e temos uma parte grande do nosso negócio. Tivemos uma forte quebra de vendas nos dois anos de pandemia, o que foi um desafio muito grande. Temos 3800 pessoas para pagar salários e no primeiro ano em que isto aconteceu, estar três meses a faturar 40%, 30%, …

O negócio no lar cresceu muito, mas longe de compensar a perda que tivemos na restauração. Foi muito difícil e teve um impacto financeiro muito grande no Grupo, descapitalizou-nos. Qualquer reserva que tivéssemos desapareceu. Tivemos de nos reinventar e apostar em alternativas. Começámos a criar dinâmicas online e dinamizámos outros canais. Nós aprendemos na escola que não se deve pôr os ovos todos no mesmo cesto porque se o cesto cai, partem-se todos. Aquilo que nos deu impulso no período difícil da covid, foi esta necessidade de pôr mais ovos noutros cestos. Aos poucos é isso que estamos a fazer.

Portugal 2043: “Fazer de Portugal um país com mais marca”

Qual a tua visão para o país para os próximos 20 anos? Como CEO do Grupo Delta, mas também como presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (antiga Associação Comercial de Lisboa), como gostarias que o país estivesse, quando Portugal celebrar 900 anos do Tratado de Zamora?
Gostava que nos sentíssemos mais felizes e mais satisfeitos com o país. Hoje, não estamos muito felizes e queixamo-nos bastante. Ainda somos um país em que há muita gente que atravessa grandes dificuldades, o que em 2023 faz-me pouco sentido. Não vejo outro caminho que não seja termos empresas com maior dimensão, mais sólidas e que consigam pagar melhores salários. A grande questão é que, em Portugal, as empresas de média-grande dimensão são poucas. E quando olhamos para empresas que construíram marcas ainda são menos. E isso é uma preocupação.

Quando me candidatei para a Câmara de Comércio, uma das minhas bandeiras de campanha era “Fazer de Portugal um país com mais marca”, que aposta em marca. É uma convicção pessoal que tenho: as marcas acrescentam valor e é isso que faço no meu negócio. Quando olhamos para os casos de sucesso de grandes empresas, sobretudo do grande consumo, aquilo que acrescenta valor são as marcas e não ter uma fábrica que produz marcas para outros. Não estou a dizer que não posso ganhar dinheiro com isso, mas é mais sustentável e é um caminho de maior criação de valor, com empregos mais qualificados, que pagam melhor, do que sermos apenas industriais. Isto para mim é extremamente importante, sem desvalorizar o que fazemos hoje.

Temos de ter empresas de maior dimensão, com mais marcas, que depois permitam criar melhores empregos para as pessoas. Não basta dizer que temos de pagar mais; temos é de criar valor e condições para que haja empregos atrativos, para que os mais novos não queiram ir lá para fora para a Google ou para a Apple ou onde quer que seja nas tecnológicas. E não é só uma questão de pagamento. Em Portugal, não há empresas muito atrativas para se fazer uma carreira e é aí que temos de apostar: em empresas que sejam capazes e ganhem dimensão. Temos projetos de PME e start-ups muito interessantes; temos é de as segurar cá, fazer com que cresçam e tenham um negócio cá, mesmo que seja virado lá para fora, para podermos ter aqui as pessoas a ganharem bem – e o resultado é estarmos todos mais felizes.

Pela tua experiência em construção de marca, que aconselharias aos governantes nos próximos anos para (re)construção da marca Portugal?
A marca Portugal não tem hoje qualquer problema. Quando olhamos para o turismo, Portugal é um destino muito interessante ou quando olhamos para imigrantes que têm dinheiro e querem fazer vida cá. Aquilo que está a faltar é das outras pessoas, operários, trabalhadores e até os de colarinho branco têm poucas oportunidades no nosso país. Aquilo que temos é de conseguir captar empresas interessantes para cá, manter as que cá temos e criarmos mais. Temos potencial, temos um mercado interessantíssimo para poder criar aqui empresas que depois cá se fixem e que possam criar empregos com valor acrescentado.

E o grupo Nabeiro, como gostarias que estivesse dentro de 20 anos?
Daqui a 20 anos, quero estar no top 10 mundial. Essa é a ambição. É uma aposta continuada que a marca Delta tenha mais notoriedade lá fora (e assim possa crescer mais rápido), continuar a inovar e trazer inovações que acrescentem valor para a empresa.