O setor da aviação tem sido um dos mais lentos a adotar combustíveis sustentáveis. Quais são os principais entraves à sua implementação em larga escala?
O regulamento [relativo à “Iniciativa ReFuelEU Aviação”] só entrou em vigor em janeiro deste ano. Do ponto de vista regulatório, isto tem um impacto. Os combustíveis de aviação sustentáveis (SAF na sigla em inglês) são mais caros pela sua natureza e os operadores de mercado estiveram à espera que o regulamento os obrigasse à utilização.
Depois é o combustível que tem os seus desafios, também de produção, visto que são tecnologias novas que obrigam a uma forma de funcionar ligeiramente diferente. Isso leva tempo. A partir deste ano, todos os voos que partem de aeroportos da União Europeia vão ter de abastecer com 2% de SAF.
Uma análise da Federação Europeia de Transportes e Ambiente classificou a TAP entre as piores companhias na adoção de combustíveis sustentáveis, com apenas um voo de teste realizado em 2022 e sem metas claras até 2030.
As viagens aéreas por motivos de negócio têm um grande impacto a nível das emissões. Existe um projeto cujo objetivo é promover junto as grandes empresas multinacionais – no caso de Portugal temos 13 empresas no ranking – e de facto não estão a definir objetivos de redução de emissões. As próprias companhias aéreas poderiam ser mais ambiciosas e antecipar, por exemplo, contratos de compra de SAFs de forma de estarem na linha da frente,.
No caso da TAP, esta não anunciou publicamente qualquer intenção de acordos com fornecedores de combustível sustentável. Estes acordos ajudam a diminuir os fatores de risco para os fornecedores e promovem o desenvolvimento do mercado, no setor da produção. Mas também sabemos qual é a situação atual da TAP…
E é um investimento elevado.
Certo.
Existem atualmente tecnologias e combustíveis sustentáveis suficientemente desenvolvidos para substituir os combustíveis fósseis na aviação comercial?
Dentro dos combustíveis de aviação sustentáveis (SAF), existem vários tipos e uns são mais sustentáveis do que outros. Para simplificar, existem dois grupos: os biocombustíveis, que utilizam matérias primas, como resíduos florestais, um tipo de gordura animal e óleo de cozinha usado (que é o que está essencialmente em produção, neste momento), um tipo de gordura animal; e depois os eSAF, que são combustíveis sintéticos produzidos através de hidrogénio verde. Os biocombustíveis têm uma capacidade de redução de emissões mais reduzida do que os combustíveis sintéticos.
Como referiu, 2 % do combustível para aviação deve ser sustentável a partir de 2025 e 70 % até 2050. Estas metas são realistas ou poderá haver um retrocesso?
O espírito do regulamento e o que nos foi transmitido é que as metas não sejam reduzidas, mas depois o próprio regulamento abre a possibilidade de revisão. Existem cláusulas que abrem a possibilidade de todos os Estados-membros olharem para como é que o mercado está a evoluir e fazer adaptações.
Isto pode ser um problema, porque os investidores têm que investir as unidades de produção para uma determinada capacidade e depois podem ver os seus projetos defraudados porque afinal houve alteração das metas ou dos critérios de produção. O facto de a própria legislação abrir a possibilidade de revisão daquilo que está planeado, cria também alguma incerteza.
Mas depois há aqui um grande fator que é muito importante que é a discrepância de preços do combustível fóssil que a aviação usa, comparativamente com o SAF…
O Tribunal de Contas Europeu alerta que o combustível sustentável é seis vezes mais caro do que o normal. Isto não os torna inviáveis do ponto de vista económico?
Uma das razões para a discrepância de preço ser tão grande tem a ver com a isenção de impostos que a aviação goza e que é completamente inaceitável. Nós pagamos impostos sobre os produtos petrolíferos no combustível que abastecemos quando vamos à bomba de dinheiro, por exemplo. Na aviação, não. Estas ‘borlas’ de que o setor goza fazem com que o diferencial de preço também seja maior. Em Portugal, quando cada um de nós viaja de avião, só paga dois euros por taxa de carbono. Não faz sentido nenhum.
Essa taxa é comum a outro países?
Não, cada país tem as suas taxas. Recentemente, França aprovou taxas diferenciadas em função da distância e do tipo de classe de voo. Quanto mais longo, mais emissões, mais elevada a taxa de carbono.
Qual é que seria a taxa justa a aplicar, tendo em conta as emissões poluentes?
A ZERO defende que, no caso de Portugal, essa taxa deveria ser de cerca de, em média, 20 euros para uma viagem doméstica, 48 euros para uma viagem intraeuropeia e 281 euros para uma viagem intercontinental de longo curso. Mas esta taxa pode ser aplicada diferenciadamente, por exemplo, incrementalmente em função do número de viagens que o passageiro faz regularmente, penalizando sobretudo quem viaja muito.
O aumento das taxas e o preço elevado dos combustíveis sustentáveis terá inevitavelmente um impacto nos preços dos bilhetes. Tem ideia de quão mais caro poderá ficar um voo médio para o consumidor?
Não tenho esse dado. Certamente que vai ter algum impacto, mas também, se calhar, é necessário, porque não podemos andar de avião como se apanhássemos o autocarro.
Mas quem é que deve assumir esse custo? As companhias aéreas, os governos ou os passageiros?
Acho que vai ter de ser um custo repartido um pouco por todos. Pelos fornecedores de combustível, por um lado, porque têm lucros enormes e têm capacidade de encaixe e, por outro lado porque têm responsabilidade porque também emitem taxas de carbono; os passageiros também porque quando estão a viajar também estão a emitir CO2; e os Governos no sentido de implementarem alguma legislação.
Com esse aumento, há o risco de as low costs acabarem?
Se fossemos taxar sobre os produtos petrolíferos, aumentar as taxas de carbono e o IVA, essas companhias deixariam poder praticar preços tão baixos, deixariam de ser low cost.
Existem multas previstas para o caso de as companhias aéreas não cumprirem as metas definidas?
O regulamento que regula esta área tem o pressuposto de que os Estados-Membros definam as coimas a aplicar aos fornecedores de combustível e às companhias aéreas. Até 31 de dezembro de 2024 os Estados-Membros tinham de apresentar as coimas, mas até agora nenhum o fez. Isso não ajuda e cria insegurança por parte dos operadores.
O regulamento estabelece quais são as regras das coimas e além do valor da multa -que deverá ser elevada – o Estado incumpridor terá ainda de cumprir a meta que não cumpriu nesse ano, mais as metas do próprio ano. Tem um peso muito grande, que acaba por ser bastante desencorajador para não cumprir.
diana.gomes@nascerdosol.pt