“As empresas na área da Defesa também trabalham no setor civil”, afirma presidente da AED

O número de empresas nacionais na área da Defesa aumentou para 380. Entre drones, aeronaves e tecnologia de monitorização, Portugal tem reforçado a sua presença internacional. José Neves, presidente da AED Cluster Portugal – Aeronáutica, Espaço e Defesa, fala sobre os desafios e oportunidades do setor.

O universo de empresas portuguesas com atividade na área da Defesa aumentou para 380, de acordo com o presidente da idD Portugal Defence. A que fatores se deve este aumento?
O crescimento tem sido sustentado. Temos crescido desde 2012, ano em que a Embraer se sediou em Portugal. Na altura criaram duas fábricas em Évora, e criou-se também uma capacidade no IEFP para formar e capacitar pessoas para trabalhar em fábricas do domínio aeronáutico. Hoje em dia, temos várias fábricas, não só a Embraer, mas também a Aernnova, a LAUAK, a Mecachrome e a Airbus, que também cavalgaram nesta capacidade criada em Portugal para formar pessoas para esta área.

Não é de um momento para o outro que todas as empresas olham para a Defesa. A nível europeu, houve uma viragem quando Jean-Claude Juncker presidiu à Comissão Europeia e começou a repensar e a investir mais em defesa. Naturalmente, nos últimos anos e até na última semana isto precipitou-se muito mais, mas já havia uma tendência na Europa.

Depois também temas empresas portuguesas, como por exemplo as empresas de drones, que já olham para a Defesa e que já fizeram fornecimentos para as Forças Armadas Portuguesas, tanto para Força Aérea, como para a Marinha e Exército, e que já estão a exportar para a Ucrânia. É uma capacidade que já vinham a desenvolver nos últimos 10 anos, e, de repente, houve aqui um sentido de oportunidade muito grande.

Mas a maioria das empresas nacionais não se dedica exclusivamente à área da Defesa. Como garantir competitividade face a países com indústrias de Defesa altamente especializadas?
Acho que o uso dual é uma vantagem. A maioria das empresas nacionais que trabalham neste setor, também trabalham no setor civil. Um drone poderá ser usado tanto para um cenário mais operacional de guerra, como num cenário de vigilância marítima, de fronteiras, de florestas ou de monitorização de plataformas petrolíferas. Há aqui uma vasta possibilidade de utilização.

No âmbito do PRR, estamos a desenvolver a aeronave LUS222, que uma aeronave de transporte, feita em parceria com a Força Aérea Portuguesa, e que poderá transportar não só 19 militares, como 19 passageiros, tanto carga civil, como carga militar. No setor espacial, temos empresas com capacidade de observação da Terra, em tempo real, que poderão fazer fornecimento tanto para um cenário mais operacional de guerra, como para a monitorização de terrenos agrícolas, de zonas habitacionais, de leitos de cheias.

No caso da proteção balística, esta tanto pode ser utilizada num capacete, como na proteção de uma ambulância. A possibilidade de utilização das tecnologias é a mais vasta, o que é uma vantagem. A área da Defesa é altamente institucional, depende dos Estados, e, muitas vezes, de processos de contratação mais longos. As empresas não podem ficar dependentes disso. Às vezes o civil até é mais fácil de avançar do que o militar.

Essa demora no processo de contratação é um dos maiores obstáculos ao investimento na Defesa, neste momento?
É um grande desafio. Essa demora impede muitas vezes as empresas de darem uma resposta em tempo útil. A defesa é cada vez mais tecnologia. De acordo com a Lei de Moore, a tecnologia evolui a cada 18 meses e, neste momento, no cenário da Defesa, está a evoluir a cada seis meses.

Quando compramos um equipamento baseado em inteligência artificial, três anos depois esse equipamento já está obsoleto. Temos de dar respostas rápidas nas contratações. O processo de contratação pública vai ter de ser melhorado e modernizado para dar respostas aos desafios da Defesa.

Portugal tem mecanismos de controlo suficientes para evitar que empresas de Defesa vendam produtos ou tecnologia a países envolvidos em conflitos ou regimes autoritários?
Essa é uma questão muito importante. Para trabalhar em defesa em Portugal, qualquer empresa tem de fazer o seu licenciamento para exercer habilidades de comércio, indústria de bens e tecnologias militares. A lei exige comunicações obrigatórias à Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional sobre o que é que está a fazer e sobre essa supervisão de atividades.

Por outro lado, existe também uma diretiva europeia que define as políticas comuns aplicadas à exportação de tecnologias e equipamentos militares, existindo a credenciação de pessoas e empresas para saber se as pessoas que trabalham neste setor são idóneas.

E há ainda em Portugal uma regulamentação da exportação de produtos de defesa, a Lei n.º 37/2011, que faz essa monitorização dos países. Quando estamos a falar de exportação na área de defesa, isso passa não só pelo Ministério da Defesa, mas também pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros. Há um controlo e uma monitorização cuidada.

Com a instabilidade política e a queda do Governo, há risco de atrasos na execução dos investimentos em Defesa? Já há sinais concretos de impacto?
É uma grande questão. Poderão haver alguns atrasos em alguma tomada de decisão, mas neste momento não temos esses sinais. Estas empresas na área de Defesa trabalham muito na exportação, por isso não são tão afetadas com as questões internas.

As questões internas poderão afetar, por exemplo, a execução da Lei de Programação Militar, mas mesmo esssa lei, aprovada em 2023 no Parlamento, define os investimentos a 4, 8 e 12 anos, portanto, de certa forma, também é uma visão agnóstica das questões políticas.

Mas tanta instabilidade não pode afastar potenciais investidores e parceiros estrangeiros?
Infelizmente, temos tido várias votações de governo nos últimos anos, mas temos visto os investimentos acontecerem em Portugal. O exemplo recente mais conhecido é o da Airbus, em Santo Tirso, há três anos. As empresas têm olhado para Portugal como um país muito estável, a nível cultural, a nível de formação e mesmo a nível de políticas, independentemente dos governos.

Há uma política comum que faz com que Portugal seja visto como um país altamente confiável para se fazer investimentos de bom prazo. Obviamente que mesmo as empresas nacionais não gostam desta viagem do governo, mas não estamos preocupados porque tem havido uma linha de condução estratégica nas áreas da aeronáutica, espaço e defesa, que fazem com que Portugal tenha vindo quase a 14% ao ano neste setor, desde 2012.

diana.gomes@nascerdosol.pt