Gerir o Risco de Incêndio Florestal – um problema com solução?

Não podemos continuar a fazer mais do mesmo, se queremos um Portugal mais seguro e livre de incêndios graves, como é preconizado no Plano de Ação do nosso Governo.

A gestão integrada do risco de incêndio

Os graves incêndios florestais dos últimos dias em Portugal vieram reavivar um problema de fundo que o nosso País tem e que abrange vários setores da nossa sociedade. O risco de incêndio florestal envolve diversas componentes, nomeadamente o perigo, a exposição e a vulnerabilidade, pelo que a sua gestão deve contemplar estas três componentes, sem se limitar a uma ou outra delas. Num projeto europeu de investigação deste problema, o FirEUrisk, procuramos estudar os diferentes processos associados a cada componente, assim como as variáveis ou fatores, tanto naturais como antrópicos, que os condicionam e modificam. O nosso objetivo foi o de compreender melhor a forma de avaliar o risco de incêndio – que é mais do que o perigo associado aos fatores meteorológicos – a fim de o reduzir ou mitigar e de nos adaptarmos para melhor enfrentar as condições futuras, nomeadamente as relacionadas com um clima e uma sociedade que está em mudança.

Aprendemos que o perigo de incêndio é constituído pelo fogo, que se inicia e propaga, com os seus processos de libertação de energia e fumo e de modificação do campo de ventos. Cada um destes processos depende de diferentes fatores, cuja interação e efeitos são parcialmente conhecidos, mas que são ainda objeto de investigação científica.

Dada a complexidade do problema, aprendemos que a gestão do risco de incêndio deve ser feita de uma forma integrada, considerando todos os aspetos, níveis e escalas de espaço e de tempo, em que o problema se desenvolve. Devido à interação entre os processos, como por exemplo a situação económica e a motivação ou capacidade de mitigar o risco, não se pode fazer uma abordagem científica, operacional ou política, parcelar do problema, considerando uns e esquecendo ou menosprezando outros.  Em todas as fases do processo não podemos trabalhar em silos, mas sim em conjunto, porque o problema é demasiado grande e complexo para poder ser resolvido apenas por uns quantos.

Consideramos que a gestão integrada do risco de incêndio requer a existência de um sistema que reúna os seguintes componentes: (1) uma Estratégia de gestão, baseada no conhecimento científico e prático, acerca dos processos, dos fatores que os controlam e das ações que podem ou devem ser realizadas para mitigar o risco; (2) um Planeamento de gestão, consistindo em princípios, orientações, objetivos e planos de ação, que devem ser igualmente aceites consensualmente e colocados em prática, de uma forma integrada; e (3) uma estrutura de Governação do risco, envolvendo todos os agentes que têm alguma intervenção nos diversos processos e fases do problema, desde o sistema de Governo, o sistema legislativo, judicial, operacional, autoridades locais, empresas, unidades científicas, associações de diferente natureza e os cidadãos.

Em Portugal dispomos de praticamente todos estes requisitos, embora não de forma perfeita, mas estamos no bom caminho. Um dos elementos em falta é uma entidade coordenadora com o papel de uma Interagência, no mesmo nível que as restantes, sem constituir mais uma nova entidade, que desempenhe o papel de articulação e coordenação entre as várias entidades envolvidas. A AGIF pretendeu assumir esse papel, mas não de forma perfeita.

O que foi feito em Portugal e o que falta fazer

Tem-se perguntado muitas vezes o que mudou em Portugal desde 2017 na gestão dos incêndios florestais. Temos que reconhecer que muito foi feito, em matéria de sensibilização, de organização e articulação entre as entidades envolvidas. Conseguiu-se durante os anos passados melhorar a gestão de combustíveis em redor das habitações e das aldeias, reduzir o número de ignições, suprimir mais de 90% dos focos de incêndio, logo ao seu início, e, com a ajuda das condições meteorológicas, evitar a propagação de grandes incêndios.

Apesar do esforço feito, em parte por erros de conceção da estratégia, não se conseguiu implementar de forma eficaz a integração dos vários agentes, mantendo-se nalgumas delas uma prática de trabalhar em silos, sem grande abertura a outras visões ou propostas. Devido, em parte, a atrasos nos investimentos, pouco se adiantou em alguns programas estruturais destinados a melhorar o arranjo da paisagem agroflorestal, as faixas de corta-fogo e a proteção das comunidades. A ligação articulada entre os Bombeiros e o sistema de controle da supressão não foi devidamente tratada neste período e está por se conseguir. O sistema de formação e de reconhecimento de qualificações, entre as várias entidades envolvidas não se encontra regulado e contribui para estas dificuldades.

Face aos incêndios com elevada intensidade de propagação, que o sistema de supressão é incapaz de dominar, por mais recursos que se empreguem, as povoações, as casas e os cidadãos ficam à mercê do fogo. Nestas circunstâncias, mais do que nunca, a prioridade deve centrar-se na proteção da vida e do bem-estar dos cidadãos, preparando-os para enfrentar estas tempestades de fogo e proporcionando-lhes condições de sobrevivência em caso de incêndio. Também neste campo, que deve constituir a principal prioridade do sistema de gestão do risco, temos ainda muito a fazer em Portugal, igualmente no programa Aldeia Segura, Pessoas Seguras.

O problema tem solução?

Se por solução consideramos a eliminação completa e radical do fogo e dos incêndios no nosso território e no nosso dia a dia, a resposta é claramente negativa. Por mais que façamos não iremos eliminar os incêndios, por isso temos que aprender a viver com eles, sabendo que a alteração climática irá aumentar a sua frequência e perigosidade.

Apesar das dificuldades, vale a pena persistir no investimento numa floresta que possa ser mais resistente ao fogo, no esforço de a gerir, para reduzir o risco, e de suprimir o fogo – quando ele não puder ser benéfico –, e de recuperar o sistema, na sequência de grandes incêndios, de forma a melhorar as suas condições, para enfrentar com maior capacidade, um futuro que se afigura ser cada vez mais propício à ocorrência de incêndios graves.

Não podemos desistir da floresta e de um ambiente natural, que é necessário para a nossa própria existência, mesmo que para tal tenhamos de fazer investimentos e mudanças nos comportamentos e procedimentos usuais, porque está mais do que visto que não podemos continuar a fazer mais do mesmo, se queremos um Portugal mais seguro e livre de incêndios graves, como é preconizado no Plano de Ação do nosso Governo.