Extremismos

Os povos do Ocidente parece que deixaram de aceitar resultados eleitorais

Sou filho de Abril. Faço parte da explosão da população portuguesa após o 25 de Abril de 1974, quando o futuro era brilhante e os amanhãs cantariam. Estávamos no verão de 1975 quando vim a este mundo.

Cresci a ouvir gritos de liberdade, o povo é quem mais ordena e fascismo nunca mais. O povo através do voto expressa a sua vontade e ela tem de ser respeitada. Não deixa de ser com espanto que, chegados ao séc. XXI, os povos do Ocidente parece que deixaram de aceitar os resultados eleitorais.

Explico. Se o povo vota em Bolsonaro, a democracia está em risco; mas se vota em Lula da Silva é a expressão máxima da democracia. Pouco importa se foi condenado por corrupção e a sentença foi anulada porque foi julgado no tribunal errado e já passou tempo demais para ser julgado. Curiosamente, ou não, Bolsonaro foi Presidente e o Brasil continua uma democracia.

De igual modo, quando o povo vota Trump a paz mundial está em risco e vai ser o Armageddon, ainda que em 2020 tenham sido assinados os Acordos de Abraão colocando em vigor acordos entre Israel e países árabes. Pelos vistos, o povo só é quem mais ordena se votarem no partido Democrata ainda que, durante o mais recente mandato Biden, estejamos (sem que ninguém o assuma) perante a terceira guerra mundial com duas frentes de batalha (uma na Ucrânia e outra em Gaza).

Deste lado do Atlântico o cenário é similar. Se o povo francês vota no Rassemblement National (RN), é preciso ir para a rua combater; se ganha o movimento França Insubmissa, celebra-se uma vitoria tremenda (mesmo tendo 7 milhões de votos contra 10 milhões do RN). Mas algo me diz que se os resultados tivessem sido opostos, estar-se-ia a exigir a reforma do sistema eleitoral porque seria absurdo o partido mais votado não ter a maioria dos lugares.

Já quando Geert Wilders venceu as eleições na Holanda, os comentários eram que a maioria do país rejeitou o seu programa e por isso não deveria permitir-se que governasse. Ou seja, se ganha alguém que se assume comunista em França, estamos a falar do expoente máximo da democracia e que deve poder governar — mas já não é assim na Holanda. Uma democracia diferente, em que as regras do jogo mudam em função do partido visado.

Por outro lado, exige-se que existam mais mulheres na política; exceto se essas mulheres se chamarem Giorgia Meloni ou Marine Le Pen. Aí não. Parece que a sua condição de mulher é eliminada pelo facto de terem ideias conservadoras. Ou seja, afinal na política só se querem mulheres que defendam certos ideais e não outros. A bem da democracia, temos de calar umas para limitar o palco às outras. Em nome da democracia, claro.

Por cá temos o fenómeno Chega. Um partido nascido em 2019 que, nas últimas eleições, conseguiu o melhor resultado eleitoral da nossa democracia (tirando o PS e o PSD). Concorde-se ou não com o que o Chega defende, André Ventura teve sucesso onde Manuel Monteiro e Pedro Santana Lopes falharam.

Parece que ninguém se questiona das razões que levam centenas de milhões de pessoas no Ocidente a votar Bolsonaro, Trump, Meloni, Le Pen, Wilders ou Ventura. Parece que a forma democrática de combater estes partidos/políticos é gritar “fascistas, racistas, misóginos” e exigir a sua proibição, bem como vir para rua gritar quando ganham as eleições.

Expoente máximo de tudo isto, é, pelo menos por cá, passar a vida a dizer-se que o partido deveria ser tornado ilegal porque é fascista. Os resultados nas urnas são irrelevantes. Como não agrada a uns e rouba muitos votos a outros, deve proibir-se. Sempre em nome da democracia, claro.

Curiosamente, convivemos lindamente com partidos que defendem as ideias de Marx e Lenin que, onde foram implementadas, só criaram ditaduras, fome, miséria e morte. Os herdeiros de doutrinas que geraram milhões de mortes (Mao e Stalin ocupam os dois primeiros lugares de maiores genocidas da História e Hitler o terceiro lugar) podem tranquilamente ir a eleições e ter cartazes com figuras históricas que foram assassinos.

O mundo convive lindamente com isto. Partidos que defendem o fim da sociedade capitalista, onde só devem existir empresas do Estado e um Estado forte e poderoso apontam o dedo aos outros a gritar: Fascista! Os mesmos que enchem a boca a falar de liberdade são os que passam a vida a proibir e impor.

Talvez os partidos de centro ganhem mais em ouvir o eleitorado do que gritarem fascistas, extremistas e outros termos que não me parecem ser nada democráticos. Talvez existam milhões de pessoas que acham que o que é hoje considerado politicamente correto é, isso sim, extremista.

Talvez existam milhões de pessoas que acham que o Ocidente perdeu o tino ao dizer que os homens podem menstruar e engravidar ou que há mulheres com pénis que devem poder aceder a espaços de mulheres ou a competições de mulheres.

Talvez existam milhões de pessoas que não concordam que os conteúdos LGBT sejam lecionados a crianças ou que é absurdo mudar gramática em nome da inclusão (sobretudo uma discussão que nasce numa língua – o inglês – que tem uma terceira pessoa do singular neutra e onde os verbos e os adjetivos são neutros).

Talvez existam milhões de pessoas que não se sentem confortáveis com o crescimento islâmico xiita na Europa e sintam que está em curso uma espécie de jihad (não pela guerra mas pela imigração).

Talvez existam milhões de pessoas que acham que as alterações climáticas são apenas usadas como desculpa para lhes aumentar o preço do combustível, dos alimentos ou de lhes tentarem vender diariamente que têm de passar a comer insetos ou deixar de comer carne para salvar o planeta.

Talvez os eleitores achem que os extremistas não são aqueles em quem estão a votar mas sim as pessoas sem género, com cabelo arco-íris, que invadem universidades, bloqueiam estradas, exigem o cancelamento de quem pensa de forma diferente e defendem que existem delitos de opinião.

Talvez o facto de se chamar extrema-direita a tudo e todos, sem usar o mesmo termo para a extrema esquerda, faça com que milhões de pessoas simplesmente votem nesses partidos.

Mas é só um Talvez.

Fiscalista e cofundador da ILYA