Sem massiva exploração mineira, até o NetZero 2070 é uma miragem

Para acelerar a transição energética é preciso um aumento na exploração mineira

No dia 5 de maio de 2024 passaram 3 anos desde que a Agência Internacional de Energia (AIE) publicou um relatório chamando a atenção para o facto de se não estar a extrair minérios suficientes para processar em metais críticos necessários para a transição energética.

Como é habitual, este relatório abordou vários cenários possíveis, tomando como ideal o que permite atingir o NetZero em 2050 (uma vez que reputados cientistas do clima consideram que as emissões de gases com efeito de estufa precisam de atingir zero emissões líquidas a nível mundial por volta de 2050 para evitar os piores efeitos das alterações climáticas). Minérios como o lítio, o cobalto, o níquel, a grafite e os elementos raros da terra são os pilares de economias de energia verde.

Não é possível alcançar os novos objetivos climáticos sem eles. Se as cadeias de abastecimento não conseguirem satisfazer a procura crescente, a escassez de minérios implicará que o NetZero não será em 2050.


De acordo com a AIE, atingir o NetZero em 2050 exige, em média, seis vezes (6x) mais minérios críticos do que os produzidos em 2021. Para alguns minérios, a diferença entre a oferta e a procura futura prevista é muito maior. Por exemplo, a AIE estima que a procura por lítio deverá crescer 42 vezes (42x) nas próximas duas décadas. Mas o fornecimento das minas de lítio existentes e dos projetos em construção só poderá satisfazer cerca de metade da procura projetada para a segunda metade da presente década (curiosamente os preços do lítio estiveram em queda acentuada em 2023, mas abordaremos isso em artigo autónomo).

Os principais impulsionadores deste enorme aumento da procura de minérios / metais críticos são as baterias elétricas, sejam para veículos (EV), sejam estacionárias (para armazenamento de energia renovável).

Um EV requer seis vezes mais minérios do que um carro movido a combustíveis fósseis. As indústrias de energia eólica e solar também consomem minérios / metais críticos. As turbinas eólicas precisam de elementos de terras raras como ímanes, enquanto os painéis solares são feitos de cobre, silício e prata. O aumento das energias renováveis ​​também impõe a necessidade de modernizar as redes elétricas, o que implica enormes quantidades adicionais de cobre e alumínio. Por outro lado, continuam a aumentar as necessidades energéticas globais, que apenas podem ser satisfeitas no curto prazo com recurso a fontes de energia provenientes de recursos fósseis; o que tem levado a um aumento de novos projetos de exploração de petróleo e de gás e até à exploração mineira em plataformas continentais marítimas.

Em bom rigor, embora a AIE estime (num relatório de 2023), num cenário STEPS (i.e., o Cenário de Políticas Declaradas, concebido para fornecer uma noção da direção predominante da progressão do sistema energético, com base numa revisão detalhada do atuais políticas), que o pico da procura de petróleo ocorra por volta de 2030, o facto é que a decrescente procura nos países industrializados é compensada pela crescente procura nos países em desenvolvimento, de tal sorte que o consumo global de petróleo permanece praticamente estável até 2050. Esse cenário é confirmado pelas políticas de investimento das petrolíferas, cujos analistas (bem como os analistas dos seus bancos financiadores) não divergem na estimativa das necessidades globais de petróleo.


O referido relatório da AIE reconhece que “os atuais planos de aprovisionamento e investimento estão orientados para um mundo de ações mais graduais e insuficientes em matéria de alterações climáticas (a trajetória STEPS). Não estão preparados para apoiar transições energéticas aceleradas. Embora haja uma série de projetos em diferentes estágios de desenvolvimento, há muitas vulnerabilidades que podem aumentar a possibilidade de aperto do mercado e maior volatilidade de preços”. Passaram 3 anos desde este relatório e o panorama não melhorou. Em bom rigor, o investimento de muitas empresas mineradoras até tem vindo a diminuir.

Um importante passo dado pela UE foi a adoção, a 11 de abril de 2024, da Lei Europeia de Matérias-Primas Críticas (Critical Raw Materials Act CRMA) pelo Regulamento (UE) 2024/1252 do Parlamento Europeu e do Conselho (“estabelece um regime para garantir um aprovisionamento seguro e sustentável de matérias-primas críticas”). Nela se reconhece que as matérias-primas críticas (em especial as matérias-primas estratégicas) são de grande importância económica para a Europa, ao mesmo tempo em que são altamente vulneráveis ​​a interrupções no fornecimento. Também se constata que as matérias-primas críticas são confrontadas com uma crescente procura global, impulsionada pela descarbonização das economias.

Hoje, a Europa depende fortemente de importações, muitas vezes de um único país terceiro (quase sempre, a China), e crises recentes mostraram as fragilidades decorrentes das dependências estratégicas da UE. Sem uma ação conjunta e oportuna, um mercado único que funcione bem, resiliência e competitividade, as indústrias europeias e os esforços da UE para atingir os seus objetivos climáticos estão em risco.

A verdade é que a adoção da CRMA foi tardia. E a sua regulamentação tarda e vai ser feita num contexto em que muitos projetos industriais de produção na Europa de baterias elétricas e EV estão em risco, assim como toda a cadeia de valor das baterias elétricas e a política europeia que se deseja seja o mais autónoma possível. E ela começa na mineração.

Em Portugal a situação oscila entre o dramático, o patético e o ridículo. Dramático na medida em que as duas [pequenas] empresas membros de longa data da Aliança Europeia das Baterias (EBA) não apenas não têm tido qualquer apoio governamental como foram ostracizadas e perseguidas. Patético porque sucessivos governos nos últimos anos encheram o espaço mediático com discursos e pronunciamentos sobre a imensa vontade de apoiar a existência de empresas portuguesas integradas na cadeia de valor das baterias elétricas, mas recusaram (não foi esquecimento nem distração, recusaram!) a integração de Portugal nos IPCEI das baterias elétricas, o que inviabiliza praticamente ajudas de Estado relevantes para projetos nas várias vertentes dessa cadeia de valor. Ridículo porque se apoia no PRR (e provavelmente assim será no PT 20-30) com centenas de milhões de euros um cluster das baterias liderado por uma empresa sem experiência e conhecimentos para além da montagem de painéis solares.

Na Europa, o crescimento de uma “sensibilidade verde” quanto à necessidade de se acelerar a transição energética levou à criação de expectativas temporais completamente irrealistas e a um elevado nível de “ansiedade climática”, cavalgado por eco-ativistas. Acresce uma bizarra aliança entre conservadores e verdes para a adoção de políticas de preservação da natureza, não apenas como finalidade primordial, mas absoluta, que se opõe de forma tenaz a nova mineração (curiosamente opondo-se mais à mineração de minérios críticos que a pedreiras normais ou à de minérios que não fazem notícias em média), a novas centrais solares, a novos aeroportos, etc, sem cuidar de saber se o impacto ambiental é compensado ou fortemente mitigado. Parte significativa das elites europeias simpatizam com estes movimentos de propósitos nobres (pode lá haver causa mais nobre que salvar o planeta?) e a pressão que exercem sobre os titulares de cargos políticos vem-se traduzindo na adoção de calendários baseados no wishful thinking, não raro roçando o pensamento mágico.

Em vez de se andar a alimentar expectativas irrealistas, seria bem melhor que os governos e a Comissão Europeia reconhecessem as enormes dificuldades para se atingir o NetZero em 2050 e reformulassem metas e prazos de forma mais realista. E para acelerar a transição energética – mesmo que seja para um NetZero 2070 (na Europa!, no resto do mundo será bem para lá desta data), é fundamental assumir que tal nunca será possível sem um aumento massivo da exploração mineira.

E, se queremos ter uma cadeia de valor o mais autónoma possível, a Europa e os europeus devem consciencializar-se que devemos estar disponíveis para que parte dessa mineração ocorra em solo europeu (como o CRMA assume), ao invés do egoísmo racista mal disfarçado que é a posição atual dos eco-ativistas que se opõem ferozmente a mineração em solo europeu, bem sabendo que isso conduz à perpetuação de minas em África, na Ásia e na América Latina em condições sociais e ambientais deploráveis. É ainda fundamental que, para evitar a adoção de calendários e planos baseados no wishful thinking, os governos e a Comissão Europeia reformulem as políticas públicas em estreita articulação com as empresas operando nas cadeias de valor dos minérios e metais críticos, começando pelas empresas de extração de minérios críticos, os seus financiadores e os analistas do setor.

O que existe hoje são documentos e relatórios bonitos, mas desprovidos de ligação à realidade (salvo no cenário STEPS, que atira o NetZero para data indeterminada), por parte dos governos e das agências internacionais como a AIE. E não basta a AIE ajudar a delinear boas políticas públicas (se bem que com 3 cenários completamente díspares!), é preciso que os governos sejam capazes de as executar. Doutra forma, restam promessas adiadas que conduzem ao descrédito das políticas de descarbonização e de transição energética.

Consultor e ex-Secretário de Estado da Internacionalização