“Queremos uma empresa 100% descarbonizada em 2027”, afirma dono da Riopele

A Riopele, fundada em 1927, fatura 98 milhões de euros e emprega mais de mil pessoas. José Alexandre Oliveira revela como a empresa continua a crescer e atrair talento num setor muito competitivo

A Riopele, fundada em 1927, fatura 98 milhões de euros e emprega mais de mil pessoas. José Alexandre Oliveira revela como a empresa continua a crescer e atrair talento num setor muito competitivo.

A Riopele é uma das mais antigas empresas têxteis portuguesas e uma referência internacional. Como é que é estar a frente de uma empresa com 97 anos?
José Alexandre Oliveira — A Riopele está a festejar neste momento os 97 anos. Temos uma história que começou com o meu avô, em 1927, e depois na segunda geração com o meu pai e os meus tios e agora eu, da terceira geração.

E a quarta geração já está mais ou menos preparada?
JAO — A quarta geração já está cá na fábrica. A minha filha está cá há dois anos. Estou convencido de que se ela quiser e se tudo também se proporcionar poderá haver continuidade.

Em 2023, a Riopele gerou mais ou menos quanto ao nível de negócios?
JAO — Em 2023, chegámos aos 98 milhões de euros de faturação.

Contrariando uma tendência de crise no setor de têxtil?
JAO — Estamos a contrariar ao longo de muitos anos. Costumo dizer que o têxtil é dos setores mais globais ao nível mundial, por isso, é uma indústria que tem muita concorrência, desde há muitos anos, de todos os países. A agressividade nos mercados para onde exportamos é muito forte, pelo que temos constantemente de tentar contrariar. Já tivemos anos que não conseguimos, mas os 97 anos que temos de Riopele significam que estamos cá para durar.

A Riopele exporta para 50 países e cerca de 97-98% da produção.
JAO — Sim, 98%. Depois os outros 2% também se poderia considerar exportação, mas indireta. Ou seja, os outros 2% nós vendemos no mercado interno a fábricas de confeção, que por sua vez depois exportam em peças já confecionadas. O que significa que as vendas da Riopele para o mercado interno são extremamentes residuais.

Mas numa empresa que tem controlo vertical do processo de produção…
JAO — Sim, nós vamos desde a matéria-prima até ao produto acabado.

Têm mais controlo não só do elemento de diferenciação que conseguem oferecer, mas também alguma segurança maior em relação às próprias flutuações do mercado?
JAO — A Riopele sempre foi uma empresa vertical, só não tínhamos a parte da confeção, que é uma coisa mais recente — tem 10-12 anos. Sempre foi desde a matéria-prima até ao tecido. Em 2008, 2009 e 2010, aqueles três anos em que houve uma crise global, a Riopele passou por alguns momentos também difíceis.

Normalmente, a primeira vontade que se tem é tentar diminuir a dimensão da empresa, ou substituir, ou alterar certas áreas da empresa. No caso, por exemplo, a de acabar com as fiações. No entanto, acho que foi uma excelente decisão não acabar com as fiações porque veio dar-nos a tal segurança para tomarmos a decisão de que tínhamos de continuar com a fiação apesar de termos tido dois anos difíceis. Se não tivéssemos continuado com a fiação, hoje estaríamos muito pior.

Mais recentemente, a Riopele tentou diversificar o produto e começar a produzir vestuário de tipologias diferentes.
JAO — Isso eu diria que quase desde 1927. É evidente que havia uma estabilidade maior. Estou cá há 47 anos e quando cheguei à empresa já havia muita competição. Era preciso desenvolver produto todos os anos de uma forma que pudéssemos chegar ao mercado com produtos inovadores, mas as realidades são completamente diferentes.

Hoje temos de desenvolver produto permanentemente, antigamente fazia-se as coisas com mais tempo. Costumo dizer, inspirado no mar, que os nossos clientes estão sempre à espera de que a Riopele tenha peixe fresco, ou seja, ter produto renovado e produto inovador.

E contam para isso com uma série de parcerias não só com outras empresas mas com instituições como o Citeve [Centro Tecnológico Têxtil e Vestuário], por exemplo.
JAO — Nós trabalhamos com o Citeve mas não para a área do desenvolvimento de produto. Isto é, para a inspiração do produto nós fazemo-lo internamente ou através de parcerias de outra forma. O Citeve é mais para o controlo depois da qualidade do produto.

A Riopele tem 1184 colaboradores e apresenta uma taxa de rotatividade muito baixa, cifrando-se, desde o início do ano deste ano, nos 2,2%. O que é que faz com que as pessoas passem em média 15 anos nesta casa?
JAO — Penso que há vários motivos. Um é que damos muita importância às pessoas, achamos que são fundamentais para o grande desenvolvimento da empresa e por isso tentamos criar as melhores condições a todos os níveis para retê-las o máximo possível a trabalhar connosco. Efetivamente, os números são interessantes.

Há cerca de 6-7 anos fizemos uma grande reestruturação e a idade média dos trabalhadores é 41 anos, que é uma coisa fantástica no nosso setor. Quando digo 41 anos não estou só a falar na parte comercial ou financeira, estou a falar mesmo no chão de fábrica. Estamos com um nível muito baixo de idade das pessoas. Temos juventude que acredita neste setor.

Contrariando, de alguma forma, o problema com a mão-de-obra?
JAO — Contrariando algumas opiniões que correm de que as pessoas se afastam do têxtil. Essa é forma de tentar liderar a empresa, tentar estar atento a essas movimentações e tentar entusiasmar as pessoas.

Antigamente, o têxtil era muito mão-de-obra intensiva. Quando se refere às 1184 pessoas… lá está, quando cá cheguei éramos mais de 4100 pessoas. O têxtil passou a ser uma indústria mais de capital intensivo do que de mão-de-obra intensiva.

Voltando à investigação e ao desenvolvimento, têm algum centro dedicado para a sua realização?
JAO — Temos um centro aqui dentro da empresa e temos outro em Milão. Onde hoje, coincidentemente, porque há fases em que é necessário haver interligações entre as pessoas que vivem e trabalham em Milão e as da Riopele em Portugal, estamos a desenvolver a coleção AW —quer dizer, Outono-Inverno — para 2025.

Ao nível das perspetivas de futuro, qual é a estratégia daqui para a frente para a Riopele?
JAO — Claro que a primeira coisa que pode ocorrer a uma pessoa que lidera é tentar que a empresa se mantenha por muitos e muitos anos, sendo evidente que também é preciso começar a preparar o futuro. Sei que não vou continuar eternamente aqui e para isso já tenho uma equipa preparada para continuar com a Riopele. Seria uma irresponsabilidade da minha parte não pensar, enquanto estou cá, em passar alguns dos meus conhecimentos que considero importantes. Mais do que os conhecimentos, até a experiência.

É acautelar a sucessão. E já tem também, pelo que sei, um elemento que não é da família na direção da Riopele.
JAO — Mais do que na direção: estava como diretor-geral, mas neste momento até já o convidei para administrador. Um jovem que só tem dois anos de Riopele!

Eu acho que não é preciso ter pessoas que estejam muitos anos, é o valor das pessoas que é preciso reconhecer rapidamente. Por isso, não preciso de esperar seis ou sete anos para fazer de uma pessoa administrador se a pessoa tiver valor. E isto não é só ao nível da administração, é a todos os nivéis dentro da empresa.

Dantes havia aquela ideia de que a pessoa precisa de ter… era um termo que se utilizava aqui muito: traquejo. Mas acho que as pessoas, pelo valor, automaticamente têm oportunidade. Isso motiva-as, veem que alguém está a observar a performance que essa pessoa está a ter na organização.

O esforço de reindustrialização na Europa é uma oportunidade para a Riopele?
JAO — O esforço de reindustrialização da Europa tem de ser uma oportunidade para a Riopele, que já faz, ao longo destes anos todos, um esforço muito grande de reindustrialização. Mesmo quando a Europa não estava tão focada, porque houve nos anos 80 uma vontade de deslocalizar a indústria para fora da Europa. Quando digo indústria, gosto mais de falar do que sei: o têxtil.

Havia uma vontade dos países da União Europeia para que a atividade têxtil fosse deslocalizada para fora da Europa e eu fico muito satisfeito por há cerca de dois anos se voltar a falar no regresso da indústria à Europa. Sempre fui dos que acreditou na indústria e por isso é que mantivemos sempre toda a produção cá.

Ao nível da sustentabilidade, o que é que a Riopele prevê como forma de compensar as emissões?
JAO — Primeiro, temos um objetivo, que não é lançado ao acaso. Há cerca de três anos dissemos que no centenário da empresa, que será agora em 2027, queríamos ter uma empresa 100% descarbonizada.

Quando lançámos isso, a maior parte das pessoas não acreditou. Não estou a falar das pessoas “internas”, estou a dizer que quando se fala para fora as pessoas não acreditam. Mas hoje, estando já só a dois anos e meio de chegar aos 100 anos de empresa, acho que vamos atingir essa meta, que considero fantástica para o ambiente, uma contribuição para um melhor ambiente em Portugal e na Europa.

Esta sua pergunta da sustentabilidade leva-me a que eu peça às autoridades europeias que pensem numa coisa: não sou contra a importação de produtos têxteis para a União Europeia, sou uma pessoa extremamente aberta a que isso aconteça. Mas sou a favor da reciprocidade, isto é, não pode só haver abertura num sentido e depois haver países que têm bloqueios contra as nossas exportações.

Também aí associo a parte ambiental. Não vale a pena estarmos aqui a falar de que a Europa é que vai ser o espaço mais verde do mundo; nós devíamos, e esse é o meu apelo, fazer com que os países que quisessem exportar para a União Europeia começassem, nos seus países, também a ter a mesma política de sustentabilidade a que, dentro da União Europeia, estamos obrigados, para que haja uma concorrência leal.

À minha maneira

Quem é oJosé Alexandre e qual é o seu estilo de gestão e de liderança?
JAO — O meu estilo de liderança é muito fácil. Estou no meu gabinete quando chego de manhã para pôr o casaco e só volto quase ao final da tarde para ir buscar o casaco.

Sempre gostei do chão de fábrica, estive anos e anos no chão de fábrica.
Gosto de sentir o cheiro da empresa, acho que é isso que me entusiasma a vir cá todos os dias e são esses os motivos que me dão vontade de cada vez ter mais motivação para estar cá.

Sim, conseguimos

Qual foi o maior desafio que conseguiu ultrapassar na Riopele?
JAO — Foram vários, mas penso que o maior objetivo que conseguimos atingir aqui na Riopele foi na última crise, por volta de 2009, 2010, 2011, que depois resultou na chegada a Portugal da Troika.

Naquele momento, várias situações se passaram na cabeça de muita gente. Houve pessoas que decidiram fazer uma paragem; para a Riopele, essa foi uma época em que se decidiu investir porque vínhamos de anos em que precisávamos de investir. O mais fácil era dizer “não investimos mais”, mas o business plan que tínhamos era de um investimento um bocado maciço. Hoje digo isso com grande orgulho, porque creio que se não tivéssemos feito esses investimentos nesse período podíamos ter tido mais dificuldades à frente.

Uma das coisas que é importante dentro da minha maneira de ver a liderança ou, se quiser, como é que se controla uma organização, é que se decida sempre para a frente, todos juntos no mesmo foco. Acho que é por aí que está o sucesso da empresa.

Temos que ser atrevidos: é esse o melhor termo.