Europa: pé no acelerador da (re)industrialização

Os políticos que acreditavam que o futuro seria só comércio e serviços prejudicaram a União Europeia

A invasão da Ucrânia pela Rússia de Putin, a inflação, a pandemia, a crise das matérias-primas, a tenaz do protecionismo dos EUA e da China, a urgência de autonomia económica e de maior visão estratégica são fortes motivos para uma forte aposta na reindustrialização por parte da União Europeia.

A nova Comissão e os Estados-membros devem retirar algumas ilações destas eleições para o Parlamento Europeu e uma delas é que temos de ser mais musculados e menos reativos na resposta económica aos concorrentes asiáticos e americanos, em especial na indústria. Bruxelas não pode continuar a reboque de Pequim (a quem interessa exportar e dividir para reinar), nem da suposta proteção militar de Washington – que é concorrente na captação de investimento e na geração de riqueza e emprego.

É agora ou nunca. É uma questão de realpolitik. É tempo da política perceber que é tempo de libertar os empresários dos grilhões da pesada regulamentação, burocracia e carga fiscal. Não se trata de uma matéria que diz apenas respeito a potências industriais como Alemanha, França ou Espanha. A reindustrialização – tão falada durante a pandemia – é uma questão vital para o futuro de todos os Estados-membros da União e para a sobrevivência a médio prazo deste bloco económico no xadrez mundial.

Quem acompanhou as inspiradoras intervenções de Macron, Carlos III ou Biden no 80o aniversário do Dia D, junto às praias do desembarque aliado na Normandia em 1944, num contexto de um perigoso e longo conflito militar às portas da União Europeia, decerto perceberá que este não é mais o tempo de limpar as armas, após o luxo da paz na Europa durante oito décadas – com a exceção da guerra na ex-Jugoslávia que só terminou graças a novo apoio norte-americano, no final do século XX.

A necessidade de uma aposta clara na economia da defesa (na qual Portugal terá algumas cartas para jogar) é tão óbvia que já não é necessária a justificação da invasão do ditador russo ao país de Zelensky. Não se trata apenas de armamento, mas também de vestuário, calçado, alimentos, construção ou tecnologia e tantas outras áreas do chamado uso dual, civil e militar.

A aposta na indústria em geral deve ser um desígnio político, social e civilizacional, além de económico. Os políticos que acreditavam que o futuro seria só comércio e serviços ou sustentabilidade a qualquer custo, sem um forte papel da indústria (suja de óleo e carvão, como se vivêssemos no século XIX), prejudicaram o histórico e fabuloso projeto da União Europeia.

Seguiram uma política errada, desenhada numa qualquer torre de marfim, sem os pés no chão, e impuseram, nos últimos largos anos, um emanharado legislativo, regulatório e fiscal que reduziu de forma inconcebível a capacidade competitiva da Europa dos 27 no comércio mundial.

A nova Comissão Europeia, mesmo que liderada (de novo) por Ursula von der Leyen, e o novo Conselho (terá o português António Costa hipóteses de vencer?) devem ter esta realidade como prioridade estratégica. Não é por uma questão conjuntural ou por pressão do lobby da indústria nas instituições comunitárias; é mesmo por “imperativo categórico” de reforço da capacidade de ação da União no plano mundial, em termos políticos e militares.

Por quanto tempo mais a Europa vai acreditar no Pai Natal e que não está, desprotegida militarmente, à mercê dos exércitos de Moscovo ou até mesmo de Pequim? Querer paz (que todos desejamos) não é sinónimo de irresponsabilidade “peace & love”. A festa do pacifismo acabou… Bruxelas tem de acordar do sono infantil de um mundo idílico de carroceis e guloseimas. Nós, as novas gerações e quem morreu nas praias da Normandia há 80 anos não vamos mais pactuar com um amorfismo político das elites pseudo bem pensantes que deixaram a Europa amarrada de pés e mãos. O debate “Sim ou Não”, com Henrique Burnay e Joana Valente, e o Sucesso.pt do caso da Riopele são um valioso contributo para reflexão, nesta edição, para ver também em Amanha.sapo.pt e na Euronews. Sugiro também as crónicas de Helena Canhão, João Catalão e Frederico Costa sobre digitalização, saúde e liderança, temas essenciais para Portugal e a Europa.