Os dois Tratados de Tordesilhas e narrativas vencedoras

Tordesilhas é um ótimo exemplo para líderes refletirem a nível profissional e corporativo.

A 7 de Junho de 1494 foram assinados em Tordesilhas dois tratados entre o rei português, D. João II, e os seus primos, os Reis Católicos de Castela e Aragão. Em Portugal falamos apenas de “o” Tratado de Tordesilhas, o famoso “tratado oceânico” que ditou a partilha do mundo em dois, mas em Espanha, durante séculos, falou-se também do “tratado africano” que garante a exclusividade espanhola para Melilla e restante (pequeno) Magrebe, abstendo-se estes reinos de pescar e navegar a sul do Cabo Bojador.

Isto é, D. João II manteve Ceuta, mas renunciava a estender a sua influência para o Reino de Fez, deixando a sua (eventual) conquista territorial para os Reis Católicos. Por outro lado, obtinha a garantia da exclusividade a sul das Canárias, sendo que naquele tempo já Bartolomeu Dias tinha contornado o Cabo da Boa Esperança.

Vem este episódio a propósito da relevância dos líderes desenharem narrativas positivas e vencedoras. No século XVI, e nos seguintes, tanto os descendentes de D. João II como os dos Reis Católicos afirmaram vitória e ganhos significativos com base nos mesmos Tratados de Tordesilhas. No mundo profissional, corporativo e político de hoje, os líderes devem investir na construção e divulgação de narrativas convincentes, poderosas, logo legitimadoras do sucesso.

O Tratado (oceânico) de Tordesilhas em 1494 estabeleceu uma divisão de terras recém-descobertas fora da Europa entre Espanha e Portugal, enquanto o Tratado (africano) de Tordesilhas clarificava a divisão do Norte de África. Ambas as nações elaboraram narrativas vencedoras em torno dos seus papéis e realizações como resultado dos tratados, enfatizando os seus pontos fortes, ambições e legados únicos.

A narrativa vencedora de Espanha após o Tratado de Tordesilhas enfatizou a sua visão de um império global, justificado por um mandato divino para se expandir para o Ocidente e difundir o Cristianismo. Esta narrativa destacou o papel de Espanha na descoberta de vastas novas terras, trazendo imensa riqueza e recursos de volta à Europa e alimentando a Idade de Ouro espanhola.

Celebrando exploradores heroicos como Colombo e conquistadores como Cortés e Pizarro, a Espanha retratou as suas conquistas como uma missão civilizadora que levou o cristianismo e a cultura europeia aos povos indígenas das Américas. A imensa riqueza obtida nas Américas, especialmente através da mineração de ouro e prata, foi vista como um testemunho do domínio legítimo e da capacidade económica de Espanha.

A narrativa vencedora de Portugal após o Tratado de Tordesilhas enfatizou o seu papel como pioneiro na Era dos Descobrimentos, com navegadores como Vasco da Gama e Cabral abrindo rotas marítimas para o Oriente e o Brasil. Esta narrativa celebrava o estabelecimento de entrepostos comerciais estratégicos em África, Índia, Sudeste Asiático e Brasil, destacando os imensos lucros e mercadorias exóticas que fluíam para os portos portugueses provenientes do comércio mundial.

Ressaltou os avanços de Portugal na navegação e na construção naval, posicionando o país como líder na inovação marítima. Além disso, a narrativa de Portugal promoveu o intercâmbio cultural e a cooperação dentro das suas colónias, particularmente em regiões como India e Brasil, ao mesmo tempo que enquadrava a sua expansão em termos de difusão do cristianismo através do trabalho missionário.

A análise comparativa das narrativas vencedoras de Espanha e Portugal após o Tratado de Tordesilhas revela focos e justificações distintas para as suas expansões imperiais. A Espanha concentrou-se na expansão e conquista territorial, estabelecendo vastas colónias nas Américas, e enfatizou o domínio e a riqueza através da construção de impérios baseados na terra, principalmente na extração de metais preciosos.

Em contraste, Portugal centrou a sua narrativa na exploração marítima, estabelecendo entrepostos comerciais estratégicos e controlando rotas comerciais lucrativas, especialmente no comércio de especiarias. A abordagem de Portugal foi mais integradora com as populações locais, promovendo o intercâmbio cultural e a cooperação, enquanto a narrativa de Espanha destacou a propagação do cristianismo. As narrativas de ambas as nações legitimaram as suas ambições imperiais e celebraram os seus pontos fortes e conquistas únicas.

Importância de uma boa narrativa para uma boa liderança

Tordesilhas é um excelente exemplo para os líderes refletirem do ponto de vista profissional e corporativo. Mesmo no tempo das redes sociais e da informação instantânea, uma narrativa vencedora é uma ferramenta poderosa que ajuda os líderes a inspirar, motivar e orientar as suas equipas para alcançar objetivos comuns.

Aqui estão vários motivos principais pelos quais uma narrativa vencedora é crucial para uma liderança eficaz:

  • Visão: Uma narrativa vencedora fornece uma visão clara e convincente do futuro, ajudando os membros da equipa a compreender a direção que estão a tomar. Alinha os esforços da equipa com os objetivos estratégicos da organização, garantindo que todos trabalham pelos mesmos objetivos.
  • Conexão Emocional: Uma narrativa convincente atua num nível emocional, inspirando e motivando as pessoas a comprometerem-se com a visão do líder. Uma narrativa vencedora promove um sentimento de identidade compartilhada entre os membros da equipa, promovendo a unidade e o trabalho em conjunto.
  • Resiliência: Uma narrativa forte ajuda as equipas a enfrentar desafios e contratempos, enquadrando as dificuldades como parte da jornada em direção a um objetivo maior. Uma narrativa confiável e autêntica cria confiança entre o líder e a equipa – quando os membros da equipa acreditam na visão do líder, é mais provável que a sigam de boa vontade.
  • Gestão da Mudança: Uma narrativa convincente é essencial para impulsionar mudanças dentro de uma organização. Ajuda a explicar as razões da mudança e os benefícios que ela trará, reduzindo a resistência e ganhando adesão.
  • Legado: Uma narrativa vencedora cria um legado duradouro ao incorporar a visão e os valores do líder na cultura organizacional, influenciando as gerações futuras. Ajuda a moldar e reforçar a cultura organizacional, incorporando valores e comportamentos fundamentais que apoiam a visão geral.
    Na analogia que estamos a utilizar, a assinatura dos Tratados de Tordesilhas em 1494 entre Portugal e Castela/Aragão é um êxito para ambos os lados pela forma como foi explicada posteriormente. Ambas as nações construíram narrativas vencedoras subsequentes em torno desses tratados, destacando as suas conquistas e visões únicas. Enquanto a narrativa vencedora de Espanha enfatizava a expansão territorial, riqueza e propagação do cristianismo, resultando num império baseado na terra, a de Portugal focava na exploração marítima, comércio de especiarias e integração cultural, resultando num império comercial baseado no mar. Essas narrativas refletiam as prioridades de cada um para legitimar as suas ambições imperiais, com base nos mesmos textos assinados em 1494. No contexto atual, mesmo com a ascensão das redes sociais e da informação instantânea, uma narrativa vencedora continua a ser essencial para a eficácia da liderança, fornecendo clareza, inspiração, unidade, resiliência e confiança para enfrentar desafios e alcançar objetivos extraordinários. Ela cria uma visão compartilhada que mobiliza a ação coletiva e impulsiona o sucesso futuro, conectando-se aos valores e aspirações das pessoas e organizações.

Sócio da Egon Zehnder (Portugal)