Fabrice Le Saché: “EUA e a China estão à frente na corrida. A Europa tem de acelerar”

Com as eleições europeias à porta, Fabrice Le Saché, vice-presidente do Movimento das Empresas de França (MEDEF), traça o retrato do ecossistema empresarial europeu e critica a excessiva burocracia e regulamentação na UE.

Ecossistema empresarial, reindustrialização, Inteligência Artificial, transição climática e a crise na habitação são alguns dos temas que preocupam portugueses e europeus a poucos dias das eleições europeias (9 de junho).

Fabrice Le Saché, empresário e vice-presidente e porta-voz do Movimento das Empresas da França (MEDEF), uma das principais organizações empresariais do país, esteve em Portugal a convite da CIP – Confederação Empresarial de Portugal e no âmbito de uma tournée europeia.

– No contexto da sua viagem em França e depois pela Europa, que conclusões retira das discussões com os empresários europeus?
Francise Le Saché – A ampla gama de empresários que conheci por toda a Europa e França estabeleceram um diagnóstico comum do panorama empresarial europeu.

Dadas as mudanças geopolíticas e económicas que se avizinham, as empresas enfrentam grandes desafios: o excesso de regulamentação promulgada pela UE e a complexidade dos procedimentos administrativos, a dificuldade em implementar normas ambientais como o Green Deal, além do peso fiscal, constituem obstáculos ao empreendedorismo.

Os subsídios estatais e europeus são de extrema importância para apoiar as nossas indústrias. A nossa competitividade e produtividade dependerão da capacidade de criar um clima empresarial mais atrativo, propício a investimentos e inovação. Como defendemos os interesses das empresas, a nossa ambição é criar uma estratégia pró-empresarial em todo o bloco.

– Atualmente, considera que a União Europeia é favorável às empresas? O que precisa mudar?
FLS – Aumentar a competitividade da Europa está ao nosso alcance se pusermos fim ao fardo regulatório. Reduzir a burocracia é uma prioridade, dado o seu alto custo para as empresas. A União detém um recorde na promulgação de novas legislações da UE. No total, foram produzidas 5000 páginas de regulamentação entre 2017 e 2022, bem como 850 novas obrigações.

Enquanto os nossos concorrentes americanos e chineses comercializam e desenvolvem negócios a alta velocidade, como os procedimentos de aprovação para estabelecer fábricas ou concessão de subsídios às empresas, na Europa, as empresas enfrentam uma realidade muito diferente. É hora de a Europa acelerar o seu processo de tomada de decisão.

Para além da situação económica atual, um fosso estrutural tem-se deteriorado entre os Estados Unidos e a Europa. Perante um ponto de rutura com outros blocos económicos, a Europa deve mudar de velocidade e acelerar!

Ao contrário dos mercados energéticos asiáticos e americanos, onde os preços permanecem baixos e competitivos, os preços elevados da energia têm sido uma preocupação para as empresas europeias desde a eclosão da guerra na Ucrânia. Reduzir os preços da energia, ter acesso a energia sustentável e competitiva será o próximo passo do nosso plano de ação.

– A regulamentação excessiva em relação à Inteligência Artificial é apontada como um dos fatores que podem bloquear a inovação e o progresso. O AI Act está a deixar a Europa atrás de outros países como os EUA?
FLS – O AI Act, concebido para fornecer um quadro legal aplicável às empresas e administrações que utilizam IA, visa garantir que os sistemas utilizados no mercado europeu sejam seguros e cumpram os direitos e valores fundamentais. Pretende estimular o investimento e a inovação, mas expressamos reservas quanto aos efeitos do texto.

O AI Act precisará de uma quantidade significativa de diretrizes e atos delegados emitidos pela Comissão antes que o texto possa ser implementado. Portanto, as empresas terão de passar por um período de incerteza e limbo legal.

Dada a complexidade trazida pelo AI Act, é pouco provável que coloque as empresas europeias numa posição vantajosa. No contexto de uma corrida globalizada, a Europa deve observar o que os EUA, a China e a Índia estão a fazer, para evitar colocar as empresas europeias em desvantagem ao sobre regulamentar.

A inteligência artificial é o futuro da indústria. Pode ser considerada uma arma na batalha económica em que estamos a envolver-nos.

– A crise no setor de habitação está a espalhar-se por toda a Europa. Portugal e França não são exceção. Que medidas recomenda para superar a crise atual?
FLS – O investimento em habitação diminuiu acentuadamente no último ano, pois foi severamente atingido por altas taxas de juro. Muitas empresas do setor imobiliário faliram ou ficaram muito enfraquecidas. Neste setor, esperamos até 90 000 cortes de empregos. Em maior escala, prevê-se a perda de 250 000 empregos em todo o espectro. É urgente trazer de volta o investimento no setor habitacional.

Esta questão deve ser abordada tanto a nível nacional como europeu. A implementação das novas normas ambientais europeias, como o Diagnóstico de Desempenho de Edifícios (DPE), agravou a situação do setor, colocando mais restrições aos compradores e vendedores. A renovação térmica acarreta altos custos para estes últimos num contexto marcado por alta inflação.

Alertamos as autoridades contra os riscos que a excessiva regulamentação pode causar num futuro próximo. Daí o nosso apelo por um choque de simplificação e uma pausa na máquina legislativa da UE

– Assim como em França, Portugal tem sido marcado por ações de bloqueio ou sabotagem por ativistas climáticos. É possível alcançar uma transição climática a nível nacional e europeu sem bloquear o crescimento económico?
FLS – Os ativistas climáticos levaram a cabo ações violentas contra várias iniciativas locais em França. A sua radicalização ao longo dos anos pode representar uma ameaça à instalação de fábricas e deve ser controlada de perto pelas autoridades.

Para reforçar a capacidade de investimento das empresas, a redução da tributação suportada pelas indústrias é fundamental. A nível europeu, a concentração de recursos através de um fundo dedicado, como o Next Generation EU, adotado urgentemente durante a pandemia, ajudaria a apoiar a transição económica das empresas. A mudança para este novo modelo económico terá de ser progressiva, para garantir que os esforços despendidos sejam sustentáveis.

– Se pudesse implementar uma mudança na política europeia, qual seria e porquê?
FLS – Para o bem da nossa competitividade, é imperativo cortar a burocracia e a excessiva regulamentação. Antes de regular, devem ser realizados estudos de impacto pelas autoridades para evitar decisões absurdas que podem até ser inaplicáveis. Além disso, as empresas precisam de ser consultadas previamente para avaliar a viabilidade de futuras normas.

– Como vê a Europa daqui a 20 anos?
FLS – O nosso continente está à beira de profundas mudanças económicas, face à aceleração da predominância económica americana e chinesa e ao aumento das tensões geopolíticas. Como os EUA e a China estão à frente na corrida, a Europa deve acelerar para recuperar. Um choque de simplificação e competitividade será fundamental para voltar aos trilhos.

Reindustrializar a Europa tem de andar de mãos dadas com o relançamento da nossa produção. A criação de um fundo soberano, que representasse 10% do orçamento anual da UE (12 mil milhões de euros), destinado a desenvolver tecnologias estratégicas, criaria um verdadeiro choque de competitividade.

O nosso objetivo de transitar para uma economia mais sustentável será alcançado com a adoção de uma diretiva de baixo carbono.
Temos de criar campeões europeus, fazendo com que as gerações futuras adquiram competências e habilidades em áreas estratégicas. Isso é uma das nossas principais prioridades. Isso significa contar com um ecossistema integrado e digitalizado de educação e formação contínua, adaptado às necessidades da economia, como IA, quântica e nuclear.

O que está em jogo é o financiamento de projetos estratégicos que podem ter um efeito de alavanca na nossa economia. A esse respeito, apelamos à criação de mercados de capitais para financiar as nossas necessidades futuras.

Se a Europa conseguir fazer essa viragem para mais pragmatismo, acelerar as suas inovações, poderá recuperar as transições digital e verde e voltar à corrida global.