O complexo português contra as grandes empresas

Não devíamos ter vergonha de ter alguns dos melhores e mais bens pagos gestores globais

Vasco de Mello, presidente cessante da Associação Business Roundtable Portugal (ABRP), dizia, numa entrevista recente, que não faz sentido pensar que as empresas e os seus colaboradores estão em pontos opostos de uma guerra. Essa é uma realidade que já não é predominante, nem representativa do tecido empresarial português, especialmente no que respeita às grandes empresas.

Essa é uma visão anacrónica do mundo, imposta por uma esquerda mais radical, que se quer manter relevante perante um eleitorado também anacrónico e pouco competente. O complexo do “grande capital”, dos dividendos milionários, dos gestores bem pagos tem de desaparecer da sociedade portuguesa. Este complexo é, eventualmente, um dos maiores inibidores do sucesso de Portugal.

Pode haver casos pontuais de empresas mal comportadas, que os sindicatos e jornais gostam de explorar à exaustão, mas o facto é que a maior parte das grandes empresas está, hoje em dia, numa competição global pelo bom talento, que também ele é global. Empresas mal comportadas estão condenadas a mudar de líder ou a morrer no curto prazo. O mercado encarrega-se de dar cabo delas e absorver os bons colaboradores (e nestes casos lá vêm os sindicatos dizer que o Estado tem de intervir para manter os postos de trabalho).

As boas empresas multiplicam-se em iniciativas para atrair e conservar talento, para formar e criar benefícios para os colaboradores, para aumentar a sua visibilidade. Os líderes, de topo e intermédios, transformam-se em líderes responsáveis e empáticos. Modernizam as suas lideranças, mostram-se mais preocupados com o ambiente, com as alterações climáticas, com a responsabilidade social das suas empresas, com a transparência da sua gestão – temas como a equidade salarial de género, igualdade de oportunidades, diversidade, upskilling e reskilling, estão no topo das suas prioridades. E sabem que se assim não for, os colaboradores fogem, mudam.

A reputação das empresas, de forma transversal, é porventura o ativo mais importante nesta senda de ter consigo os melhores. E não falo apenas de empresas de prestação de serviços em Lisboa e no Porto – refiro-me também a empresas industriais do interior do país – cujas condições de captação e retenção de talento mudaram radicalmente nos últimos anos. Já não é raro ver empresas do interior a captar famílias inteiras fora de Portugal e a dar-lhes condições bem acima dos salários mínimos, com direito a casa, escolas para os filhos e ajuda na procura de trabalho para os cônjuges. Não é raro ver empresários industriais a comprar hotéis desativados e a transformá-los em habitação para os seus funcionários estrangeiros.

O grande problema de Portugal continua a ser o salário. Muito mais baixo do que os salários que se pagam lá fora, o que motiva o êxodo para o exterior de grande parte dos nossos jovens. O tema dos salários baixos tem várias motivações: falta de grandes empresas no tecido empresarial português – o que implica uma produtividade média muito baixa; uma fiscalidade altamente penalizadora para empresas e colaboradores – o tristemente famoso hiato fiscal em que num aumento de vencimento, o Estado ganha mais em impostos e segurança social do que o colaborador no seu salário líquido; e o tamanho do país, que afeta diretamente os preços dos produtos e serviços, geralmente mais baixos do que os preços que se pagam em qualquer país europeu, com reflexos óbvios no que as empresas podem pagar aos seus funcionários.

Portugal necessita assim de ter um número maior de grandes empresas. Segundo a ABRP, o número de grandes empresas em Portugal é de cerca de 29% do total de empresas, enquanto em Espanha é de 38%, na Alemanha de 52% e na França de 58%. Ainda segundo a mesma associação, num estudo realizado pela Nova IMS, conclui-se que 1% das maiores empresas que operam em Portugal representam 57% do VAB do país, 82% das exportações e 64% das contribuições para a segurança social. E são exatamente estas empresas, que devem ser acarinhadas, que estão permanentemente a ser atacadas pela esquerda radical e por alguns órgãos de comunicação social, alinhados e inclusivamente pelo anterior primeiro-ministro António Costa, quando se indignavam publicamente com as narrativas oficiais.

As grandes empresas não são apenas necessárias. São muito relevantes para a competitividade de um país como Portugal. Ainda segundo dados da ABRP, as grandes empresas:
– São 10 vezes mais produtivas do que as médias empresas e 62x mais produtivas do que as pequenas empresas;
– Pagam melhores salários: em média, as grandes empresas portuguesas têm um salário médio 2x superior ao salário médio do setor privado;
– Pagam muito mais IRC do que a média das empresas, não apenas porque têm mais lucros, mas porque em Portugal o imposto sobre o lucro das empresas é progressivo.

Para além disso, são elas que verdadeiramente contribuem para a formação de grande parte do PIB (fórmula = C+I+G+X-M)* – melhores salários contribuem para um maior consumo privado (C), são as grandes empresas que exportam (X), são elas que verdadeiramente investem (I), em inovação, em novos mercados e internacionalização, em tecnologia, em governance, em sustentabilidade e responsabilidade social.

É por isso imperativo que as políticas públicas privilegiem a transformação do tecido empresarial para lhe dar mais escala e competitividade. São necessárias mais grandes empresas que transformem o ciclo vicioso num ciclo virtuoso. Uma fiscalidade mais previsível (e mais baixa), uma justiça mais rápida, uma burocracia menos penalizadora seriam algumas políticas muito bem-vindas.

Mas é necessário, sobretudo, que o país e os portugueses mudem a forma como olham para o sucesso das nossas empresas, dos nossos empresários e dos nossos gestores. Da mesma forma como nos orgulhamos de ter o melhor jogador de futebol do mundo – e não nos envergonhamos com o seu salário bilionário – não devíamos ter vergonha de ter alguns dos melhores e mais bem pagos gestores globais.

Sem nenhum desprimor pela maioria dos gestores das grandes empresas nacionais, fazem-nos falta mais gestores como o Carlos Tavares (Stellantis), António Simões (HSBC), Pedro Castro e Almeida (Santander) ou António Horta Osório.

Gestor e empresário, CEO Lift Consulting