Tributação com Futuro (IRS e Habitação)

Os poderes públicos devem estar cientes do risco de matarem a galinha, na ânsia da apropriação imediata dos ovos

Tal como o dono da galinha dos ovos de ouro, também o Estado tem interesse em fomentar a economia para não prejudicar as receitas futuras com a voracidade do presente. Por isso, os poderes públicos devem estar cientes do risco de matarem a tal galinha (i.e. a economia), na ânsia da apropriação imediata dos ovos (ou seja, de receitas fiscais).

Num momento em que a pressão fiscal atinge níveis inimagináveis, mas também a pressão orçamental (a título de meros exemplos, agentes de segurança, oficiais de justiça ou médicos, a par de hospitais, escolas ou aparelho militar) e ao mesmo tempo em que se discute o nível, a forma e o ritmo da redução de impostos, importa analisar o que seria uma redução sustentável da carga fiscal.

Isto é, a forma como essa redução pode permitir um aumento da base tributária que mantenha a receita, apenar da desejada ausência de inflação, geradora de ilusórios aumentos de receita e de reais reduções do rendimento disponivel.

Dado que tudo o mais são meras abstrações (no sentido em que as empresas não votam, nem consomem no sentido em que o fazem os sujeitos a IRS), é no IRS que reside a mais sentida necessidade de descida de impostos.

Até porque o IRS penaliza muito a classe média que vive com orçamentos apertados, pois a sua progressividade é muito rápida e provoca níveis anormalmente elevados de amputação de rendimentos, até para valores particularmente baixos. Uma revisão das taxas que permita aliviar essa classe média é, por isso, bem-vinda e até sustentável por ter efeitos positivos na economia.

Mas, hoje, a principal dificuldade das famílias e em especial dos mais jovens, consiste no custo da habitação, seja por compra, seja por arrendamento. E este é um problema que só pode ser resolvido do lado da oferta, não do lado da procura, até porque as soluções que levariam à redução da procura iriam provocar ainda maiores dificuldades do lado da sustentabilidade da Segurança Social.

Assim, há desde logo que construir mais habitação, pelo que soluções como a canalização de autorizações de residência (a conceder em prazo que não envergonhe) para investimentos em projetos de habitação para venda ou para arrendamento seria uma forma de rapidamente aumentar a oferta disponível.

Porém, o custo a que a habitação chega hoje ao mercado é proibitivo e a tributação tem aí um peso decisivo. O IMT, outrora o imposto mais estúpido do mundo, mas, por isso mesmo, também aquele que prova ser o mais resiliente (a par do Selo), inflaciona o custo da habitação em cada transação e cria dificuldades acrescidas ao aumento e à mobilidade geográfica das famílias.

A isto soma-se a isenção de IVA que, paradoxalmente, encarece em muito o custo dos imóveis. É que a isenção é ilusória, pelo mecanismo do IVA oculto (o IVA que sendo custo, é repercutido no preço). A isenção é incompleta porque o promotor imobiliário não deduz o IVA suportado na construção, pelo que todo o imposto suportado é repercutido no preço de venda (ou seja, este inclui o IVA, por regra à taxa de 23%), que incidiu sobre materiais, salários, margem de lucro de empreiteiros, etc., com exceção apenas de pouco mais do que a margem de lucro do próprio promotor.

Por isso, a isenção de IVA é ilusória e ao imposto oculto acrescem ainda o IMT e o Selo. É de rever a forma de tributação em IVA da compra e venda de imóveis, em especial dos habitacionais. Como? Pela sujeição da habitação nova a IVA reduzido, o que permite deduzir o IVA a montante, com exclusão de IMT, que não do Selo.

Mas para o futuro, será o IRC, o seu impacto nas empresas e a facilitação da consolidação e do crescimento da dimensão das empresas, aquele que terá mais impacto e fará a diferença. Voltamos, por isso, ao tema na próxima semana.

Fundador da J+Legal e vice-Presidente do Fórum para a Competitividade