Igualdade de género na política: a revolução (ainda) por cumprir

Que os próximos 20 anos sejam mais ágeis no desígnio cultural e político da igualdade

A ‘revolução’ da igualdade de género na política está ainda por cumprir, no marco político dos 50 anos da revolução de Abril. A História justifica a lentidão desta caminhada, mas também assim o fundamenta a cultura política democrática Portuguesa, deficitária no interesse cívico quanto à inclusão de género. Quanto à História, a sublinhar que, à data das primeiras eleições livres pós-revolução, para a Constituinte em 1975, a inclusão eleitoral e política, em geral, era difícil tanto para os homens como, em particular, para as mulheres, tendo em conta os critérios da inscrição eleitoral, assim como a grande proporção de adultos que não sabiam ler nem escrever, pelo menos até às grandes campanhas de alfabetização, que começaram depois da revolução de 1974.

Em Portugal, o caminho foi lento e resiliente para as mulheres passarem a ter direito ao voto. Deste destaque-se o ato heróico de Carolina Beatriz Ângelo, em 1911, de desafio institucional e eleitoral. A partir daí, houve escassas revisões legais, de onde se destaca a de 1959 (após revisão do Código Administrativo) que permitiu às mulheres com ensino secundário ou superior, juntamente com a condição de serem ‘chefes de família’, o direito de voto. Em 1968, o voto foi alargado a todas as mulheres em Portugal, com a condição de que soubessem, pelo menos, ler e escrever (Espírito Santo 2015, pp. 138-139). No entanto, o conceito de registo eleitoral universal (com exceção dos menores de 18 anos) só foi introduzido nas primeiras eleições livres para a Assembleia Constituinte, em 1975, reforçado no ano seguinte, em 1976, nas suas várias eleições, e já vinculado à primeira Constituição democrática portuguesa.

Para além de históricas, as principais razões para se explicar e ultrapassar as desigualdades de género, em Portugal, nos últimos 50 anos após Abril, na política em geral, e nas carreiras políticas, em particular, são estruturais e profundamente enraizadas, e têm origens numa cultura política democrática participativa e num processo de socialização política, onde a desigualdade de género é aceite e culturalmente orientada em cada geração.

Portugal não é caso singular, já que maioria das democracias neoliberais não promove a política como uma importante área de opção de emprego social e profissional, especialmente para as mulheres. As evidências sobre o processo de socialização política fornecem um conjunto de causalidades que destacam variáveis contextuais e situacionais e elementos relacionados com as desigualdades de género nas carreiras políticas.

Por outro lado, no que ao Parlamento diz respeito, os deputados e o poder político institucionalizado tendem a desenvolver uma estratégia particularmente orientada para as prioridades e lógicas internas de seleção, ao mesmo tempo que se concentram nas restrições institucionais e internas do partido de acordo com a proximidade eleitoral, onde a igualdade de género não é critério natural nem sequer através da recomendada imposição de quotas parlamentares (recorde-se a introdução da Lei da Paridade – Lei Orgânica n.º 3/2006, de 21 de agosto).

O nosso argumento principal nesta reflexão, sobre causalidades e respostas, para a permanência da desigualdade de género na política, 50 anos após a revolução de Abril, reserva um enfoque específico que deriva, em grande parte, do processo de socialização política e, particularmente, nas consequências que este processo tem nas atitudes e comportamentos desiguais quando comparamos mulheres e homens. Tendo em conta a principal base de recrutamento para cargos e carreiras políticas, a salientar que as mulheres ainda são uma minoria nos membros do partido – cerca de 30% (Espírito Santo, Lisi e Ferreira Costa 2018).

Esta segue uma tendência internacional, pelo menos nas nações democráticas, independentemente do partido ou ideologia em consideração (Haute e Gauja 2015). Isto significa que as medidas legais de quotas tomadas até agora, juntamente com as ações propagandísticas dos partidos, especialmente durante a campanha eleitoral, levaram a uma seleção artificial e não proporcional e até forçaram à integração das mulheres em cargos governamentais e parlamentares (uma vez que a base de recrutamento é muito menor para as mulheres do que para os homens).
Os resultados alcançados na filiação partidária (Espírito Santo, Lisi e Ferreira Costa 2018) destacam as dificuldades sociais e políticas, os caminhos complexos e os constrangimentos para alcançar o equilíbrio de género nas carreiras políticas.

Defendemos que, a um nível socioestrutural, os processos de socialização política (incluindo família, escola, grupos de pares e meios de comunicação social, etc.) proporcionam uma perspetiva de distanciamento em relação aos partidos políticos.

O processo de socialização política, desenvolvido ao longo da vida, apresenta as orientações fundamentais onde a desigualdade de género está presente informalmente. Apesar disso, em termos de desigualdade de género numa perspetiva de carreira de cima para baixo, encontramos evidências de uma revolução silenciosa de género que já está presente em muito poucas democracias pós-industriais e neoliberais, como a Suécia e a França, por exemplo. Estas democracias já realizaram uma transformação profunda e progressiva das suas culturas políticas nas últimas duas décadas no que diz respeito aos vários graus do processo de democratização.

Na UE encontramos uma tendência transnacional que ainda observa a igualdade de género como um marco importante a alcançar rumo a uma cidadania participativa plena e progressiva. Quando se trata de direitos humanos e transparência, Portugal, em linha com várias democracias europeias, precisa de desenvolver competências em matéria de socialização política para alcançar padrões mais elevados na integração profissional de género nas carreiras políticas.

Portugal entrou tarde no comboio da paridade de género. Contudo, tal como em múltiplas áreas que espelham um retrato do estado da Nação, na política e nas suas carreiras existe uma necessidade gritante de estímulo de todos os agentes de socialização política, a começar pela escola, e pelos agentes cívicos da sociedade e a terminar na família e nos grupos informais que devem procurar a inclusão e a paridade de género. Este é um desígnio estabelecido como uma prioridade de Abril, 50 anos depois ainda por cumprir pelas barreiras, as mais difíceis de ultrapassar, as culturais, fortemente resistentes por condição e natureza. Que os próximos 20 anos sejam mais ágeis neste desígnio cultural e político tão importante.

Professora no ISCSP