Pode-se decidir mais um aeroporto sem saber o que se passa com a TAP?

Novo aeroporto sem uma companhia forte é um potencial desperdício de dinheiro

Temos assistido nos últimos (demasiados) anos a uma discussão sobre a localização de um novo aeroporto na região de Lisboa. Tamanha decisão tem de ser tomada enquadrada quer em pareceres técnicos, quer em interesses e desígnios estratégicos para um país, mas sem nunca esquecer o enquadramento de negócio com todas as variáveis externas a considerar.

Recordo-me de ouvir os comentários em 2015 acerca da exaustão do Aeroporto Humberto Delgado (AHD), quase como se fossem avisos: aqui não cabe nem mais um passageiro. Já todos falavam abertamente da saturação num ano em que se atingiram pela primeira vez os 20 milhões de passageiros no AHD. Pois quatro anos passaram até que se chegasse aos mais de 30 milhões de passageiros (mais 55% em apenas quatro anos). Quase que poderíamos dizer como Fernando Ulrich disse, que afinal o aeroporto “ai aguenta, aguenta”!

A grande questão que em 2024 precisamos responder é simples: O país precisa que cheguem mais passageiros ou de ter mais aeroportos?

É mais do que evidente que a resposta é que precisamos que cheguem mais passageiros ao país. Aliás, atrevo-me a corrigir-me: que cheguem… e desembarquem!

Não pretendendo rebater o relatório da Comissão Técnica Independente (CTI) numa pequena coluna, mas afirmo que, se não tivermos uma companhia aérea de bandeira que consiga criar um hub de dimensões maiores do que existem hoje, apenas temos é que garantir que os corredores militares Montijo, Alverca, Sintra e Monte Real, sejam libertos, através de uma reorganização das nossas bases militares e da libertação de espaço que já existe no AHD mas ocupado pela base de Figo Maduro.

Com isso, conseguiríamos criar condições para aumentar a capacidade do terminal e de movimentos por hora com o consequente aumento de passageiros do Aeroporto de Lisboa, com as obras já previstas para o mesmo pela Vinci aquando da solução anunciada do Montijo (aumento das mangas, terminais e afins). O limite de 45 movimentos por hora que hoje o AHD possui é muito condicionado pelos fatores acima descritos.

A isto teremos de somar um aumento da capacidade dos atuais aeroportos de Porto e Faro para receber o crescimento (esperado e com potencial) de turistas estrangeiros a voar diretamente para essas localizações (o Porto retomará o seu voo direto do Dubai e temos o primeiro voo oriundo dos Estados Unidos para Faro, por exemplo).

Não podemos esquecer que Lisboa, no cenário de uma “escapadinha de fim de semana” dos turistas europeus (87% dos passageiros do Aeroporto de Lisboa), já tem um handicap considerável de distância face aos outros destinos europeus. Um alemão de Frankfurt demora 1H50 a chegar a Roma, 1H40 a chegar a Londres, 1H15 a chegar a Paris e… 3H10 a chegar a Lisboa! Não podemos negar que um alemão só pensa em vir a Lisboa nessa viagem porque não tem mais uma hora para chegar ao centro da cidade como nos outros destinos. Ignorar esse fato é fazer estudos de PowerPoint sem ter em conta os fatores de escolha dos clientes.

Agora vamos falar de um novo aeroporto enquadrado numa estratégia integrada com uma companhia aérea de bandeira. Isso é outra questão!

Tenho acompanhado o desenvolvimento do cenário aeroportuário do Médio Oriente. Hoje o aeroporto do Dubai é o segundo aeroporto mais movimentado do mundo com 86,9 milhões de passageiros/ano (quase os mesmos que a CTI prevê para Portugal) e que chegará a 120 milhões em 2030, altura em que nascerá o novo aeroporto. Esse aeroporto prevê acomodar 250 milhões de passageiros por ano em 2050.

A Arábia Saudita também está a executar a sua “Vision 2030” que prevê que o aeroporto de Riade cresça para os 120 milhões de passageiros (185 em 2050).

Perguntamo-nos então, porque é que não podemos querer também um novo aeroporto com essas escalas para Portugal?

Podemos se não esquecermos o enquadramento de toda a malha de transportes, já que os aeroportos do futuro estarão completamente integrados numa malha ferro e rodoviária que permita distribuir o tráfego de forma mais sustentável, rápida e eficiente.

Mais importante do que tudo isso, precisamos de ter uma companhia aérea robusta, alinhada com a estratégia do país para utilizar esses aeroportos como hubs. O caso da Arábia Saudita pressupôs o nascimento de uma nova companhia aérea que vá potenciar a utilização desses aeroportos com passageiros com destino final na Arábia Saudita, mas também com (muitos) passageiros em transferência (a CTI prevê que sejam mais de 30%).

Esses números precisam de uma companhia aérea que tenha Lisboa como hub (e não um feeder de outros hubs espalhados pela Europa) para que esses números façam sentido.

Não se pode negar o excelente trabalho que David Neelman e Antonoaldo Neves fizeram com o aumento dos passageiros em transferência oriundos do mercado norte americano. Foi isso que possibilitou o crescimento do turismo americano no país.

Não podemos como país dissociar a decisão de necessidade de um novo aeroporto ao facto de possuirmos ou não uma companhia de bandeira com capacidade para utilizar esses aeroportos. Temos é que tomar uma decisão rapidamente: reorganizar os espaços militares de modo a aumentar a capacidade do AHD ou ter uma companhia de bandeira forte para suportar um novo (e grande) aeroporto.

Um novo aeroporto sem uma companhia forte (nova ou não) é um potencial desperdício de dinheiro.

Gestor e ex-CEO da Groundforce