A eficiência do Estado não é um luxo

Apesar de todas as diferenças, o Estado é igual a uma empresa na gestão de custos

Dediquei os meus últimos três artigos a reflectir sobre a gestão financeira do Estado. Procurei defender que, ao contrário das empresas, o Estado se devia centrar na lógica da despesa por considerar que as funções do Estado são a primeira prioridade do seu desígnio. E definir prioridades implica opções de fazer e não fazer, de fazer já ou adiar para depois. A despesa pública é razão de ser de um Estado Social moderno.

Procurei depois esclarecer que, definidas as prioridades, caberia ao Estado decidir como as financiar. Também, ao contrário das empresas, o Estado deveria escolher os serviços que cobra ao utilizador e em que medida o deve fazer, os serviços que cobra aos beneficiários não discrimináveis e finalmente o que cobra residualmente aos cidadãos contribuintes, empresas e particulares, quer de forma directa, quer de forma indirecta.

Finalmente, procurei explicar que algumas dessas receitas deveriam ser imputadas não a despesa mas a investimento, o qual deveria ser avaliado em função do valor do seu retorno futuro, social e financeiro, mas que ao contrário do que acontece nas empresas, é justamente avaliado como despesa de caixa, como despesa presente.

Estes três artigos parecem provar que a gestão do Estado é muito diferente da gestão privada. Acontece que num tema o modelo de gestão é exactamente igual. A questão dos custos de funcionamento.

Quem gere empresas sabe a importância da gestão dos custos na proposta de valor que representa para os seus produtos, para a sua posição de mercado, em suma, para a sua função. Muitos pensam que a redução de custos é uma política operacional autónoma baseada numa ideologia que favorece o capital. Mas quem opera no mercado sabe que o custo é um assunto comercial e de marketing. Quanto mais baixo o custo operacional melhor proposta de valor se pode oferecer ao cliente, melhor vantagem se obtém num mercado concorrencial. Gerir custos operacionais não é uma mania, é uma essência da moderna gestão. Que o digam os comerciantes e as grandes superfícies. Que o digam as companhias aéreas de bandeira e as low cost.

Ora, curiosamente, isso não parece ser prioridade da causa pública. Ninguém sabe quanto custa a máquina fiscal em percentagem dos impostos recebidos. Ninguém sabe quanto custa a oferta de serviços de mobilidade por cliente na oferta de transporte público. E mesmo que se soubesse, ninguém define como prioridade a redução de custo por unidade de imposto arrecadado, ou a redução dos custos por passageiro transportado. Isto para dar dois de milhares de exemplos que poderíamos enunciar.

Estranha-se, porque à partida, o Estado parece beneficiar de circunstâncias únicas para garantir as melhores condições para atingir objectivos de custo operacionais baixos. Vejamos:

O Estado é a entidade que deveria deter as melhores condições, pela sua dimensão e a sua constância, na negociação com os fornecedores em termos de fornecimentos e serviços de terceiros. Acresce a isto as melhores condições de financiamento, não só em termos de custo do crédito, mas também em termos das maturidades.

Além disso, o Estado deveria beneficiar de sinergias únicas na gestão dos seus custos operacionais, que as empresas, por muita dimensão que possuam, dificilmente poderiam atingir. A gama de serviços que oferece, a dimensão da sua operação, permite integração e nível de serviços partilhados que dificilmente têm paralelo em qualquer estrutura empresarial.

Finalmente, teríamos os custos dos recursos humanos. Mas, também aí, a segurança do empregador e a diversidade de propostas com que se pode motivar os colaboradores deveria ser suficiente para ter os melhores talentos ou reduzir o prémio de risco profissional em concorrência com os privados.

Porque será que estas evidências não se reflectem na perceção dos cidadãos e na realidade dos factos? Mesmo que não tenhamos dados fiáveis, é uma evidência que a eficiência não é comprovável e talvez nem exigida.
Existem duas justificações para esta ineficiência percepcionada.

A primeira justificação, ainda que incompleta, é a inexistência de concorrência em muitos dos serviços públicos. Mas mesmo essa concorrência tem avaliações diferentes em mercados próximos.

Nas universidades, o sector público tem merecido preferência e demonstrado vantagens competitivas. Claro que se pode atribuir isso ao preço. Mas não tenho a certeza que, se o preço fosse igual, não seriam as universidades públicas a ocupar o topo do ranking de mérito. A contrario, no ensino secundário, mesmo com a vantagem do preço, o sector privado apresenta inegáveis vantagens ao nível dos rankings de mérito.

A segunda, e mais provável, é que não existem quaisquer incentivos à eficiência na gestão pública. O Estado optou pela forma, perdeu-se na burocracia, preferiu o princípio da legalidade prévia ao principio do acountability posterior. O Estado esqueceu o essencial: o resultado.

Por tudo isto, a reforma da administração pública deveria sempre começar pela despesa operacional. Porque essa é a despesa que não afecta a prioridade das funções que o Estado desempenha, nem as opções políticas diferentes que as eleições devem definir. Afecta sim o custo das funções prioritizadas.

Porque no Estado, até mais do que numa empresa, a eficiência não é um luxo, é um desígnio.

Gestor e ex-presidente do Novo Banco