BRP: “Temos de exigir mais do Estado para reter talento”

Associação Business Roundtable Portugal (BRP) critica a elevada carga fiscal do país e a tendência para o “inferno demográfico”, com a crescente fuga de talentos. “O país desaproveitou mais de 160 mil licenciados”, conclui num estudo recente.

A preocupação com a emigração jovem e qualificada é já um lugar-comum do discurso público. Outro é que a saída de talento português vai constranger o país no futuro.

Portugal formou 590 mil pessoas entre 2011 e 2021, mas só integrou na população ativa cerca de 370 mil diplomados. Estimando que cerca de 58 mil pessoas com educação superior se reformaram nesse mesmo período, o país “desaproveitou mais de 160 mil licenciados”, revelam dados recentes da Business Rountable Portugal (BRP), apresentados esta segunda-feira no evento “Mais e Melhores Oportunidades para o Talento”.

A emigração congrega já 26% da população portuguesa a viver para além das fronteiras do território nacional, o valor mais elevado em 30 anos.
“Cerca de 70% dos emigrantes são jovens em idade ativa”, entre os 15 e os 39 anos; isto é, “mais de um terço dos nascidos em território nacional nesta faixa etária” – cerca de 850 mil pessoas – reside no estrangeiro. Estes dados, destaca a BRP, transformam o “inverno” demográfico em que o país se encontra num “verdadeiro inferno demográfico”.

Vasco de Mello, presidente da BRP, defende uma “necessidade de mudança” no paradigma. Portugal não está “a conseguir atrair e reter talento e a transformar o seu potencial em riqueza”. O problema “não é que os jovens saiam”, mas que não tenham incentivos para ficar – ou voltar.


A associação destaca ainda a fiscalidade como a grande causa do “inferno demográfico”: “os salários pagos pelas empresas estão em linha com a capacidade de criação de riqueza “ em Portugal, mas a tax wedge (proporção entre o que uma empresa paga e o que um trabalhador recebe) está “bastante acima do que acontece na média dos países” da União Europeia (24,1% contra 20,8% na média comunitária).
“O resultado é claro: os encargos sobre o trabalho penalizam a qualidade de vida das famílias”, resultando em salários líquidos mais baixos “porque o Estado fica com uma maior parte”.

Num ambiente de forte competição global pela atração de talento, o país está em desvantagem com o resto do mundo, particularmente os parceiros comunitários. O mesmo foi destacado por vários jovens emigrados que deram os seus testemunhos no evento da BRP. Um deles, com 24 anos, notava que “basta passar uma fronteira para triplicar ou quadruplicar o rendimento.”

As soluções apresentadas passam “não apenas naquilo que compete às Autoridades e ao Estado”, mas também “naquilo que está ao alcance das empresas e dos empresários”. Para isso, a BRP identifica cinco áreas de trabalho prioritárias: a Cultura Organizacional, a Agilidade Organizacional, a Liderança, as Carreiras e os Benefícios (entendidos a partir de uma Proposta de Valor Integrada, Employee Value Proposition).

Dentro dos modelos de gestão, destaca-se a necessidade de comunicar com eficácia – tanto no diálogo em sentido horizontal, entre equipas, como no sentido vertical, entre responsáveis e colaboradores.

O Banco Santander, a seguradora Fidelidade, o grupo José de Mello, o grupo Pestana e o grupo Salvador Caetano são dados como exemplos a seguir no que toca às políticas de retenção de talento dentro das empresas.

A finlandesa Laura Lindeman, da Business Finland, a agência governamental da Finlândia, explica que as políticas públicas para este domínio “exigem uma grande complementaridade entre pastas ministeriais e domínios de atuação”. Mais do que um conjunto de programas governamentais e empresariais dispersos, a chave, sublinha Lindeman, é a criação de um “ecossistema” que possibilite a retenção de profissionais qualificados.

Também Friedrich Kuhn, da Egon Zehnder, destaca a necessidade de conjugar boas condições de trabalho com boas condições de vida. Para este executivo, que desenvolveu o modelo de Liderança Transformativa utilizado pela consultora, Portugal tem algum dos fatores necessários para “dar o salto” nesta matéria: um bom ambiente cultural e uma forte componente académica de colaboração com as empresas. Mas reforça a importância da “boa liderança” na definição de um rumo reformista. “A boa notícia é que depende de vós; a má notícia é que depende de vós”, conclui.

“O país está hoje mais consciente do problema, mas tarda em agir. Queremos provocar a ação”, destaca também o Chairman do Millenium BCP, Nuno Amado. “A única forma de inverter esta tendência”é através da complementaridade entre novas políticas públicas e boas práticas empresariais.”

No mesmo sentido, Vasco de Mello, presidente do grupo José de Mello e da Associação BRP, defende que o país deve “passar da teoria à prática ” e “eleger como desígnio nacional o regresso de uma parte significativa” do talento português na próxima década.

“Caso contrário não temos nem empresas de sucesso, nem conseguimos ter um país mais competitivo, justo e sustentável”, explica, acrescentando que “as grandes empresas devem ser as primeiras a agarrar e conduzir a parte da mudança que depende de nós, mas o Estado também. Temos de ser muito mais exigentes com o Estado”.

Editado por Diana Gomes