Peter Villax: “Empresários é que estão a safar o país. Deixem de culpar-nos”

Presidente da Associação das Empresas Familiares critica atraso nos licenciamentos, volatilidade legal e fraca ambição do país.

A Associação das Empresas Familiares representa 350 membros, cerca de 70% do PIB e 80% do tecido empresarial. Peter Villax critica atraso nos licenciamentos, volatilidade legal e fraca ambição do país.

A Associação das Empresas Familiares nasceu no final do século passado. Que desafios tem encontrado nestes 25 anos?
Peter Villax — As empresas familiares existiam já na Bíblia. O filho pródigo era um membro de uma empresa familiar. Era daqueles que se portava mal e depois havia o irmão que trabalhava imenso. Ora, a associação existe porque as empresas familiares são um aspeto central da economia portuguesa e de todos os países do mundo.
É a organização normal empresarial. É um marido e uma mulher e os pais e os filhos que se juntam para unir o seu esforço para produzir. É um modelo natural de propriedade, é um modelo normal de trabalho, sem excluir todas as outras formas.
Não vejo problema, há espaço para todos. A associação existe, obviamente, para defender os interesses dos seus associados dar-lhes uma voz.

— A AEF foi criada em 1998. Quais têm sido os principais desafios?
PV — Faz 25 anos. Existe para lhes dar uma voz — aquilo que eu gosto muito de fazer pelas empresas familiares que é dar-lhes uma voz aqui em Portugal, dar-lhes uma voz em Bruxelas, dar-lhes uma voz na Federação Europeia das Empresas Familiares —, para procurar identificar especialistas em aspetos específicos de empresas familiares: governo da família, relação entre a família como acionista e a gestão da empresa.
Quando as empresas atingem uma certa dimensão, em que os acionistas são um corpo e a gestão empresarial é um corpo diferente, é muito importante ajudá-los a comunicar o melhor possível, para que não se perturbem uns aos outros como, às vezes, acontece em algumas empresas.
Portanto, somos uma central de serviços para as empresas familiares. É isso que nós fazemos.

— As empresas familiares têm um peso, em Portugal, muito significativo na economia e no emprego. Isso é reconhecido?
PV — Não sabemos exatamente quanto ou qual o peso real. Comecei a falar com o Governo há mais 10 anos, a dizer vamos adaptar aqueles formulários que as empresas têm de entregar à Autoridade Tributária e ao Ministério do Trabalho, para haver ali uma possibilidade de as empresas assinalarem se se consideram empresas familiares, para começarmos a ter estatísticas oficiais sobre a dimensão do setor, o peso das empresas familiares no produto interno bruto, no trabalho, no emprego…
Os vários Governos nunca quiseram alinhar nisto. Porquê? Porque iria confirmar o grande peso que nós temos na economia, e, portanto, ia-nos dar uma sanção oficial. Os Governos preferiram não o fazer. Já lhes chegava a minha voz mais ou menos constante, pelo que não temos uma definição oficial, não temos uma quantificação oficial.

— Mas consegue-se ter mais ou menos a ideia do peso no produto de cerca de 70%…
PV — …70-80% do PIB. Eem todos os países, são valores bastante parecidos.

— Em relação ao próprio tecido empresarial, também 70% ou 80% serão empresas familiares?
PV — Em relação ao número de empresas é mais do que esse número. Agora, as grandes empresas são o verdadeiro motor da economia. Porquê? São economias de escala, têm produtividade muitíssimo mais elevada e arrastam as PME com elas. O grande motor são as grandes empresas.

— Mas, sejam grandes empresas e médias empresas, o universo de empresas familiares representa praticamente metade do emprego criado em Portugal?
PV — Sim, exatamente.

— Conheço algumas das suas bandeiras e dos associados, mas há uma questão de escala e de…
PV — Capacidade de inovação e capacidade de gestão. Quando nós temos uma grande empresa, temos muito mais recursos para irmos contratar gestores altamente qualificados. É que nas empresas familiares, normalmente, o fundador é uma cabeça extraordinária. Mas isso não garante que os filhos ou os netos sejam igualmente extraordinários.
Temos de reconhecer as nossas limitações, que existem, são normais. Os seres humanos, como toda a gente, há os mais espertos, há os menos espertos, e, portanto, é muito importante a humildade.
Tive a sorte de nascer numa empresa familiar. E temos de ter a humildade de reconhecer que, se calhar, lá fora há pessoas muitíssimo mais competentes do que nós.

— No seu caso e o do seu irmão, na Hovione, seguindo o exemplo do vosso pai, é uma empresa com uma dimensão enorme com gestão profissional contratada…
PV — Neste momento dirigida por um CEO que não pertence à família. Aqui o desafio é a comunicação com uma pessoa que é externa à família.

— Sobre bandeiras da associação (e de outras entidades como a BRP – Business Roundtable ou a CIP (Confederação Empresarial de Portugal que, naturalmente, abordam algum destes temas), identifica os custos de contexto? Mas essas são críticas crónicas dos empresários e dos gestores em Portugal…
PV — Custos de contexto e dificuldades de contexto. Em primeiro lugar, licenciamento pesado, com tentáculos que nunca mais acabam, que atravessam vários ministérios e que depois redundam em soluções de facilitismo como os PIN, Projetos de Interesse Nacional, que são criados pelo Governo, justamente porque criaram antes disso um emaranhado legal.
Primeira dificuldade de contexto, o emaranhado legal, a dificuldade que é licenciar um projeto. Tenho experiência de licenciamento de projetos industriais nos Estados Unidos, que é três vezes mais rápido do que em Portugal. O que é fundamental em negócios é a rapidez. Temos de reagir muito depressa.
Se temos estes sapatos de chumbo chamados licenciamento industrial, licenciamento ambiental, então não vamos conseguir responder. Essa é a primeira dificuldade de contexto.
A segunda dificuldade de contexto é a volatilidade legal. Vamos pegar neste exemplo atual das PPP (parcerias público-privadas) na área da saúde. Se o Governo propõe um determinado modelo contratual a uma empresa privada e, de repente, denuncia o contrato, passado 3-4 anos, o que é que isto vai fazer à credibilidade do Governo e à credibilidade de Portugal como país perante investidores estrangeiros? Nós, quando decidimos uma coisa, não podemos mudar.
Pegue no caso dos residentes não habituais. De repente, acabaram-se os residentes não habituais em dezembro. Isto não se pode fazer assim. Isto tem de ser anunciado: daqui a três anos vamos acabar com os residentes não habituais. Tem de ser mais soft, tem de ser mais suave. E certas coisas não podem mudar. Os códigos comerciais do Luxemburgo ou da Suíça estão escritos há 70-80 anos e não mudam. Por cá, estamos sempre a mudar as leis.
O próprio António Costa dizia que não pode assegurar estabilidade legal porque todos os anos tem uma coisa chamada Orçamento do Estado a fazer. Mas aí é que nós temos de mudar de chip. Temos de mudar de forma de pensar. Os investidores precisam de bases sólidas.
Portanto, à sua pergunta dou-lhe duas respostas – e não lhe chamo custos de contexto, chamo-lhe dificuldades de contexto: dificuldades de licenciamento e estabilidade legal.

— Como abordou há pouco na questão da gestão profissional, tem sido apontado a muitos empresários em Portugal, designadamente nas pequenas e médias empresas, problemas ao nível de qualificação e de gestão por parte de quem lidera. Como se resolve?
PV — Isso é um falso problema. É muito fácil dizer que a culpa é do gestor. É facílimo. Temos o que temos. Temos os trabalhadores que temos, temos os gestores que temos, temos os governantes que temos.
Neste momento, eu prefiro atuar sobre a dimensão governantes porque temos de melhorar a qualidade da governação de Portugal. Essa é que está deficiente.
Não me esqueço que foram os empresários que salvaram o país depois de 2011, subindo suas exportações nos últimos anos de 32 para 42%.

— E contribuiram para o acesso aos mercados em 2014.
PV — Isto é muitíssimo importante. Os empresários é que estão a safar o país, não é mais ninguém. Deixem de culpar os empresários. Os empresários merecem condecoração, não uma crítica.

— Pegando num exemplo concreto e olhando para novas gerações, tem um projeto na associação que é o Next In Line. Em que consiste?
PV — O projeto Next In Line nasce quando começo a aperceber-me de que já não era assim muito novo e que precisava de jovens membros na nossa direção.
Já lá vão uns sete anos em que fomos convidar para a direção jovens de empresas familiares na casa dos 30 anos. Hoje têm 40 e poucos. E demos-lhes luz verde completa para fazer todo o tipo de iniciativas que quisessem para mobilizar os jovens membros de famílias patrimoniais que amanhã serão eles a dirigir essas empresas.

— E começaram com 20 empresas. Agora já serão cerca de 150?
PV — Exatamente. É dos projetos que maior sucesso teve na associação. Tenho o grande orgulho de não ter nada que ver com isso. Nunca apareço em iniciativas dos NIL (Next In Line) porque senão roubava o spotlight. Quero o spotlight, o holofote, diretamente sobre eles.
Organizam visitas às empresas, fazem congressos, organizam conferências. É um sucesso. Eu, com 65 anos, tenho de pensar na minha sucessão. Não posso ser eterno. Gosto muito de ser presidente da Associação das Empresas Familiares, mas está na altura de dar lugar a um jovem nesta direção.

À minha maneira

– Qual é o seu estilo de gestão e de liderança, neste caso à frente desta organização?

PV — É empurrar os outros para a frente e para cima. Sempre. Quer nas empresas, quer na associação, é ver o talento jovem e promissor e dar-lhes visibilidade.
sso em tudo o que faço, sem exceção. Dar visibilidade e dar responsabilidade aos mais jovens do que eu.

— Envolve na tomada da decisão? Ouve, naturalmente, os associados, mas quando se toma a decisão sobre determinadas acções da associação…

PV — A sua pergunta pressupõe que a decisão continua a ser minha. Muitas vezes, não é. Utiliza-se este termo, desgastadíssimo, que é delegar. Não. É Libertar.
Temos de ter colaboradores nos quais confiamos suficientemente para lhes dizer “tu decides”.
A sua próxima pergunta é: “e se a decisão for má?” Pode acontecer. Mas aí a culpa foi minha porque confiei na pessoa que não devia ter confiado. E, em última análise, a responsabilidade é minha.
O meu papel é escolher sempre pessoas competentes, responsáveis, espertas, inovadoras e, sobretudo, corajosas.
Olhe, essa é uma outra “dificuldade de contexto”: a falta de coragem ou a falta de ambição. São essas as qualidades que temos que desenvolver: coragem e ambição.

Sim, conseguimos

Qual foi o maior obstáculo ou a maior adversidade que encontrou na AEF e como é que superou?

PV — Um presidente que tem muito que fazer profissionalmente não dá o tempo que devia dar a uma coisa tão importante como a Associação das Empresas Familiares. Portanto, em primeiro lugar, culpo-me a mim por não conseguir dar mais tempo à Associação das Empresas Familiares. Nunca tive outro problema a não ser a divisão do tempo para estar presente aqui nesta associação.

Mas qual terá sido, ao longo destes 25 anos, o maior problema na gestão da AEF? Foi a pandemia?

PV — Não, a pandemia foi uma oportunidade. Na pandemia, houve um contacto muitíssimo positivo entre a associação e o Ministério da Economia para agilizar. Isso correu muitíssimo bem.
Ao nível de certas empresas foi extraordinariamente problemático, mas as empresas adaptaram-se. Felizmente, tínhamos uma coisa chamada computadores pessoais, internet, Zoom e Teams. Continuámos a trabalhar normalmente durante o confinamento todo. Aí correu lindamente. Mas foi difícil para várias indústrias.

Portugal 2043

Como é que vê os desafios do país nos próximos 20 anos, quando Portugal celebrar 900 anos? E quais são?
PV — Os maiores desafios que nós temos olhamos para eles no espelho, todos os dias de manhã. Somos nós que temos de desenvolver mais a nossa ambição, a nossa aceitação de risco. Temos de desenvolver uma cultura que permita os erros e que não os castigue sistematicamente.
Ao mesmo tempo, temos de ter uma cultura de responsabilização. Olhe para o Ministério Público. O Ministério Público tem um conceito maravilhoso chamado autonomia judicial e à base da autonomia judicial todos os erros passam porque depois há um procedimento para dar resposta ao erro.
A autonomia judicial transformou-se em irresponsabilidade. Não pode ser! Temos de nos responsabilizar nós próprios e temos de ter estruturas de avaliação e de responsabilização. Voltando aos juízes. Os juízes são avaliados pelo número de processos que julgam em vez de serem avaliados pela antiguidade do processo, do mais antigo que tenham. Há toda uma mudança essencial.
Repare que eu não lhe estou a dar objetivos concretos: fazer aeroportos ou ferrovias. Não, nada disso. Temos de mudar de atitude, temos de ser mais ambiciosos, com a coragem para levar essa ambição em frente. E temos de nos responsabilizar. Temos de ser menos um país de costumes brandos. Não pode ser os costumes brandos! Temos de ser responsáveis perante nós próprios, perante os outros, isso, sim.

— Isso vê-se também no universo das empresas familiares, sejam grandes, sejam médias, relativamente à forma como se trata as pessoas e se procura reter o talento. Esse é um tema que preocupa também as empresas aqui representadas?
PV — As empresas familiares dividem-se em dois grupos. Numa primeira fase, a empresa familiar procura reter as suas pessoas, utilizando uma técnica paternalista. Somos todos uma grande família. E muitas vezes, até nas empresas que já não têm essa cultura paternalista que vem do fundador, mesmo assim, continua a haver um sentimento de família grande.
Numa segunda fase, quando a empresa familiar atinge uma grande dimensão, tem de ser muito mais profissional e tem de abandonar o paternalismo (característico de uma empresa familiar na sua primeira fase), se quer dar o salto. Se quer subir de divisão, tem de começar a reter os seus trabalhadores, os seus funcionários, com métodos muitíssimo mais modernos e que se ensinam nas escolas de negócio.
Não é só ao nível salarial e das condições, mas também ao nível do equilíbrio entre o trabalho e a vida privada, que é cada vez mais importante. Sei de casos de jovens, conheço casos de pessoas que gostavam de mudar de emprego, mas que não o fazem porque estão a oferecer-lhe, neste momento, condições de equilíbrio entre a sua vida privada e o trabalho que não consegue obter noutras empresas.
Isso tornou-se um aspeto importantíssimo: darmos à pessoa não só boas condições de trabalho, mas também boas condições de vida.

— No fundo, esse é um desafio que se coloca também ao próprio país, não só às empresas?
PV — A todas as empresas e ao país, mas as empresas familiares têm muito orgulho em conseguir reter pessoas durante décadas.
Na nossa empresa (Hovione), festejar as pessoas com 30 a 40 anos de casa é uma cerimónia importantíssima em que participa a fundadora da empresa, minha mãe, que dá os prémios e certificados de homenagem. Às pessoas que fazem 20 e 10 anos, já são tantas que ela não tem tempo. Mas 30 e 40 anos, ela está presente.