Bernardo Trindade: “Último ano de contributo da política para a TAP foi muítissimo negativo”

Portugal tem turistas em excesso? Vera Gouveia Barros defende levar turistas para fora das grandes cidades. Bernardo Trindade, presidente da Associação de Hotelaria de Portugal afirma que temos turistas a menos. Em debate ainda o novo aeroporto da Portela e a privatização da TAP.

Veja o vídeo completo no Youtube (em português) da Euronews:


“Os turistas têm de ser mais bem distribuídos”

VERA GOUVEIA E BARROS

Economista

Portugal, sendo um país pequeno, é, turisticamente, um país com produtos muito diversos, que oferece turismo de natureza, citadino, de praia. Portanto, cada um destes destinos tem capacidades de carga diferentes. Para alguns dos destinos, por exemplo, aqueles mais ligados à natureza, é fácil nós percebermos quantos turistas o ecossistema tolera. Noutros contextos, é um pouco mais complicado.
Sobre as externalidades negativas, toda a atividade económica, a própria existência humana, tem sempre benefícios e custos. Mais recentemente, no campo do turismo, tem-se alertado para as questões da gentrificação, para uma eventual relação com o comportamento dos preços das casas e, portanto, é preciso estudar e conhecer esse tipo de relação. Provavelmente, no território existem diferentes relações causais entre estas duas coisas.
Agora, há algo que me parece bastante claro e aí não tenho dúvidas em responder. Independentemente de termos já um número suficiente ou não de turistas, eles têm de ser mais bem distribuídos pelo território e disso não tenho grande dúvida.
As assimetrias regionais que nós conhecemos em termos da atividade económica também se verificam no setor e temos de melhorar em qualidade, ou seja, o destino Portugal tem capacidade para, com os mesmos turistas ou até menos, gerar mais receita, fazendo precisamente essa subida em termos de valor.
Quanto à desconcentração no território, temos observado que há regiões que estavam quase fora dos circuitos turísticos e que têm estado a crescer bastante. Os Açores têm tido taxas de crescimento elevadas, mas onde também era fácil crescer porque o turismo era muito reduzido. Às vezes, mesmo dentro das próprias cidades, também pode haver alguma desconcentração. Vemos, por exemplo, o ranking dos museus e dos monumentos mais visitados. Às vezes, fico surpreendida como uns escapam aos visitantes e que me parecem tão interessantes. Por exemplo, o Museu de Lisboa ou o de Bordalo Pinheiro, que até ficam próximos um do outro. As várias regiões podem articular-se e funcionar em rede porque isso não só promove a tal desconcentração, como também traz para o próprio turista uma experiência mais rica, o que certamente o deixará com vontade de regressar. Assim, consegue-se aumentar a estada média, se eu fizer com que as pessoas venham ao Porto fazer o turismo citadino que já fazem e depois ficarem, por exemplo, mais um ou dois dias para fazer a Rota do Românico, na zona de Castelo de Paiva e de Amarante. Para isso, é preciso que as várias entidades conversem umas com as outras e isso é fundamental.


“Acho que temos é turistas a menos”

BERNARDO TRINDADE

Antigo secretário de Estado do Turismo

Teremos turistas a mais? Não sei responder, mas sei responder à pergunta ao contrário. Temos turistas a menos e aquilo que nós vivemos há dois anos com a pandemia foi claramente a manifestação de qual é a consequência de termos turistas a menos, de não termos turistas ou de termos os nossos clientes e os nossos colaboradores em casa. E isso foi um cenário que considero absolutamente catastrófico e que não quero repetir. Não gostaria de repetir em prol do Turismo, em prol de Portugal e em prol da humanidade, numa lógica mais abrangente.
Agora, há um aspeto que é incontornável, aqui já referido: nunca nenhum de nós omitiu o facto de o turismo ter externalidades negativas e impactos negativos. Há um peso sobre a infraestrutura, com certeza. Se é uma atividade económica que se desenrola no território, que está intimamente ligada com o território, quando há um peso superior, obviamente que isto tem consequências.
Aliás, aquilo para que nós todos estamos convocados, nomeadamente empreendedores, associações e também o Estado, que tem um papel regulador, é para ir fazendo uma medição destes impactos e adotando medidas que, de alguma maneira, mitiguem efeitos negativos.
Penso que o advento das low-cost em termos de democratizar o acesso aos territórios ajudou bastante (lembro-me bem desses tempos) e também em resultado da nossa localização geoestratégica.
Ou seja, no fundo, o facto de eu, para cá chegar, ter uma ligação ponto a ponto competitiva e tendo Portugal uma diversidade concentrada que o torna atrativo do Minho ao Algarve, passando pelas regiões autónomas, não tenho dúvida nenhuma de que o país e as suas regiões turísticas mais importantes estão hoje no top of mind em termos de destinos a visitar.
Portanto, do ponto de vista de procura isso não constitui de facto um tema. Do ponto de vista da regulação com o turista, designadamente com a medição dos impactos, isso é uma matéria que, obviamente, deve estar na ordem do dia.
Vim da Madeira para Lisboa em 2005 e, na altura, havia três regiões que basicamente se destacavam. Todo o resto do país, do ponto de vista turístico, era muito frágil. Hoje, é com gosto que verifico que, nos 308 municípios do país, já encontramos sítios onde pernoitar, um restaurante onde degustar, uma experiência para viver e isso reflete bem o compromisso que tem havido entre poderes públicos e iniciativa empresarial.

VGB: “O turismo não é a principal causa do comportamento do mercado imobiliário”

Quanto ao overtourism, em 2019 e depois em 2022 ou este ano, estão a ser batidos recordes de chegada de turistas. Existem aspetos negativos, nomeadamente a questão da habitação e dos preços que subiram muito na restauração. Como inverter este cenário?
VGB – Aquilo que os estudos mostram, os poucos que temos para a realidade portuguesa e designadamente para o caso de Lisboa, é que, de facto, o turismo tem algum impacto, mas está longe de ser a principal causa do comportamento a que temos assistido no mercado imobiliário.
Até há cerca de dois anos, tínhamos taxas de juro historicamente baixas, o que a literatura económica reconhece como sendo um dos principais fatores que explicam o comportamento dos preços das casas. Estávamos a crescer economicamente, até com criação de emprego. O turismo, na verdade, contribui para o aumento do preço das casas também por essa via, ao ser um gerador de riqueza e de emprego também tem esse contributo indireto. Contribui indiretamente de outra forma também porque, por exemplo, o desenvolvimento turístico está muitas vezes associado ao desenvolvimento de infraestruturas: embelezam-se as ruas, criam-se parques, abrem-se restaurantes e, portanto, todas estas características que os bairros têm saem valorizadas pela presença do turism; logo, por aí, também tem um efeito nas casas.
Depois, é uma atividade profundamente ligada ao território, aliás, como também é o caso da habitação e, por isso, também se sente mais essa externalidade. Observamos que os restaurantes ficaram mais caros, há atividades que ficaram mais caras, para além de outros constrangimentos que temos de acesso aos transportes, por exemplo. Isso não me parece que se resolva acabando com o turismo.
Resolve-se com a gestão que promove uma desconcentração ao longo do ano. O combate à sazonalidade continua a ser um aspeto fundamental desta atividade, até porque a sazonalidade é prejudicial para a estabilidade profissional de quem está no setor, pois sabemos que há alturas com muita procura e depois outras com menos; isso cria instabilidade ao longo do ano em termos de rendimentos.

— Quanto ao efeito da habitação e o preço imobiliário, o setor do turismo e quem o representa aparece como o mau da fita. Porquê?
BT — Hoje há um debate que Portugal tem de fazer de uma vez por todas: “que turismo queremos e que turistas queremos?” Durante muitos anos, tivemos oportunidade (ou este Portugal mediático teve oportunidade) de classificar o turismo como uma atividade precária onde os salários eram precários e onde a qualidade era abaixo do que era expectável.
Nós estamos a fazer um esforço, de facto, inigualável. Saímos de uma pandemia, estamos a recuperar mais rapidamente com uma resposta muito positiva do mercado e todos aqueles que olham para nós.
Estamos, neste momento, sim, a vender mais caro porque estamos a viver uma guerra, as cadeias de distribuição foram interrompidas, o custo de produção de cada unidade é hoje mais caro. E ainda há o tema dos recursos humanos porque é um tema que queremos trabalhar na sua crescente dignificação e estamos a conseguir. O turismo lidera no quadro das atividades da economia portuguesa e vive o delta dos salários relativamente aos últimos anos.

BT: “É preciso mais mão-de obra e uma integração plena no turismo”

O turismo teve de importar mais pessoas. Há um fenómeno de imigração também por causa do turismo?
BT — Nós perdemos cerca de 50.000 ativos durante a pandemia, os quais já foram recuperados. O que acontece é que, em resultado da afirmação desta atividade, há hoje mais negócio, há mais unidades hoteleiras, há mais estabelecimentos de restauração, há mais experiências e mais agências de viagens. É preciso gente. A nossa atividade é de mão-de-obra intensiva e, portanto, é preciso pessoas e nós já não nos bastamos para esse desafio.
Este processo de importação de mão-de-obra, de determinados países onde a nossa relação histórica ede acolhimento é satisfatória, tem determinado a vinda dessas pessoas para cá. Como é evidente, nós defendemos a chamada integração plena; ou seja, não basta criar as condições para que estas pessoas venham, é preciso depois dar-lhes skills para que possam dizer “eu fiz a opção por esta atividade económica, quero singrar em Portugal, quero permanecer em Portugal”.
Temas como a habitação, os transportes, as próprias qualificações linguísticas ou qualificações muito associadas à profissão, têm, obviamente, de merecer um olhar de todos.
Portugal vai crescer acima da média da União Europeia, tem uma impressão digital clara que resulta muito do comportamento da nossa atividade e queremos estar na linha da frente dessa responsabilidade. Agora, obviamente, isto carece de um plano integrado.

BT: “É preciso ter um plano B até à conclusão do novo aeroporto”

Como economista e investigadora, o que será necessário fazer para uma melhor integração e formação do setor e dos seus profissionais?
VGB — Se nós formos olhar para o ranking do Fórum Económico Mundial, na parte do Turismo e que elenca os vários fatores de competitividade, o setor do turismo tem também problemas de formação. Nós sabemos que o país tem um défice de qualificações, tem de fazer um trabalho para recuperar e isso verifica-se também, naturalmente, no setor do Turismo.
Depois há, igualmente, os aspectos de custos de contexto, de ambiente de negócios, que são verdade para uma tecnológica, para uma indústria e também para o setor do turismo.
Quando falamos de turismo, estamos a falar de comércio, de agricultura, de indústria, de transportes e isto implica que todos estes interlocutores se entendam. Muitas vezes, quando falamos em turismo, temos a tendência de pensar logo em alojamento e restauração, mas este setor é mais amplo do que isto. Tem todas as atividades culturais.
Não é só a parte da hotelaria e a da restauração que preci, por exemplo, que os transportes tragam os turistas para cá. A clientela do transporte, principalmente do aéreo, usa-o por motivos de lazer e de viagem turística. Há uma complementaridade na tural entre os setores e é preciso que falem, que se articulem.
Também é verdade que a terra, o imobiliário que não especificamente a habitação, também é um ativo para o turismo e, portanto, a relação também se sente do lado dos preços da habitação para o turismo. Os constrangimentos de licenciamento de que se fala muito a propósito da questão de não haver casas, não haver esse aumento, também existem quando se quer construir um edifício para os serviços em geral, designadamente para o turismo.

Recentemente, a comissão que está a avaliar a localização do novo aeroporto defendeu a necessidade de uma solução rápida para a Portela. Qual a premência deste tema?
BT – A premência existe, em termos quantitativos, no sentido de dar uma resposta a um conjunto vasto de companhias aéreas que gostariam de programar Portugal e Lisboa, mas igualmente do ponto de vista qualitativo. A qualidade que entrego hoje no Aeroporto de Lisboa não é satisfatória para ninguém, por variadíssimas razões. Há uma premência de intervenção ao nível de uma grande decisão que é um novo aeroporto.
Até lá, porque temos pela frente um período de 10 anos até à respectiva conclusão, é preciso ter um plano B que acautele estas dimensões. No fundo, que assegure uma melhoria da qualidade no aeroporto da Portela, garantindo que toda a miríade de serviços que entrega possa fazer-se com melhor qualidade. Por outro lado, responder a esta questão que é: “Tenho um conjunto vasto de companhias aéreas de referência que querem reforçar ou criar ligações diretas com Portugal e com Lisboa, em concreto. Que alternativas vou encontrar durante este período até à conclusão do aeroporto para que Portugal não perca clientes?”
Portugal pode dar-se ao luxo de estar a dispensar clientes? No meu ponto de vista, não pode, porque estamos no início de um processo ou a consolidar um processo que nos coloca, de facto, como uma referência em termos mundiais nesta área do turismo.

VGB: “A privatização da TAP não vai afastar os turistas”

Quanto ao aeroporto e à privatização da TAP, qual o impacto no turismo?
VGB – É preciso tomar uma decisão, devidamente estudada, ponderada, mas é preciso decidir, sem continuar a arrastar, até porque já se produziram tantos estudos que nos vários deles deve estar uma resposta.
Em relação à TAP, temos de definir o que é para nós a TAP e, se nós entendermos que serve para prosseguir fins que não são exatamente os fins comerciais, então a sua manutenção numa esfera pública fará sentido. Na verdade, o objetivo é trazer turistas para Portugal. Essa procura existe e não me parece que seja a privatização que os vá afastar.
BT – Reconheço a TAP como um instrumento de mobilidade fundamental ao nosso país. Independentemente de estarmos a discutir a bondade da percentagem que vai ser alienada, é fundamental assegurar determinados princípios. O primeiro deles é o reforço do hub em Lisboa, a plataforma que permite garantir que Lisboa é uma centralidade no futuro TAP.
Em segundo lugar, e espero que fique claro no caderno de encargos, é a capacidade de reforçar as ligações ponto a ponto com outros aeroportos nacionais. Isto responde a uma reivindicação justa que, quer o Porto quer o Algarve, tiveram relativamente ao futuro da TAP. Sou muito sensível à questão das regiões autónomas e entendo que um português da Madeira ou dos Açores não é menos português do que um do continente. Essa relação deve ser assegurada.
Finalmente, a nossa relação com a diáspora . Só quem anda lá fora e quem ouve os nossos concidadãos a referirem o papel da TAP, percebe o sentido do reforço desta portugalidade. Esta é uma matéria que deve igualmente fazer parte desse caderno de encargos. Agora, não tenhamos dúvidas de que a TAP atua num mercado muitíssimo concorrencial e são necessárias parcerias muito fortes que permitam valorizar onde a TAP é boa, onde a TAP é importante, onde a TAP é competitiva. Neste quadro, a nossa relação quer com a África, quer, sobretudo, com a América do Sul e o Brasil em concreto, é absolutamente decisiva. As companhias aéreas, os grandes grupos de transporte aéreo, obviamente estão muito atentos àquilo que essas geografias representam de potencial para a TAP.
Quero rapidamente esquecer o último ano em termos do contributo da política que, para a TAP, foi muitíssimo negativo. Vamos ser positivos e projetar o futuro.