Hoje, proponho-vos uma reflexão sobre um dos mais interessantes e menos dicutido temas neste domínio: a função do Estado no que respeita à gestão das suas infraestruturas.
O tema até parece consensual, mas a evolução do tipo de infraestruturas, a sofisticação dos modelos de gestão e a complexidade do seu modelo de financiamento têm tornado o tema mais complexo.
A primeira ideia dominante é que a gestão da infraestrutura sempre caberia ao Estado. Dado tratar-se da gestão de um bem geralmente público, muitas vezes não apropriável, não transaccionavel e nao prescritível e geralmente tratando-se de sectores em monopólio natural ou desejável, o óbvio é reconhecer que apenas o Estado o pode gerir. É o caso das estradas ou da rede de saneamento, por exemplo.
Este consenso, porém, é mais aparente do que consequente. Várias razões podem justificar esta inconsequência. A primeira é a falta de apetência do Estado Gestor. Mas a mais relevente decorre, mais uma vez, do modelo de contas públicas. Explicando:
Não existindo uma Conta de Balanço Nacional na contabilidade pública, o maior ou menor valor patrimonial das infraestruturas de um País nunca é reconhecido. Uma rede de saneamento preservada ou deteriorada não tem reflexo na “accountability” publica. Ambas tem o mesmo valor patrimonial, o investimento histórico (eventualmente acrescido pelo custo das grandes reparações e benfeitorias). Mas na prática, os bens públicos nem se depreciam nem se valorizam.
Percebe-se, por exemplo, o facto de Portugal, no último decénio, ter desinvestido fortemente para poupar no défice, sem qualquer reflexo nas contas públicas. O caso da Saúde é só um exemplo visivel da degradação da infraestrutura.
A segunda ideia dominante é que os Estados tendem a concessionar as suas infraestruturas à gestão privada. A vantagem do modelo da concessão é evidente do ponto de vista da transparência das contas públicas, pois torna óbvio o valor patrimonial da infraestrutura ou pela antecipação dos beneficios futuros ou pelo pagamento regular de uma renda.
Em qualquer caso, ficamos a saber o valor patrimonial da infraestrutura. Ao tranferir a concessão para um privado, pode fixar contratualmente um conjunto de exigências quanto à manutenção da qualidade da infraestrutura. Aliás, no final da concessão, a infraestrutura terá de ser devolvida em perfeitas condições.
Numa concessão já não se coloca o problema do reconhecimento do valor, mas sim a qualidade das condições contratuais com que se negoceia a infraestrutura que determinará os diversos requesitos exigidos à gestão e ao serviço prestado.
Essa negociação faz-se, geralmente, entre o Estado concedente e o privado concessionário. É o caso da maior parte das concessões existentes. Por exemplo, o Estado central opera como concedente nos portos ou nos aeroportos e são os privados que operam a infrestrutura.
Claro que, do ponto de vista da transparência, a concessão é já de si uma vantagem. Permite a monetização da Infraestrutura, garante contratualmente a preservação do activo e entrega ao estímulo privado os incentivos da gestão contratualizada. Mas a principal vantagem parece ser a gestão privada da concessão. Não é a nossa opinião. Porquê?
Porque este modelo tem tendência a apresentar alguns inconvenientes. O primeiro é que o Estado tem a tendência de valorizar a receita “upfront” do valor patrimonial da infraestrura através da antecipação de receitas futuras. Isso beneficia gerações actuais em detrimento de gerações futuras. Nada de errado, se o valor obtido fosse aplicado em investimentos também com beneficio futuro, numa espécie de “hedging” geracional. Mas todos sabemos que, muitas das vezes, a necessidade leva à utilização desses fundos em despesa corrente.
A segunda tendência é ir aumentando o prazo da concessão porque quanto maior o prazo. maior a receita com o consequente risco de desactualização das condições contratuais iniciais e consequentes conflitos em nome dos reequilíbrios contratuais com custos elevados.
A terceira é a mais silenciosa e consiste no facto de, terminado o periodo da concessão, a gestão ser devolvida ao concedente. Ora o Estado, se não tem (ou deixou de ter) competências para a gestão daquele serviço, torna inevitável ou o alargamento do prazo ou um novo concurso para novo periodo de concessão.
Em Portugal, temos concessões que já duplicaram o seu tempo de vida original. Não sendo dramático, ainda assim limita as opções do Estado.
Só há uma forma de reduzir este risco de desequilíbrio entre o Estado e o Privado. É a sobreposição de competências. Uma concessão de infraestruturas deve pressupor capacidades idênticas do sector público e privado e a gestão da infraestrutura pode sempre caber ao privado e ao público numa ótica concorrencial, numa ótica mista (empresas concessionárias mistas) ou numa ótica sucessiva (concedentes públicos que podem subconcessionar a privados).
Nestes casos, o concedente é simultaneamente concessionário, o que lhe limita a tendência da excessiva monetização da subconcessão, permite um diálogo mais próximo e constante com o privado, mas, sobretudo, garante a preservação das competências para garantir a manutenção da gestão da infraestrutura, em caso de término ou resgate.
Tiremos assim algumas conclusões. A gestão da infraestrutura é um dever do Estado. Porém, o Estado tem de concessionar a privados ou públicos a gestão dessa infraestrutura para a monetizar e para assegurar os incentivos certos à sua valorização e preservação. A forma de o fazer obriga a preservar concorrencialmente ou conjuntamente com o privado competências de gestão.
Em Portugal, soluções como estas já existem parcialmente no caso das infraestruturas rodoviárias, concessionadas às Infraestruturas de Portugal, empresa pública que também poderia ser mista, com posterior subconcessão a privados de certos segmentos. Talvez fosse boa ideia olhar para esse modelo, corrigir os erros e aperfeiçoar-lhe as virtudes.
Até porque Portugal, curiosamente, mantém uma das melhores infraestruturas rodoviárias da Europa vai para mais de 20 anos, passando por períodos diferentes na sua capacidade de investir ou valorizar este tipo de infraestruturas.
Gestor e ex-presidente do Novobanco