Não é certo se Portugal chegou ao Japão em 1542 ou 1543. O que sabemos é que o Japão – ou parte dele – entrou no país para ficar em 2022. Bruno Marques e Tânia Bernardo instalaram no centro histórico de Viseu uma hospedaria que segue os cânones da tradição japonesa de acolher e receber viajantes, para uma experiência galardoada com o prémio “Conceito Inovador” pela AHRESP em 2023.
Como é que surgiu a ideia de criar o Viseu Ryokan?
Tânia Bernardo – Em 2008, o Bruno foi ao Japão num estágio de karaté e ficou apaixonado pela cultura. Ficou alojado num ryokan e adorou a ideia. A partir daí, dizia como gostaria de um dia fazer um ryokan e começou logo a desenhá-lo na sua cabeça. Esse era o sonho — mas talvez na reforma. Até que um dia, numa brincadeira num almoço de família, começámos a definir onde é que iria ser, vimos até alguns alguns edifícios e encontramos o certo no centro de Viseu.
A escolha de Viseu foi intencional?
TB – Eu sou de Vila Nova de Gaia e o Bruno de Viseu. Estávamos numa fase da nossa vida em que tínhamos de decidir aonde é que íamos morar e qual a melhor cidade para fazer um projeto inovador como este. Eu já estava um bocadinho inserida no turismo no Porto; mas sentimos que um alojamento como este talvez não tivesse no Porto hóspedes que fossem mesmo para viver a experiência. Ou seja, o público-alvo nem sempre seria aquele que queríamos.
Sonhávamos fazer este projeto numa cidade mais pequena, que valesse a pena ser visitada e talvez com isso trazer mais pessoas. E é o que está a acontecer. Há muita gente que vem a Viseu porque quer vir ao ryokan, o que nos deixa muito felizes.
Qual é o volume de negócios?
Bruno Marques – No ano passado, o primeiro ano completo, cerca de 180 mil euros. Temos tido um crescimento contínuo: este ano estamos com mais 30% de dormidas. E são muitos portugueses a visitar-nos. Desde o início que 80% dos nossos hóspedes são portugueses e 20% são estrangeiros.
Como é que se define a experiência de um ryokan?
BM – Os ryokan têm uma história muito antiga, desde o tempo feudal do Japão. Tal como há outras tipologias – o hotel, o apartotel, a pensão – o ryokan é um tipo de alojamento. Era o mais acessível que existia: muito humildes, familiares e simples. Dormia-se no chão em tatami, placas de palha prensada. Hoje já há desde os mais humildes a gamas extremamente luxuosas.
O ryokan define-se por certas particularidades. Os hóspedes descalçam-se à entrada, onde trocam para uns chinelos. Nos quartos, além do tatami no chão, as camas são futons. Nos mais humildes, são colchões tradicionais finos que durante o dia se enrolam para ganhar área útil nos quartos; mas há futons mais sofisticados, mais grosos e sempre estendidos, pelo quais nós optámos, no caso sobre plataformas de madeira. Os hóspedes também têm disponíveis yukatas, quimonos tradicionais japoneses para andar por casa. Tudo contribui para que um hóspede seja recebido quase como um familiar.
Aos ryokan também estão sempre associados onsen, banhos termais. Daí que nós também criássemos um spa, embora não com águas termais, disponível exclusivamente por marcação. Temos também uma sala de massagens com terapias japonesas, orientais e ocidentais.
A estadia tem incluída um pequeno-almoço continental e o acesso ao spa. Mas temos serviços complementares, como o pequeno-almoço tradicional japonês, com sopa miso, salmão, arroz, omeletes japonesas e chá, que também servimos como brunch. Tem tudo que ver com os detalhes.
O que distingue o vosso projeto?
BM – Somos um dos poucos ryokan no mundo inteiro fora do Japão. Isso também nos deu força para apostar neste conceito diferenciador. Mais do que um alojamento, somos uma experiência.
O nosso core business é o alojamento, mas tudo o que são serviços complementares também estão disponíveis para não-hóspedes. O spa, as massagens, as refeições, desgutação de sake, workshops de origami, showcookings de sushi: cerca de um quarto dos participantes nestas experiências não estão cá alojados.
Quais foram os maiores desafios até agora?
BM – Foi importante não fazer nada de cor. Eu já tinha estado no Japão em 2008 e decidimos avançar com o projeto em 2016. Em 2018 fomos ao Japão, a Tânia pela primeira vez, e estivemos a dormir em ryokans de vários tipos para absorver todos os detalhes. De outra forma seria impossível replicar um verdadeiro ryokan. Já tivemos cá japoneses, as nossas “provas dos noves”, e o feedback foi muito satisfatório.
As dificuldades foram as de qualquer jovem empreendedor em Portugal. A obra em si foi a maior dificuldade. Nunca nenhum de nós tinha feito sequer uma casa e não percebemos nada das burocracias.
TB – E escolhemos um prédio com mais de 300 anos! Esforçámo-nos para manter muito do original.
BM – Como fica mesmo no centro histórico de Viseu, tem regras muito próprias para reabilitação urbana. Logo aí foi a primeira dificuldade: a morosidade de algumas instituições em dar andamento. As burocracias demoraram muito tempo, mais do que o que seria esperado e se poderia compreender.
Depois, estivemos quase um ano para arranjar um empreiteiro. Não foi uma obra fácil, porque é uma zona de difícil acesso e um edifício muito antigo. Comprámos o prédio em 2016 e abrimos portas em 2022 — o que era para demorar menos de um ano, demorou três.
Houve adesão desde o início?
BM – Termos um conceito diferenciador ajudou muito para que no início tivéssemos uma procura acima do esperado para um alojamento novo. Também suscitou muito interesse por parte de alguns órgãos de comunicação social, o que nos ajudou muito a divulgar.
A esmagadora maioria dos nossos hóspedes são pessoas que vêm de propósito à nossa procura. Também é engraçado termos muitas pessoas de Viseu que querem experimentar acabam por ficar cá.
Tiveram alguma ajuda especializada, um consultor japonês?
BM – Em pormenores. Criámos uma amizade com um japonês que tem sido nosso consultor para aspetos muito particulares.
Por exemplo, para decidir como é que como é que iríamos denominar os quartos. Disse-nos que é habitual terem nomes de flores. Mas também já me tinha contado uma história que me tinha intrigado muito. O número 4 é homófono da palavra para morte.Ora, os japoneses são muito supersticiosos, ao ponto de haver prédios no Japão que não tem o quarto andar e hotéis que não têm o quarto número 4.
Então o que é que eu fiz? O nome do quarto é o algarismo em japonês. Mas fizemos esta brincadeira de saltarmos o 4, pelo que temos sete quartos — numerados até ao oito.
Tendências de Futuro
Turismo rural
Bruno Marques – O Covid veio mudar o paradigma do turismo em Portugal, ao transformar este hábito dos portugueses fazerem muito turismo cá dentro.
Tem havido uma aposta muito grande na hotelaria e no turismo rural e no interior. A minha percepção é que começar a haver muita oferta tem obrigado também a quem entra a tentar fazer algo diferente.
Personalização
Tânia Bernardo – As pessoas procuram uma experiência. Valorizam muito o atendimento de excelência e personalizado. Sentimos que isso é algo que as alegra mesmo, que gostam, e é o que faz as pessoas voltarem.
BM – Ou seja, neste momento as pessoas procuram turismo fora dos locais de turismo de massas. Estamos a falar do interior de Portugal, etc.
Se querem passear, fazer um fim de semana diferente, focam-se na particularidade de um hotel ou na especificidade de uma quinta.
O turismo em Portugal está a crescer muito também nesse aspecto da experiência, de não ser só um sítio para dormir.
No nosso caso, só estando cá e absorvendo estes pormenores e detalhes que temos aqui Os cheiros – os sons, as cores, as texturas – é que se consegue mesmo sentir que quase se entra para uma dimensão diferente.