Os primeiros 90 dias de D. João II: lições para líderes em transição

Uma lição para todos os líderes contemporâneos prestes a enfrentar o seu Dia #1

“The first 90 days”, de Michael Watkins, é um guia amplamente reconhecido para líderes em transição para uma nova função ou empresa. O livro descreve estratégias para ajudar os novos líderes a navegar com sucesso nos primeiros três meses, aproveitando ao máximo este período crítico.

Será que o Príncipe Perfeito já tinha lido o livro “The first 90 days” quando, no início de setembro de 1481, começou o seu reinado como D. João II? Quais as lições que os líderes do século XXI podem aprender com o Rei mais estratega e transformador que tivemos na nossa história?

Acelerar a transição

Cada transição de um líder de topo é única e reflete as diferentes posições iniciais do executivo e da organização que o contratou ou nomeou.

Uma abordagem testada com sucesso é concentrada no período anterior ao início do novo líder na função e, em seguida, nos seus primeiros 90 dias. Este é o período durante o qual é possível uma transição eficaz, quando as primeiras impressões são moldadas e quando a “trajetória” real e percecionada do líder é estabelecida.

Existem cinco temas principais em torno dos quais se espera que o novo líder atue durante os primeiros 90 dias:

  1. Abraçar a Liderança Operacional
    Ao iniciar uma função de liderança, é essencial que os líderes assumam rapidamente o controlo das operações diárias, identificando “early wins” para ganhar credibilidade. Decisões rápidas ajudam a demonstrar competência e criar tração operacional.
  2. Mostrar Intenção Estratégica
    Além da gestão operacional, o líder deve clarificar a direção estratégica da empresa. Compreender as necessidades de transformação e envolver a equipa no desenvolvimento de estratégias ajuda ao alinhamento, garantindo o crescimento futuro.
  3. Alinhar com Stakeholders
    O sucesso na transição de liderança também depende de um alinhamento eficaz com stakeholders formais e informais. Identificar influenciadores chave e construir alianças são passos fundamentais para garantir apoio, para além de estabelecer prioridades claras.
  4. Assumir a Liderança da Equipa
    O novo líder precisa de avaliar rapidamente as capacidades da equipa e identificar possíveis mudanças organizacionais. É crucial criar um ambiente de trabalho produtivo e colaborativo, mantendo o alinhamento com os objetivos da empresa.
  5. Ajustar a Cultura Corporativa
    Compreender a cultura da organização, sobretudo em comparação com a anterior, é vital para o líder identificar desalinhamentos. Deve decidir o que precisa mudar na cultura e implementar medidas viáveis para criar um ambiente inclusivo e eficaz.

Os primeiros 90 dias de D. João II

Nos primeiros 3 meses do reinado de D. João II, o monarca tomou ações decisivas que marcaram o início do seu poder, especialmente nas Cortes de Évora em novembro de 1481. Temos de ter consciência que o Príncipe Perfeito tinha a vantagem de acompanhar de perto o reinado do seu Pai, D. Afonso V, há vários anos, conhecendo por isso a fundo a posição que foi ocupar. Isto corresponde a uma fase prévia ao “Dia #1”, onde o líder se deve preparar em detalhe.

“Abraçar a Liderança Operacional” foi natural para D. João II. Nestas primeiras cortes, apresentou logo um conjunto de reformas destinadas a centralizar a autoridade da coroa e recuperar a autonomia do poder régio, algo que foi visto como um passo crítico para garantir a estabilidade do reino. Também se dedicou à reestruturação das finanças, defesa da justiça célere e à administração eficiente do reino, estabelecendo uma base sólida para o seu reinado. A rapidez e firmeza dessas decisões foram fundamentais para consolidar a sua autoridade e gerar tração operacional.

“Mostrar Intenção Estratégica” foi uma prioridade de D. João II, logo no início do seu reinado. Delineou um caminho claro, apresentando medidas que indicavam a sua intenção de reduzir o poder da alta nobreza, enquanto se comprometia a fortalecer o papel da coroa na administração e no controlo dos recursos do reino. D. João II nunca escondeu a sua estratégia de longo prazo, preparando o terreno para um governo mais eficiente e centralizado, única forma de fazer a transformação que um reino em penúria tão necessitava.

“Alinhar com Stakeholders” era uma grande habilidade de D. João II, nomeadamente por construir alianças estratégicas com diferentes grupos dentro do reino. Um dos seus principais focos foi garantir o apoio da pequena nobreza e dos procuradores dos concelhos que representavam os interesses das cidades e vilas (do “povo”). Ao obter o apoio desses grupos nas Cortes de Évora, D. João II conseguiu enfraquecer o poder da alta nobreza, enquanto reforçava o apoio das classes mais ligadas ao comércio e administração local.

“Assumir a Liderança” foi fulcral porque desde cedo o Príncipe Perfeito percebeu que precisava de se cercar de aliados leais e competentes para fortalecer o seu reinado. D. João II era conhecido por registar as suas opiniões sobre as pessoas notáveis à sua volta, podendo assim escolher o melhor talento para cada situação. Foi assim com a rápida seleção de Diogo da Azambuja para construção da fortaleza de São Jorge da Mina, em 1482, na costa do atual Gana, garantindo o domínio das rotas comerciais africanas.

Finalmente, “Ajustar a Cultura” estava claro desde há vários anos. Após algumas tentativas falhadas de corrigir o rumo do país enquanto era Príncipe, assim que chegou a Rei, logo colocou o foco em travar a atitude mais descuidada do seu pai.  D. João II promoveu um ambiente de maior controlo régio e diminuição do poder feudal. Identificou rapidamente os desalinhamentos entre a nobreza e os interesses da coroa e tomou medidas para corrigir essas discrepâncias, reforçando a autoridade real em questões políticas e económicas.

Epílogo

É conhecido que D. João II foi um estratega político formidável, mantendo o controlo do reino através de decisões firmes e calculadas. O seu cognome, “Príncipe Perfeito”, reflete o respeito e admiração que inspirou pela sua capacidade de liderança e habilidade em manter a estabilidade e o crescimento do reino, mesmo em tempos de grandes desafios económicos e políticos. Mas talvez seja menos conhecido que os seus primeiros meses de reinado foram um “case study” de transição acelerada para a sua nova posição, uma lição para todos os líderes contemporâneos que estão prestes a enfrentar o seu “Dia #1”.