O orçamento é amigo das empresas e responde ao abrandamento da economia?
Pedro Fugas – Depois de diversos avanços e recuos nas negociações promovidas pelo Governo e num clima de incerteza quanto à aprovação final, a Proposta de Lei do Orçamento do Estado (PLOE25) foi apresentada no dia 10 de outubro, na Assembleia da República. A PLOE25 foi negociada e preparada num contexto macroeconómico marcado por previsões de crescimento económico de 1,8% e 2%, respetivamente, para 2024 e 2025, com o Governo a apresentar um excedente orçamental projetado de 0,3% do PIB em 2024 e 0,2% em 2025.
Estas previsões são mais otimistas que as previstas no Plano de Estabilidade 2024-2028 preparadas pelo Ministério das Finanças na transição de Governo. A dívida pública deve continuar a cair, com uma redução de 2,6pp em relação a 2024. A inflação deverá fechar acima de 2%, enquanto a receita fiscal deverá continuar a aumentar, mas de forma mais moderada. Estas previsões estão alinhadas com as metas orçamentais definidas pela Comissão Europeia, estando o Governo comprometido em manter o equilíbrio orçamental, apesar da generalidade das medidas previstas na PLOE25 representarem um alívio fiscal.
No entanto, este contexto macroeconómico é bastante volátil, encontrando-se marcado por uma série de incertezas, nomeadamente a evolução das taxas de juro, as eleições nos EUA e o espectro de conflitos armados em diferentes regiões do mundo que podem afetar as cadeias de abastecimento, o preço das matérias-primas e, acima de tudo, a segurança energética, com impactos que podem ser significativos no crescimento de uma economia aberta como é a portuguesa.
Neste contexto, espera-se da versão final do Orçamento e da política do Governo em 2025 uma abordagem prudente e, sobretudo, estratégica, que procure equilibrar a necessidade de consolidação fiscal com a promoção do crescimento económico e a proteção social.
Assim, será importante que o Governo adote medidas que fomentem a resiliência da economia face a choques externos e a aposta em setores estratégicos para a economia nacional. Algumas dessas medidas constam da PLOE25, mas poderá ser necessário reforçar algumas vertentes do ponto de vista fiscal, sobretudo relacionadas com o apoio às empresas, apesar da ausência de consenso entre os dois principais partidos políticos.
Do lado fiscal, e começando pelo IRS, destaca-se o reforço significativo do IRS Jovem que poderá ser aplicado até um máximo de 10 anos de trabalho e 35 anos de idade, bem como a atualização dos escalões de IRS em 4,62% (claramente acima da inflação) e a isenção de IRS e Segurança Social para uma multiplicidade de prémios atribuídos pelas empresas.
Quanto ao IRC, a medida mais emblemática desta PLOE25 é a descida de um ponto percentual da taxa nominal de IRC. Adicionalmente, destaca-se a melhoria e aparente simplificação do incentivo à valorização salarial, do reforço do incentivo à capitalização das empresas e do desagravamento da tributação autónoma nas despesas com viaturas, tendo estas medidas resultado dos compromissos assumidos em sede de concertação social e em clara resposta às propostas apresentadas pelo PS no âmbito das negociações.
Não obstante, parece-nos que continuam a faltar medidas adicionais e expressivas de apoio direto ao emprego e ao investimento das empresas. Em matéria de impostos indiretos, estranha-se que a PLOE25 não concretize a medida já aprovada no Programa acelerar a Economia de criação do regime dos grupos de IVA, no sentido de permitir a consolidação intra-grupo dos saldos de imposto, apesar de identificada no Relatório do OE 2025 enquanto medida de reforço da competitividade fiscal. Prevê-se que o aumento de receita fiscal em sede de impostos indiretos poderá estar associado ao descongelamento progressivo da atualização da taxa de carbono em matéria de ISP.
Nada garante que o documento possa ser aprovado na sua primeira votação na generalidade, no dia 31 de outubro. Haja bom senso e sentido de Estado nas negociações que se seguirão.
Rui Pedro Martins – Como era previsível, a Proposta de Lei do Orçamento do Estado (PLOE) para 2025 não reflete na íntegra a visão que o Governo tem vindo a defender para o País, algo facilmente percetível por quem tiver analisado o programa eleitoral da Aliança Democrática, vencedora das últimas eleições legislativas, bem como, mais tarde, o programa do Governo e o programa «Acelerar a Economia».
Trata-se, pois, de uma PLOE bastante condicionada pela configuração parlamentar atual, na qual o Governo está longe de uma maioria sólida. Ainda assim, identificam-se medidas fiscais positivas para as empresas, com vista a “impulsionar o crescimento económico”.
Desde logo, é de destacar a proposta de descida em 1 p.p. da taxa nominal de IRC. A PLOE não prevê, contudo, qualquer compromisso para redução gradual desta taxa nos próximos anos, apesar de ser conhecido o desejo do Governo de atingir uma taxa de 15%, em linha com o nível de tributação mínimo previsto na Diretiva «Pilar 2».
É, no entanto, fundamental não perder este tema de vista, pois Portugal é um dos países da OCDE com taxas (nominais e efetivas) mais elevadas, facto especialmente impactado pela derrama estadual, que, apesar de ter sido criada num contexto de emergência orçamental, tem sido mantida, e até agravada, ao longo dos anos. Além de progressiva, a derrama estadual não tem uma lógica de solidariedade entre exercícios, tornando-se extremamente onerosa, o que justifica a intenção de “eliminação, de forma gradual, da progressividade da derrama estadual” manifestada pelo Governo no seu programa.
A PLOE prevê, ainda, a redução das taxas de tributação autónoma sobre encargos com viaturas ligeiras (0,5 p.p. por escalão), prevendo igualmente uma revisão benéfica dos escalões. Apesar de esta medida, acordada em sede de concertação social, ser positiva, não deixa de ser uma medida que pode ser percecionada como incoerente com a estratégia definida ao nível da transição energética, ao contrário do que sucederia se a opção de redução (ou mesmo eliminação) tivesse recaído exclusivamente sobre viaturas “amigas do ambiente”.
Num plano positivo surgem também as medidas que reforçam os incentivos à capitalização das empresas e à valorização salarial. Esta última medida, a par das medidas introduzidas tendentes à redução do IRS (nomeadamente nos prémios de produtividade), dão um sinal muito positivo relativamente à necessidade de crescimento dos salários, fator crucial para fomentar o consumo privado, o qual poderá revelar-se essencial num contexto de menor procura externa (com impacto direto nas exportações) resultante do abrandamento da economia europeia.
Porém, neste contexto de abrandamento da economia europeia e face às condições menos favoráveis de financiamento das empresas, porventura, teria sido igualmente importante acelerar a adoção de medidas com vista a facilitar tal financiamento, algumas das quais já previstas no programa «Acelerar a Economia» (e.g., alargar as isenções de Imposto do Selo nos financiamentos intra-grupo, rever o regime de IVA de caixa).
De igual modo, existe um caminho relevante por percorrer ao nível dos apoios fiscais a empresas exportadoras, podendo ser avaliadas medidas adicionais (e.g., rever o SIFIDE para acolher mais eficazmente a realidade do setor, minimizar o impacto financeiro decorrente do reembolso de IVA resultante desta atividade, introduzir/melhorar as isenções de Imposto do Selo em operações associadas à atividade de exportação).
Voltando às medidas adotadas na PLOE, a manutenção das contribuições setoriais, algumas das quais feridas de inconstitucionalidade, é certamente um dos elementos mais perturbadores para as empresas afetadas.
Na ótica fiscal, é de deixar ainda uma nota final para a manutenção e revisão do regime de «IRS Jovem», que, imbuído da boa intenção de atrair e reter talento, pode vir a ajudar as nossas empresas. Trata-se, no entanto, de um regime controverso quanto à sua constitucionalidade, em particular no que diz respeito a uma potencial desarmonia com o princípio da igualdade (que tão importante é para a coesão de um País…), ficando por verificar a eficácia da medida.
Numa perspetiva mais geral (e menos fiscal), dir-se-á que esta PLOE continua demasiado focada no lado da receita, sendo notória a ausência de medidas estruturais que possam promover uma melhor administração do lado da despesa.
De igual modo, as empresas agradeceriam medidas estruturais que contribuíssem, por um lado, para a simplificação e desburocratização da economia e, por outro lado, para o melhor funcionamento da justiça, permitindo-lhes alocar mais recursos à criação de valor.
Em todo o caso, a bola está agora do lado dos atores políticos nacionais que, face ao complexo contexto internacional em que estamos, deverão avaliar esta PLOE atendendo, exclusivamente, aos interesses do País, deixando de lado eventuais motivações político-partidárias.