Quem não sabe é como quem não vota

Será o voto não informado moralmente superior à abstenção?

Depois de uma inesperada descida acentuada da abstenção eleitoral nas Eleições Legislativas deste ano, todos os olhos estão postos nas Eleições para o Parlamento Europeu. Tendo registado uma taxa de participação de 31% em 2019 – uma das mais baixas da UE –, as Europeias são as eleições menos participadas da democracia portuguesa e há 35 anos que não conseguem atrair mais de metade dos eleitores. Uma inversão desta tendência representaria, então, um sinal claro de otimismo.

Considerando-a uma ameaça para os sistemas democráticos, os académicos desde cedo procuraram modelos teóricos para compreender a abstenção eleitoral. Um dos mais conhecidos é a teoria da escolha racional, proposta pelo economista Anthony Downs. Segundo esta teoria, os cidadãos ponderam (1) os benefícios que obterão caso o seu candidato favorito ganhe, (2) a probabilidade de o seu voto ser decisivo e (3) os custos associados ao ato de votar, como o tempo e o esforço.

Caso os benefícios e a probabilidade de ser decisivo superem os custos de votar, o eleitor participa; caso contrário, abstém-se. Exemplificando que a probabilidade de ter um voto decisivo é inferior à de ser atropelado a caminho das urnas, Downs nota que, regra geral, os custos superam os benefícios. Ainda assim, as pessoas votam em massa, o que significa que existem dimensões que transcendem uma mera avaliação de prós e contras.

A mais forte dessas motivações é a perceção do voto como um dever. O dever de votar está claramente definido no artigo 49º da Constituição Portuguesa: “O exercício do direito de sufrágio é pessoal e constitui um dever cívico”.

Não havendo, em Portugal, sanções associadas ao seu incumprimento, esta é uma obrigação de cariz moral ou ético. No entanto, a Constituição não especifica que os eleitores precisem de estar informados para exercer esse dever. Por outras palavras, “bem” ou “mal” – isto é, com ou sem informação –, o importante é votar.

Também no senso comum, o dever de votar não parece vir acompanhado de um dever de estar informado. Por exemplo, um estudo a uma amostra representativa de 2021 canadianos concluiu que quase metade dos cidadãos que dizem ter a responsabilidade moral de votar não sentem que seja sua obrigação informar-se para o efeito. Porém, para a concretização de alguns dos propósitos comummente associados ao dever de votar – proteger o sistema democrático, promover o bem comum e demonstrar virtude cívica –, o tipo de voto não é indiferente.

É difícil argumentar que, numa democracia, votar em partidos ou candidatos que atentem contra as suas instituições e valores por falta de conhecimento seja civicamente mais responsável do que não votar. Será o voto não informado moralmente superior à abstenção?

A literatura sugere que o eleitor típico tem boas intenções e acredita que está a votar pelo bem comum, mas é simultaneamente muito pouco informado. Dados do último Inquérito Social Europeu, por exemplo, indicam que 83% dos portugueses não confiam na sua capacidade para participar na política. Estes resultados não são surpreendentes se considerarmos que os custos de obtenção e análise da informação necessária ao ato de votar são elevados, mesmo para os cidadãos mais instruídos.

Paradoxalmente, estes custos parecem ser ainda mais significativos na era do conhecimento instantâneo. Por um lado, os algoritmos contribuem para a criação de bolhas informacionais que diminuem a diversidade – e logo, qualidade – da informação. Por outro lado, a overdose de dados cria dificuldades no processamento cognitivo e aumenta a ansiedade gerada por uma sensação de incapacidade de compreender realmente o que se passa no mundo.

Alguns autores são perentórios: “vote de forma informada, ou fique em casa”. Sugerir limitações à universalidade do sufrágio é, contudo, perigoso e abre a porta a retrocessos civilizacionais. Tendo em conta que, em Portugal, a abstenção eleitoral reflete desigualdades socioeconómicas, defender esta tese é ainda mais grave. Num repertório de envolvimento político em constante expansão, o voto continua a ser a modalidade mais acessível e a forma mais eficaz de influenciar a ação governativa.

Maximizar a participação e incentivar todos os cidadãos a envolver-se na vida pública é um objetivo fundamental, do qual depende o futuro do sistema democrático.

No entanto, é essencial que a promoção da participação eleitoral em Portugal seja enquadrada num projeto de mobilização mais abrangente. Primeiro, o reforço da educação política, não só através do ensino formal nas escolas mas também de campanhas de comunicação pública que alcancem todas as camadas da população. Segundo, a proteção do jornalismo livre, a espinha dorsal de qualquer democracia e a melhor arma de combate contra a desinformação, as câmaras de eco e a polarização.

Depois, ainda, a aproximação entre eleitos e eleitores, bem como uma maior desintelectualização da linguagem política, no sentido de reduzir o apelo de forças populistas que, um pouco por todo o mundo, têm conseguido capitalizar o descontentamento dos cidadãos através de retóricas simplistas.
Num momento decisivo para o futuro da democracia na Europa, convém lembrar que no voto, como na escola, é importante fazer o TPC.

Investigadora na Faculdade de Letras da Universidade do Porto